O Imposto sobre Operações Financeiras (IOF) tem ocupado posição central nas discussões jurídicas atuais, especialmente devido sua utilização como instrumento de arrecadação, por meio de decretos do Poder Executivo que aumentam as alíquotas em determinadas situações.
A discussão sobre legalidade e/ou constitucionalidade da incidência do IOF em certas modalidades contratuais, como é o caso da exigência desse tributo sobre os contratos de conta corrente, não é nova.
Em 2023, o Supremo Tribunal Federal analisou o Tema 104 da Repercussão Geral, com o objetivo de esclarecer a constitucionalidade da incidência do IOF em contratos de mútuo firmados entre pessoas jurídicas que não sejam instituições financeiras.
Na ocasião, a Suprema Corte firmou o entendimento de que “é constitucional a incidência do IOF sobre operações de crédito correspondentes a mútuo de recursos financeiros entre pessoas jurídicas ou entre pessoa jurídica e pessoa física, não se restringindo às operações realizadas por instituições financeiras.”
Entretanto, um ponto de grande interesse, especialmente para empresas que integram grupos econômicos, não analisado nesse julgamento — como expressamente indicado no voto do ministro relator Cristiano Zanin, ao destacar que a tese discutida se limitava aos contratos de mútuo.[1]
Trata-se da controvérsia referente à incidência do IOF sobre contratos de conta corrente entre partes relacionadas, nos quais são registrados créditos e débitos recíprocos, com apuração do saldo apenas no encerramento da conta.
Nessa modalidade, as partes compartilham uma “conta comum”, assumindo posições simétricas em relação aos direitos e obrigações decorrentes dos lançamentos. Isso a diferencia bastante do mútuo, já que não há transferência de recursos com caráter de empréstimo.
Nessa perspectiva, o principal argumento defendido pelos contribuintes para afastar a incidência do IOF sobre contratos de conta corrente reside no fato de que esses instrumentos não envolvem empréstimos de recursos entre as partes.
Esses contratos , na verdade, são registros contábeis de movimentações financeiras entre empresas de um mesmo grupo econômico. Não há transferência de capital com caráter de operação de crédito. Por esse motivo, os contribuintes sustentam que não se enquadram em nenhuma das hipóteses previstas no artigo 63 do Código Tributário Nacional (CTN) que autorizam a tributação pelo IOF.
Além disso, os contribuintes sustentam que as hipóteses previstas no artigo 13 da Lei 9.779/99 – que estabelece a incidência do IOF sobre “operações de crédito correspondentes a mútuo de recursos financeiros entre pessoas jurídicas ou entre pessoa jurídica e pessoa física” – devem ser interpretadas taxativamente.
Dessa forma, contratos que não se enquadrem estritamente nessa definição, como os de conta corrente entre empresas do mesmo grupo, não estariam sujeitos à tributação, por não configurarem operações de crédito nos moldes exigidos pela norma.
A Receita Federal do Brasil, por sua vez, entende que o IOF incide sobre operações realizadas por meio de contratos de conta corrente, sob o argumento de que essas operações apresentariam elementos caracterizadores do mútuo.
Em especial, destaca-se a alegada facilidade proporcionada por essa modalidade contratual para que uma das partes disponibilize recursos financeiros à outra, com posterior restituição por meio de simples lançamentos de débitos e créditos na mesma conta. Nesse contexto, a Receita considera irrelevantes os aspectos formais da estruturação da operação.
No Conselho Administrativo de Recursos Fiscais (Carf), observa-se que a análise da incidência do imposto é realizada de forma casuística, considerando-se as particularidades de cada situação concreta, bem como o conteúdo das cláusulas contratuais envolvidas.
De qualquer forma, quando se examina o conjunto de decisões até hoje proferidas pelas turmas do Carf, percebe-se uma predominância de decisões desfavoráveis, que mantêm os lançamentos.
Um exemplo de precedente desfavorável aos contribuintes é o Acórdão 3301-014.266 (Processo 19311.720049/2020-59), proferido pela 1ª Turma Ordinária da 3ª Câmara da 3ª Seção do Carf. Nesse julgamento, o colegiado entendeu que a apuração periódica de saldos devedores em contratos de conta corrente entre empresas do mesmo grupo configuraria, na prática, a concessão de crédito, já que a legislação (art. 13 da Lei 9.779/99) deveria ser interpretada de maneira ampla.
Além disso, o acórdão mencionado estabeleceu que, naquele caso específico, o instrumento contratual colocaria “à disposição dos demais contratantes os recursos financeiros de cada titular, o que é suficiente para configurar o fato gerador do IOF-crédito” (art. 63, I, do CTN). O mesmo entendimento está presente nos acórdãos 3302-014.693,[2] 3202-001.811[3] e 3101.003-896[4] de outras turmas ordinárias do Carf.
Merece também destaque o mais recente acórdão proferido, por maioria de votos, pela 3ª Turma da Câmara Superior de Recursos Fiscais (CSRF). O Acórdão 9303-016.180[5] reformou o Acórdão 3402-010.217[6]-[7] e concluiu pela incidência do IOF sobre contratos de conta corrente.
Para isso, se baseou no fundamento de que, de acordo com o artigo 13 da Lei 9.779/99 “configura mútuo financeiro qualquer operação que importe na transferência de recursos financeiros de uma pessoa jurídica para outra, sejam estes recursos transferidos diretamente, como exemplo, a transferência de dinheiro, em espécie, e/ou mediante depósitos bancários, com saque pelo mutuário, ou, ainda, indiretamente, como a transferência de recebíveis e/ou de valores mobiliários, com resgate ou venda pelo mutuário que fica com os valores à sua disposição.”
O acórdão destaca ainda que “sempre que recursos financeiros são disponibilizados para outra pessoa jurídica que não detém a sua titularidade, fica caracterizado o mútuo, que é o empréstimo de coisas fungíveis.”
Por outro lado, no Acórdão 3401-010.529[8] (Processo 10980.726938/2011-81), a 1ª Turma Ordinária da 4ª Câmara da 3ª Seção do Carf adotou entendimento favorável ao contribuinte, ao reconhecer que o contrato de conta corrente entre empresas de um mesmo grupo econômico é apenas uma ferramenta de gestão de caixa.
Segundo o colegiado, as transferências de recursos realizadas nesse contexto visam exclusivamente à administração de valores pertencentes às próprias empresas envolvidas, sem que se configure operação de crédito. Assim, se entendeu que não há fato gerador do IOF e, portanto, não cabe a incidência do tributo.
Nesse precedente, inclusive, a turma julgadora destacou que os contratos de conta corrente “não necessariamente constituem a materialidade do imposto sobre operações de crédito”, reforçando a necessidade de uma análise dos critérios objetivos de cada negócio jurídico.
Nessa linha, ao examinar os contratos firmados entre o contribuinte e as demais empresas do grupo econômico, a 1ª Turma da 4ª Câmara da 3ª Seção concluiu que a conta corrente era utilizada como instrumento de centralização da gestão financeira do grupo. Entendeu também que operações de mútuo somente ocorreriam, caso alguma das empresas envolvidas não tivesse capacidade de manter a atividade operacional.
Além disso, foi expressamente estabelecido que os contratos analisados não continham qualquer cláusula que previsse a exigibilidade de valores entre as partes, evidenciando a inexistência de dívida e, dessa forma, a ausência de fato gerador do IOF.
Como se observa, a análise da incidência do IOF sobre contratos de conta corrente exige a avaliação das circunstâncias específicas de cada operação. No entanto, é possível inferir que, para afastar a caracterização do contrato como operação de mútuo — e, consequentemente, a incidência do imposto —, é essencial demonstrar que a apuração de eventual saldo devedor ocorrerá apenas no momento da liquidação do contrato.
Até esse ponto, as movimentações realizadas devem refletir exclusivamente a gestão compartilhada de recursos entre as empresas do grupo econômico, sem qualquer expectativa de exigibilidade ou restituição de valores entre as partes.
No Supremo Tribunal Federal, observa-se uma tendência de entender a matéria sob a ótica infraconstitucional, especialmente no que se refere à caracterização de contratos de conta corrente como operações de crédito.
Como já mencionado, no julgamento do Tema 104 da Repercussão Geral (RE 590.186), o ministro relator Cristiano Zanin foi enfático ao delimitar o alcance da tese firmada, esclarecendo que a análise sobre a natureza jurídica dos contratos de conta corrente – e, portanto, sobre a eventual incidência do IOF – deve ser realizada pelas instâncias ordinárias, com base nas cláusulas contratuais e no conjunto probatório dos autos.
Em seu voto, decidiu que “verificar se [os contratos de conta corrente] constituem ou não mútuo compete às instâncias ordinárias, à luz das cláusulas contratuais e das provas, e em face da legislação infraconstitucional”.
O Superior Tribunal de Justiça, por sua vez, analisou matéria similar em 2011: no caso concreto, os contratos previam expressamente a concessão de crédito entre as partes. A Corte decidiu pela incidência do IOF justamente devido a essa previsão.
Os Tribunais Regionais Federais, por outro lado, vêm adotando entendimento de que, verificadas as características do mútuo — especialmente a concessão de crédito entre as partes —, cabe a incidência do IOF.
Assim entendeu o TRF2 (Apelação Cível 5074424-84.2022.4.02.5101[9]), o TRF3 (Apelação Cível 5029003-20.2023.4.03.6100)[10] e o TRF5 (Apelação Cível 0803222-74.2020.4.05.8500)[11], mas com expressa determinação de que devem ser examinadas as circunstâncias do caso concreto, para analisar se, de fato, as características do mútuo estão presentes (como entendeu o TRF4 na Apelação Cível 5019646-64.2021.4.04.7100)[12].
Diante de todo o exposto, conclui-se que a eventual incidência do IOF sobre contratos de conta corrente dependerá da análise das cláusulas contratuais e da efetiva materialização das operações, já que, caso se verifique a presença de elementos caracterizadores do mútuo, a tendência é que se reconheça a ocorrência do fato gerador do imposto, com a consequente exigência do seu recolhimento.
Caso contrário, se ficar demonstrado que o contrato tem por finalidade exclusiva a gestão de recursos entre empresas de um mesmo grupo econômico, sem previsão de exigibilidade ou restituição de valores, haverá fundamentos jurídicos consistentes para afastar a incidência do tributo.
A equipe tributária do Machado Meyer permanece à disposição para prestar esclarecimentos adicionais sobre o tema.
[1] “(...) Por fim, considero relevante o argumento, levantado por ambos os amici curiae, de que o IOF não poderia incidir sobre contratos de conta corrente entre empresas de um mesmo grupo econômico, mediante a reunião de seus caixas individuais em um caixa único, ao qual todas têm acesso para o pagamento de gastos e realização de investimentos. A ideia é que a conta corrente se diferencia do contrato de mútuo.
Tal debate, todavia, não pode ser enfrentado nos presentes autos.”
[2] 2ª Turma Ordinária, da 3ª Câmara da 3ª Seção. Sessão de 22/07/2024. Relator Lázaro Antônio Souza Soares.
[3] 2ª Turma Ordinária, 2ª Câmara da 3ª Seção. Sessão de 19/07/2024. Relator Rodrigo Yunan Gassibe.
[4] 1ª Turma Ordinária, 1ª Câmara da 3ª Seção. Sessão de 22/08/2024. Relator Dionísio Carvalhedo Barbosa.
[5] 3ª Turma, CSRF. Sessão de 10/10/2024. Relatora designada: Denise Madalena Green.
[6] 2ª Turma Ordinária, 4ª Câmara, 3ª Seção. Sessão de 21/12/2022. Relator designado: Pedro Souza Bisco.
[7] Julgamento realizado por determinação do então vigente art. 19-E da Lei 10.522/02, que havia extinguido o voto de qualidade, diante do empate no julgamento. O acórdão mencionado reconheceu que a “não há empréstimo, uma vez que os valores constituem acertos de contas entre as empresas, não havendo, portanto, posterior restituição do dinheiro em espécie, requisito para configuração do mútuo (artigo 586 do Código Civil).”
[8] O julgamento mencionado também se deu com base na aplicação do então vigente art. 19-E da Lei 10.522/02, que determinava que, em caso de empate no julgamento do processo administrativo que exigisse crédito tributário, não se aplicaria o voto de qualidade, resolvendo-se de modo favorável ao contribuinte. Esse dispositivo foi revogado pela Lei 14.689/23.
Até a presente data, não houve a reforma do julgado.
[9] TRF2, Apelação Cível, 5074424-84.2022.4.02.5101, relator Marcus Abraham, Assessoria de Recursos, relator do acórdão – Marcus Abraham, julgado em 05/09/2023, DJe 08/09/2023 11:25:23.
[10] TRF 3ª Região, 6ª Turma, ApCiv - Apelação Cível – 5029003-20.2023.4.03.6100, relator juiz federal Samuel de Castro Barbosa Melo, julgado em 17/12/2024, intimação via sistema, data: 19/12/2024.
[11] (Processo: 08032227420204058500, apelação cível, desembargadora federal Sophia Nóbrega Câmara Lima, 1ª Turma, julgamento: 05/06/2025.
[12] TRF4, AC 5019646-64.2021.4.04.7100, 2ª Turma, relator Rômulo Pizzolatti, julgado em 17/05/2022.