O Conselho Administrativo de Recursos Fiscais (Carf) aprovou, em sessões realizadas em agosto e setembro deste ano, 20 novos enunciados de súmula, que valerão para as matérias de competência de todas as três seções de julgamento.
A edição de súmulas pelo Carf tem papel relevante na consolidação da jurisprudência administrativa e na redução de litigiosidade e refletem o entendimento consolidado e reiterado sobre discussões travadas no âmbito do Carf, com impacto direto sobre os contribuintes e o fisco.
A consolidação da jurisprudência via súmula impede ainda o acesso da discussão à Câmara Superior de Recursos Fiscais. Os recursos especiais que tratem da matéria sumulada não podem ser admitidos.
Por enquanto, as propostas aprovadas em 2025 devem ser aplicadas somente ao Carf, o que não impede que, posteriormente, por ato do ministro da Economia, elas se tornem vinculantes a toda a Administração Tributária federal.
Com a aprovação dos novos enunciados de 2025, o Carf passa a ter um rol de 216 súmulas. Desse total, 159 têm efeito vinculante, afetando também o posicionamento da Procuradoria Geral da Fazenda Nacional e da Secretaria Especial da Receita Federal do Brasil em todos os litígios que tratem do tema.
A seguir, analisamos as principais propostas aprovadas em 2025, considerando cada uma das seções do Carf.
1ª Seção – responsável por julgamentos de processos envolvendo IRPJ, CSLL entre outros
Apenas um enunciado de competência da 1ª Seção de julgamento foi avaliado. A aprovação deu-se por unanimidade de votos. Trata-se de matéria referente a preço de transferência. O enunciado consolida a jurisprudência de que "o valor do frete e do seguro, cujo ônus tenha sido do importador, e os tributos incidentes na importação, devem ser incluídos no preço praticado para fins de comparação com o preço parâmetro terminado segundo o Método do Preço de Revenda menos Lucro – PRL, apurado conforme a Instrução normativa SRF nº 243/2002, até a entrada em vigor do art. 38 da Medida Provisória nº 563/2012, convertida na Lei nº 12.715/2012, que deu nova redação ao art. 18 da Lei nº 9.430/1996".
A aprovação dessa súmula consolida o posicionamento das principais divergências que tratam da matéria de preço de transferência na redação antiga da Lei 9.430/96. Com isso, impede-se o acesso à Câmara Superior de Recursos Fiscais dos processos residuais que tratam dessas discussões.
2ª Seção – responsável por julgamentos de processos envolvendo contribuições previdenciárias, Imposto de Renda de Pessoas Físicas, entre outros
Com relação à 2ª Seção, entrou em vigor o enunciado que prevê isentar de Imposto de Renda o resgate de contribuições convertidas para plano de aposentadoria privada complementar por beneficiário acometido de moléstia grave, prevista no artigo 6º, XIV, da Lei 7.713/88. O entendimento firmado pelo Carf estende a isenção já reconhecida a proventos de aposentadoria e reforma os valores resgatados de planos de previdência complementar.
A crítica à aprovação da súmula defendia que a isenção prevista no mencionado artigo 6º, XIV, seria taxativa e não incluiria hipóteses de resgate antecipado.
Em relação à incidência de contribuições previdenciárias, também foi aprovado o enunciado favorável aos contribuintes que prevê a não incidência sobre a importância paga pelo empregador ao empregado durante os primeiros 15 dias de afastamento por motivo de doença. O entendimento, amparado nos acórdãos paradigmas 9202-010.702, 9202-009.852, 9202-010.337, reproduz a orientação de que a verba tem natureza indenizatória e não salarial.
3ª Seção – responsável por julgamentos de processos envolvendo contribuições ao PIS e Cofins, IPI, entre outros
A 3ª Seção contou com a aprovação do maior número de súmulas, cujas matérias também têm impacto mais significativo para os contribuintes.
Com relação ao creditamento de PIS e Cofins, o Carf aprovou enunciado que proíbe a apropriação de créditos sobre insumos, de acordo com o inciso II, do artigo 3º, da Lei 10.833/03, para empresas que desempenham atividade comercial.
Sobre esse tema, é importante destacar que o entendimento sumular decorre de uma interpretação restritiva do julgamento do Tema 779 pelo STJ (REsp 1.642.014 e 1.740.179).
Naquela oportunidade, o Superior Tribunal de Justiça definiu o conceito de insumos, considerando os itens essenciais e relevantes para a atividade da empresa. Entretanto, não restringiu o direito ao crédito às empresas que desempenham atividades de industrialização e/ou produção de serviços, como fez agora o Carf.
Também entrou em vigor o enunciado que prevê que, para efeito de apuração de crédito no âmbito do regime da não cumulatividade, somente será considerada a energia elétrica efetivamente consumida nos estabelecimentos da pessoa jurídica, não se enquadrando nesse conceito outras despesas como a Contribuição para o Custeio da Iluminação Pública (Cosip) ou a demanda contratada. Trata-se de interpretação ao previsto no inciso III, do artigo 3º, da Lei 10.833/03
Para os contribuintes pessoas jurídicas, é imprescindível que se observem os objetivos sociais de empresas, especialmente aquelas de grande porte. Essas empresas necessitam de uma enorme quantidade de energia elétrica, precisando manter com as concessionárias o fornecimento usual e também uma reserva de potência – esse aporte tem um caráter obrigatório para que o estabelecimento possa se manter em funcionamento.
As empresas produtoras de bebidas também serão impactadas com o entendimento aprovado do enunciado de Súmula 10, cuja redação define que "cada um dos componentes da mercadoria descrita como 'kit ou concentrado para refrigerantes' deve ser classificado em código próprio da Tipi, quando o kit ou concentrado for constituído por diferentes matérias-primas e produtos intermediários, que apenas após nova etapa de industrialização no estabelecimento adquirente se tornam uma preparação composta para elaboração de bebidas".
A controvérsia está longe de ser definida no âmbito do Carf, com muitos precedentes favoráveis sobre a classificação única dos kits, o que afasta o requisito de estabilidade exigido para edição de súmula.
Vale ressaltar que a tentativa de sumular matéria ainda controvertida contorna o rito próprio de uniformização e pode gerar insegurança jurídica, além de ofensa ao devido processo legal.
A consolidação prematura de entendimento dissidente compromete diretamente o direito de diversos contribuintes engarrafadores ou distribuidores de refrigerantes, pois cristaliza interpretação não uniforme e desconsidera um elevado número de decisões favoráveis (inclusive proferidas recentemente). Além disso, gera um cenário de instabilidade em relação às próprias decisões desfavoráveis proferidas.
As súmulas entrarão em vigor na data de publicação no Diário Oficial da União – a publicação da ata da sessão marca a entrada em vigor dos entendimentos. A partir desse momento, todos os julgamentos do Carf, bem como admissibilidade de recursos especiais e julgamentos de 1ª instância estarão vinculados aos entendimentos sumulares, como disposto no Regimento Interno do Carf.[1]
O Machado Meyer está à disposição para auxiliar a compreender todas as especificidades relacionadas ao tema e à interpretação da legislação tributária.
Abaixo, segue a transcrição das súmulas aprovadas pelo Carf:
Súmula de competência de todas as seções
- A imputação proporcional é o único método admitido pelo Código Tributário Nacional para determinação dos valores devidos em face de recolhimento ou compensação de débitos em atraso, quando não computada a integralidade dos acréscimos moratórios.
1ª Seção
- O valor do frete e do seguro, cujo ônus tenha sido do importador, e os tributos incidentes na importação devem ser incluídos no preço praticado para fins de comparação com o preço parâmetro terminado segundo o Método do Preço de Revenda menos Lucro - PRL, apurado conforme a Instrução normativa SRF nº 243/2002, até a entrada em vigor do art. 38 da Medida Provisória nº 563/2012, convertida na Lei nº 12.715/2012, que deu nova redação ao art. 18 da Lei nº 9.430/1996.
2ª Seção
- Os valores informados em Declaração de Ajuste Anual do Imposto sobre a Renda da Pessoa Física, que não tiveram a sua comprovação de origem individualizada, não são passíveis de exclusão da base de cálculo do lançamento efetuado com base na presunção estabelecida no art. 42 da Lei nº 9.430/1996.
- O resgate de contribuições vertidas a plano de aposentadoria privada complementar por beneficiário acometido de moléstia grave especificada no art. 6º, inciso XIV, da Lei nº 7.713/1988, está isento do imposto sobre a renda.
- Não incidem as contribuições previdenciárias sobre a importância paga pelo empregador ao empregado durante os primeiros quinze dias de afastamento por motivo de doença.
- Na vigência da Lei nº 4.771/1965, a área declarada a título de reserva legal somente pode ser excluída da área tributável, para fins de cálculo do Imposto sobre a Propriedade Territorial Rural (ITR), se a averbação à margem da inscrição de matrícula do imóvel, no registro de imóveis competente, for efetuada em data anterior à da ocorrência do fato gerador.
- A pensão alimentícia paga a cônjuge ou filho na constância da sociedade conjugal, ainda que decorrente de acordo homologado judicialmente, é indedutível da base de cálculo do Imposto sobre a Renda da Pessoa Física.
- No lançamento do Imposto sobre a Renda da Pessoa Física (IRPF) com base na aplicação da presunção do art. 42 da Lei nº 9.430/1996, quando não comprovada a origem individualizada dos depósitos bancários, não é cabível a redução da base de cálculo da autuação a 20%, ainda que o contribuinte afirme exercer exclusivamente a atividade rural.
- O fato gerador do Imposto sobre a Renda da Pessoa Física (IRPF), exigido a partir da omissão de rendimentos sujeitos ao ajuste anual, é complexivo, operando-se em 31 de dezembro do correspondente ano-calendário, ainda que apurado em bases mensais ou objeto de antecipações no decorrer do período.
3ª Seção
- O aproveitamento de créditos extemporâneos da contribuição para o PIS/Pasep e da Cofins exige a apresentação de DCTF e Dacon retificadores, comprovando os créditos e os saldos credores dos trimestres correspondentes.
- As despesas portuárias na exportação de produtos acabados não se qualificam como insumos do processo produtivo do exportador para efeito de créditos de Contribuição para o PIS/Pasep e de Cofins não cumulativas.
- A adoção do IGP-M como índice de reajuste descaracteriza a condição de preço predeterminado, conforme disposto no art. 10, inciso XI, alínea "b", da Lei nº 10.833/2003, salvo se o postulante ao crédito comprovar que a variação do índice foi inferior aos patamares previstos no art. 109 da Lei nº 11.196/2005.
- Na atividade de comércio não é possível a apuração de créditos da não-cumulatividade da Contribuição para o PIS/Pasep e da Cofins com base no inciso II do art. 3º das Leis nº 10.637/2002 e nº 10.833/2003.
- As despesas incorridas com embalagens para transporte de produto, quando destinadas à sua manutenção, preservação e qualidade, enquadram-se na definição de insumos fixada pelo STJ, no julgamento do REsp nº 1.221.170/PR.
- Cada um dos componentes da mercadoria descrita como "kit ou concentrado para refrigerantes" deve ser classificado em código próprio da Tipi, quando o kit ou concentrado for constituído por diferentes matérias-primas e produtos intermediários, que apenas após nova etapa de industrialização no estabelecimento adquirente se tornam uma preparação composta para elaboração de bebidas.
- A apuração de crédito presumido de IPI sobre vendas realizadas a empresa comercial exportadora, previsto nas Leis nº 9.363/1996 e nº 10.276/2001, está condicionada à comprovação de que o produto tenha saído do estabelecimento produtor diretamente para embarque ou para recinto alfandegado, por conta e ordem da referida empresa comercial exportadora.
- A multa decorrente da conversão da pena de perdimento, prescrita no §3º do art. 23 do Decreto-lei nº 1.455/1976, com a redação dada pela Lei nº 10.637/2002, é inaplicável a operações de exportação anteriores a 28/07/2010.
- Para efeito de apuração de crédito no âmbito do regime da não cumulatividade da Contribuição para o PIS/Pasep e da Cofins, somente será considerada a energia elétrica efetivamente consumida nos estabelecimentos da pessoa jurídica, não se enquadrando nesse conceito outras despesas como a Contribuição para o Custeio da Iluminação Pública (Cosip) ou a demanda contratada.
- A suspensão da incidência da Contribuição para o PIS/Pasep e da Cofins prevista no art. 9º da Lei nº 10.925/2004, relativamente às atividades elencadas em sua redação original, aplica-se desde 1º de agosto de 2004, nos termos do art. 17, inciso III, dessa Lei, não sendo possível deslocar o início dessa vigência por meio de ato infralegal.
- A dedução dos débitos a partir de créditos não admitidos pelo Regulamento do IPI não se considera pagamento, e sujeita-se ao prazo decadencial regido pelo art. 173, inciso I, do Código Tributário Nacional.
[1] Art. 101. Não se conhecerá de recurso interposto em face de decisão de primeira instância que adote como razão de decidir:
III - Súmula do Conselho Administrativo de Recursos Fiscais, nos termos do §13 do art. 25 do Decreto nº 70.235, de 1972.
Art. 118. Compete à Câmara Superior de Recursos Fiscais, por suas Turmas, julgar recurso especial interposto contra acórdão que der à legislação tributária interpretação divergente da que lhe tenha dado outra Câmara, Turma de Câmara, Turma Especial, Turma Extraordinária ou a própria Câmara Superior de Recursos Fiscais.
- 3º Não cabe recurso especial de decisão de qualquer das Turmas que adote entendimento de súmula de jurisprudência dos Conselhos de Contribuintes, da Câmara Superior de Recursos Fiscais ou do Carf, ainda que a súmula tenha sido aprovada posteriormente à data da interposição do recurso.