A terceirização de serviços no Brasil passou por uma grande transformação nos últimos anos. Antes limitada às atividades-meio, esse cenário mudou muito.
Com a promulgação da Lei 13.429/17 e a Reforma Trabalhista (Lei 13.467/17), o Supremo Tribunal Federal (STF) consolidou o entendimento de que a terceirização irrestrita é constitucional e permite a contratação de terceiros para qualquer atividade da empresa, desde que não haja fraude ou precarização das condições de trabalho.[1]
Mesmo com as recentes mudanças, a Justiça do Trabalho mantém uma postura protetiva em relação aos direitos dos trabalhadores. É essencial, portanto, que os contratantes adotem medidas concretas de fiscalização, capazes de demonstrar que supervisionam de forma diligente se a prestadora de serviço cumpre suas obrigações trabalhistas.
A ausência de uma gestão ativa e de fiscalização adequada pode gerar sérios prejuízos para a empresa contratante, como:
- condenação subsidiária em ações trabalhistas;
- bloqueio de bens e contas bancárias;
- danos à imagem e reputação da empresa (como a contratação de empresas terceiras que sejam condenadas por trabalho escravo);
- multas administrativas e autuações por órgãos fiscalizadores.
Esses riscos não são meramente teóricos. Em caso recente, registrado pela Justiça do Trabalho da 4ª Região, foram identificadas condições degradantes em alojamentos de trabalhadores terceirizados, como ausência de água potável, alimentação adequada e instalações sanitárias[2].
Casos como esse evidenciam que a responsabilidade da empresa contratante pode extrapolar o campo financeiro e alcançar dimensões reputacionais. Assim, o empenho das empresas prestadoras de serviços em cumprir as obrigações trabalhistas deve ser encarado como parte estratégica da governança corporativa. Isso exige ações concretas e contínuas de fiscalização em todas as fases contratuais.
Destacamos abaixo fases e práticas essenciais para garantir fiscalizações eficazes e reduzir a assunção de riscos trabalhistas pela tomadora dos serviços.
1ª - DILIGÊNCIA PRÉVIA: A ESCOLHA DO PRESTADOR DE SERVIÇOS
A prevenção começa antes mesmo da assinatura do contrato. A contratante deve realizar uma análise criteriosa do histórico e da estrutura da prestadora de serviços. Isso inclui:
- verificar a reputação da empresa no mercado e sua experiência no segmento;
- avaliar a solidez financeira, com análise de balanços e certidões negativas;
- investigar o passivo trabalhista materializado; e
- consultar certidões negativas de débitos trabalhistas, fiscais e previdenciários.
2ª - ESTRUTURAÇÃO CONTRATUAL: CLÁUSULAS PROTETIVAS
Um contrato bem elaborado é uma das principais ferramentas de proteção da empresa contratante. Além das cláusulas tradicionais, os pontos abaixo são recomendáveis:
- Cláusula de retenção mensal de valores: permite à contratante reter parte do pagamento mensal como garantia para quitação de obrigações trabalhistas.
- Reserva contratual em caso de rescisão, para garantir o pagamento de verbas rescisórias, especialmente em contratos com grande número de terceirizados.
- Seguro de responsabilidade: cobertura para eventuais passivos.
- Responsabilidade e direito de regresso: previsão expressa de que a contratada será responsável pelo passivo trabalhista de seus empregados e de possibilidade de ação de regresso, caso a contratante seja responsabilizada judicialmente.
3ª - EXECUÇÃO DO CONTRATO: FISCALIZAÇÃO CONTÍNUA
Durante a vigência do contrato, é imprescindível manter fiscalização periódica e adotar as seguintes práticas:
- solicitar comprovantes de pagamento de salários, FGTS, INSS e demais encargos;
- verificar o fornecimento de EPIs e condições adequadas de trabalho;
- realizar assessments financeiros e jurídicos periódicos para confirmar se a prestadora de serviços se mantém idônea; e
- registrar todas as ações de fiscalização, criando um histórico documental que comprove a diligência da contratante, para eventual necessidade de apresentar provas no futuro.
4ª - RESCISÃO CONTRATUAL: GARANTIAS PARA O ENCERRAMENTO SEGURO
O encerramento do contrato de prestação de serviços exige atenção redobrada.
É nesse momento que eventuais passivos trabalhistas podem se materializar e gerar impactos relevantes em grandes contratos. Por isso, é essencial que o contrato preveja:
- condicionamento de pagamentos finais à apresentação de comprovantes de quitação das verbas rescisórias dos empregados; e
- utilização dos valores retidos para quitar diretamente os direitos dos trabalhadores, caso a prestadora não cumpra essa obrigação.
A fiscalização ativa de empresas prestadoras de serviços em todas as fases contratuais é essencial. Por meio dela, é possível reduzir passivos financeiros envolvendo contratos de prestação de serviços, especialmente aqueles em que haja grande número de empregados.
[1] RE 958.252 e a ADPF 324
[2] https://www.trt4.jus.br/portais/trt4/modulos/noticias/50788785