O STJ é hoje firme em reconhecer que o mero inadimplemento da obrigação tributária por parte da sociedade não dá azo à responsabilização pessoal do sócio-gerente ou administrador pelo pagamento do tributo não recolhido, sendo necessária a prova da prática do ato com excesso de poderes ou infração de lei, contrato social ou estatutos que tenham acarretado o descumprimento.
Dado este cenário, não há como negar o paradoxo que representa a mesma Corte afirmar, até o momento sem maior dissonância concreta, que o ônus da prova do ato ilícito será da Fazenda Pública ou do administrador, a depender, respectivamente, de não constar ou constar o seu nome na Certidão de Dívida Ativa (“CDA”), a qual fundamenta a execução fiscal.
É este o entendimento que recentemente se cristalizou no julgamento do REsp 1.104.900-ES, submetido à sistemática dos recursos repetitivos. Contudo, importante decisão foi proferida em julgamento pelo STF, declarando a inconstitucionalidade do dispositivo que atribuía responsabilidade solidária ao sócio pelos débitos da sociedade perante a Previdência Social (artigo 13 da Lei 8.620/93).
Este julgamento fixa as seguintes diretrizes sobre o tema: i) a disciplina da responsabilidade tributária deve ser veiculada por Lei Complementar que, atualmente, é o CTN; ii) a simples condição de sócio não é causa suficiente para se atribuir ao terceiro a responsabilidade pelos débitos tributários da sociedade;iii) é necessária a comprovação de que o sócio exercia função de gerência e que o descumprimento da obrigação foi resultante da prática de alguma infração; e, iv) é vedado ao legislador tributário estabelecer confusão entre o patrimônio dos sócios e da sociedade, se na disciplina jurídica desta há regramento próprio de limitação e autonomia.
De fato, segundo o CTN (art. 135, III), a atribuição de responsabilidade aos administradores pelo pagamento de débitos tributários não quitados pela sociedade não decorre da mera impossibilidade desta em cumprir a sua obriga- ção. Nesta hipótese, a responsabilidade é pessoal do administrador em função da prática de uma infração (atos “com excesso de poderes ou infração de lei, contrato social ou estatutos”) que deu causa ao descumprimento da obrigação tributária.
Isto quer dizer que a responsabilização pessoal do administrador requer a demonstração da prática do ato ilícito: sua responsabilidade é pessoal, não solidária. Justamente porque é necessária prévia demonstração da prática do ato ilícito, é fundamental que seja garantido, na esfera administrativa, o pleno exercício do devido processo legal.
O STF apreciou a matéria e julgou pela necessidade de observância do processo administrativo na constituição do crédito tributário, independentemente de quem seja indicado no polo passivo – contribuinte ou responsável (Agravo Regimental no Recurso Extraordinário 608.426 - ministro Joaquim Barbosa). A CDA só pode ser legitimada como título executivo apto a fundamentar a execução fiscal contra o administrador se refletir o resultado da observância de todo esse procedimento, com pleno cumprimento do devido processo legal administrativo.
A mera inclusão ou não do nome na CDA não é suficiente a conferir presunção de certeza, exigibilidade e liquidez ao título, porque confunde responsabilidade pessoal com solidária e inverte indevidamente o ônus da prova. Os precedentes do STF são de grande relevância e a expectativa é de que o orgão revisite o tema, com a superação do paradoxo atual, a fim de que as garantias inerentes ao devido processo legal possam ser preservadas.