Por outro lado, e ao contrário do que acontece nas sociedades de capital, vemos que as sociedades de pessoas, como é o caso da sociedade limitada, caracterizam-se geralmente pelo seu caráter intuito personae, o qual leva em consideração as pessoas que integrarão o quadro social e que, em tese, contribuirão com sua capacidade e suas características pessoais para o bom êxito da empresa.
No entanto, a realidade brasileira mostra a utilização da sociedade anônima fechada por pequenos grupos de pessoas, normalmente de âmbito familiar, para atingir diversas finalidades, entre as quais um melhor planejamento fiscal, sucessório ou a maior liberdade e segurança jurídica que esse tipo societário oferece. Nesse tipo de sociedades, as relações pessoais entre os acionistas ou as contribuições deles para a companhia são relevantes, e a vontade de se associar (affectio societatis) destaca-se como verdadeiro cerne da companhia. Predomina, portanto, o caráter intuito personae, tradicionalmente atribuído às sociedades de pessoas, e o elemento “capital”, próprio do instituto do anonimato, se desloca para segundo plano.
Nesse contexto, os tribunais depararam-se com a necessidade de aplicar a Lei das S.A. de forma distinta nas sociedades de capital aberto e fechado, levando em consideração as suas características individuais. Assim, o julgamento de questões societárias envolvendo companhias com finalidade eminentemente lucrativa é muito diverso do julgamento de companhias onde prepondera a affectio societatis.
Com base nisso, o Superior Tribunal de Justiça (STJ) se viu obrigado a formular entendimentos inovadores em relação às sociedades anônimas de capital fechado, estendendo a elas a aplicação legal característica do regime das sociedades limitadas, conforme previsto no Código Civil Brasileiro (Lei nº 10.406/2002), o qual se caracteriza pela predominância da affectio societatis.
Nesse ponto, apesar de não existir qualquer previsão na Lei das S.A., destacamos o entendimento inaugurado pelo STJ no sentido de considerar a quebra da affectio societatis (i.e., a inexistência da vontade de manter-se associado) como causa ensejadora de dissolução parcial de sociedade anônima de capital fechado, conforme precedentes da corte (e.g., REsp 1.321.263/PR, EREsp 1.079.763/SP, EREsp 111.294/PR, REsp 917.531/RS, REsp 247.002/RJ e REsp 1.129.222/PR). Cabe destacar que a Lei das S.A. apenas prevê o mecanismo de dissolução total da companhia no caso em que seus acionistas não desejem continuar com a consecução de seu objeto social.
Com base no princípio da função social e da preservação da empresa, contemplado na Constituição Federal (artigos 5º, inc. XIII e XXIII, 170, inc. II-IX, e p.ú., 186) e sedimentado na Lei de Recuperação de Empresas (Lei nº 11.101/2005, artigo 47), a dissolução parcial das sociedades anônimas de capital fechado passou a ser amplamente aplicada pelos tribunais do país, com respaldo do STJ.
Dessa forma, levando em consideração a função social da empresa, evita-se dissolvê-la totalmente, equacionando os interesses dos diversos stakeholders envolvidos: sócios, trabalhadores, fornecedores e a própria sociedade. Sem dúvida, é uma solução melhor que a alternativa legalmente prevista, pois a dissolução total levaria ao encerramento das atividades da companhia, deixando desamparados por completo funcionários, fornecedores, sociedade civil e até os próprios acionistas que desejam manter a fonte produtora e o exercício da empresa.
O principal argumento que vem sendo utilizado para requerer a dissolução parcial da sociedade anônima de capital fechado encontra respaldo na possível existência do caráter intuito personae nessas sociedades, uma vez que a escolha desse tipo societário pode não estar, necessariamente, restrita à busca do lucro, e sim pautada por atributos capazes de proporcionar aos seus participantes determinadas vantagens.
Nesse sentido, o STJ construiu o entendimento de que a dissolução parcial de sociedade anônima fechada é possível em duas hipóteses: (i) quebra da affectio societatis; e (ii) inexistência de lucros ou não distribuição de dividendos por um longo período. Mas essas hipóteses não têm caráter taxativo: para conceder a dissolução parcial, também deverão ser observados todos os demais aspectos do caso concreto.
Dessa forma, a dissolução parcial de sociedade anônima fechada, em razão da não existência de qualquer previsão expressa na Lei das S.A., deverá ser pleiteada perante o Poder Judiciário e, portanto, determinada por meio de sentença.