A Lei das Sociedades Anônimas (Lei das S.A. – nº 6.404/1976) prevê, em seu artigo 4º, a possibilidade de criação de sociedades anônimas de capital aberto ou fechado. As sociedades anônimas se distinguem das demais sociedades previstas no ordenamento jurídico brasileiro em diversos aspectos, especialmente pelo seu caráter intuito pecuniae, ou seja, pela preponderância da finalidade de gerar lucros sobre as características pessoais dos seus acionistas.

Por outro lado, e ao contrário do que acontece nas sociedades de capital, vemos que as sociedades de pessoas, como é o caso da sociedade limitada, caracterizam-se geralmente pelo seu caráter intuito personae, o qual leva em consideração as pessoas que integrarão o quadro social e que, em tese, contribuirão com sua capacidade e suas características pessoais para o bom êxito da empresa.

No entanto, a realidade brasileira mostra a utilização da sociedade anônima fechada por pequenos grupos de pessoas, normalmente de âmbito familiar, para atingir diversas finalidades, entre as quais um melhor planejamento fiscal, sucessório ou a maior liberdade e segurança jurídica que esse tipo societário oferece. Nesse tipo de sociedades, as relações pessoais entre os acionistas ou as contribuições deles para a companhia são relevantes, e a vontade de se associar (affectio societatis) destaca-se como verdadeiro cerne da companhia. Predomina, portanto, o caráter intuito personae, tradicionalmente atribuído às sociedades de pessoas, e o elemento “capital”, próprio do instituto do anonimato, se desloca para segundo plano.

Nesse contexto, os tribunais depararam-se com a necessidade de aplicar a Lei das S.A. de forma distinta nas sociedades de capital aberto e fechado, levando em consideração as suas características individuais. Assim, o julgamento de questões societárias envolvendo companhias com finalidade eminentemente lucrativa é muito diverso do julgamento de companhias onde prepondera a affectio societatis.

Com base nisso, o Superior Tribunal de Justiça (STJ) se viu obrigado a formular entendimentos inovadores em relação às sociedades anônimas de capital fechado, estendendo a elas a aplicação legal característica do regime das sociedades limitadas, conforme previsto no Código Civil Brasileiro (Lei nº 10.406/2002), o qual se caracteriza pela predominância da affectio societatis.

Nesse ponto, apesar de não existir qualquer previsão na Lei das S.A., destacamos o entendimento inaugurado pelo STJ no sentido de considerar a quebra da affectio societatis (i.e., a inexistência da vontade de manter-se associado) como causa ensejadora de dissolução parcial de sociedade anônima de capital fechado, conforme precedentes da corte (e.g., REsp 1.321.263/PR, EREsp 1.079.763/SP, EREsp 111.294/PR, REsp 917.531/RS, REsp 247.002/RJ e REsp 1.129.222/PR). Cabe destacar que a Lei das S.A. apenas prevê o mecanismo de dissolução total da companhia no caso em que seus acionistas não desejem continuar com a consecução de seu objeto social.

Com base no princípio da função social e da preservação da empresa, contemplado na Constituição Federal (artigos 5º, inc. XIII e XXIII, 170, inc. II-IX, e p.ú., 186) e sedimentado na Lei de Recuperação de Empresas (Lei nº 11.101/2005, artigo 47), a dissolução parcial das sociedades anônimas de capital fechado passou a ser amplamente aplicada pelos tribunais do país, com respaldo do STJ.

Dessa forma, levando em consideração a função social da empresa, evita-se dissolvê-la totalmente, equacionando os interesses dos diversos stakeholders envolvidos: sócios, trabalhadores, fornecedores e a própria sociedade. Sem dúvida, é uma solução melhor que a alternativa legalmente prevista, pois a dissolução total levaria ao encerramento das atividades da companhia, deixando desamparados por completo funcionários, fornecedores, sociedade civil e até os próprios acionistas que desejam manter a fonte produtora e o exercício da empresa.

O principal argumento que vem sendo utilizado para requerer a dissolução parcial da sociedade anônima de capital fechado encontra respaldo na possível existência do caráter intuito personae nessas sociedades, uma vez que a escolha desse tipo societário pode não estar, necessariamente, restrita à busca do lucro, e sim pautada por atributos capazes de proporcionar aos seus participantes determinadas vantagens.

Nesse sentido, o STJ construiu o entendimento de que a dissolução parcial de sociedade anônima fechada é possível em duas hipóteses: (i) quebra da affectio societatis; e (ii) inexistência de lucros ou não distribuição de dividendos por um longo período. Mas essas hipóteses não têm caráter taxativo: para conceder a dissolução parcial, também deverão ser observados todos os demais aspectos do caso concreto.

Dessa forma, a dissolução parcial de sociedade anônima fechada, em razão da não existência de qualquer previsão expressa na Lei das S.A., deverá ser pleiteada perante o Poder Judiciário e, portanto, determinada por meio de sentença.