A infraestrutura digital é, sem dúvida, a espinha dorsal da economia global no século XXI. A busca por locais robustos e eficientes capazes de atender ao desenvolvimento tecnológico cada vez mais disruptivo tem criado uma verdadeira corrida global. Ciente dessa realidade e da necessidade estratégica de posicionar o país nesse cenário, o governo brasileiro publicou, em 18 de setembro, a Medida Provisória 1.318/25 (MP 1.318/25), que institui o tão aguardado Regime Especial de Tributação para Serviços de Datacenter (Redata).
Essa medida provisória altera a Lei 11.196/05, que já contava com regimes como o Regime Especial de Tributação para a Plataforma de Exportação de Serviços de Tecnologia da Informação (Repes) e o Regime Especial de Aquisição de Bens de Capital para Empresas Exportadoras (Recap).
Ao integrar o Redata à Lei 11.196/05, o governo demonstra um esforço concentrado para atrair investimentos significativos para o setor. O objetivo é modernizar a infraestrutura digital nacional, promover a soberania tecnológica e aumentar a competitividade do Brasil, aproveitando a crescente demanda por infraestrutura digital e as vantagens da geração de energia de fontes renováveis.
Junto com a medida provisória, o Ministério da Fazenda publicou a exposição de motivos, detalhando os fatores que levaram à edição da medida. Entre eles, o ministério ressalta a elevada dependência do país em relação a serviços digitais prestados no exterior. Estima-se que cerca de 60% das cargas digitais nacionais são processadas fora do território brasileiro.
Como aponta o Ministério da Fazenda, um dos principais fatores para essa dependência seria o custo operacional dos datacenters no Brasil, que é, em média, 30% mais elevado do que no exterior. Essa diferença é atribuída, em grande parte, à carga tributária sobre equipamentos de tecnologia da informação e comunicação (TIC).
Para os propósitos da medida provisória, serviços de datacenter abrangem aqueles providos por infraestrutura e recursos computacionais dedicados à armazenagem, ao processamento e à gestão de dados e a aplicações digitais – incluídos computação em nuvem, processamento de alto desempenho, treinamento e inferência de modelos de inteligência artificial, além de serviços correlatos.
Aguarda-se a regulamentação do Poder Executivo federal que definirá a nomenclatura brasileira de serviços (NBS) das atividades abrangidas pelo Redata.
Os benefícios fiscais do Redata: suspensão e conversão à alíquota zero
O regime estabelece a suspensão do pagamento dos seguintes tributos incidentes sobre a venda e importação de componentes e produtos de TIC destinados ao ativo imobilizado de uma pessoa jurídica habilitada ao Redata:
- Contribuição para o PIS/Pasep e Cofins incidentes sobre a receita;
- Contribuição para o PIS/Pasep-Importação e Cofins-Importação;
- Imposto sobre Produtos Industrializados (IPI), incidente na importação ou na saída do estabelecimento industrial ou equiparado;
- Imposto de Importação (II).
É importante ressaltar que essa suspensão se estende tanto às empresas diretamente habilitadas ao Redata quanto às empresas coabilitadas e incide sobre produtos empregados na industrialização de bens que serão incorporados ao ativo imobilizado da empresa habilitada.
Além disso, a medida provisória permite que as operações de importação com suspensão de tributos sejam realizadas de forma indireta, por meio de estruturas por conta e ordem.
O texto da MP 1.318/25 detalha algumas condições específicas para a aplicação da suspensão de IPI e II:
- IPI: a suspensão do IPI não se aplica a componentes eletrônicos e outros produtos de tecnologias da informação e comunicação que tenham processo de industrialização na Zona Franca de Manaus (ZFM), desde que listados em ato do Poder Executivo federal.
- II: A suspensão do II é mais restrita, aplicando-se apenas a componentes eletrônicos e produtos de TIC que não tenham similar nacional e que tenham processo de industrialização na ZFM. Também nesse caso, os componentes e produtos devem estar listados em ato do Poder Executivo federal.
As listas dos produtos beneficiados pela suspensão só poderão ser alteradas para a inclusão de novos bens.
As suspensões tributárias se convertem em alíquota zero após o cumprimento de determinadas condições:
- Para a pessoa jurídica habilitada: a conversão ocorre após o cumprimento dos compromissos de sustentabilidade, energia limpa, eficiência hídrica (Water Usage Effectiveness – WUE), investimento em pesquisa, desenvolvimento e inovação (PD&I) e a efetiva incorporação do bem ao ativo imobilizado da empresa prestadora de serviços de datacenter.
- Para a pessoa jurídica coabilitada: a conversão para alíquota zero se dá após a conclusão da operação de venda e a entrega do produto de tecnologia da informação e comunicação industrializado à pessoa jurídica habilitada.
Critérios de elegibilidade
Para que uma empresa possa usufruir dos benefícios do Redata, ela deve atender a critérios específicos de elegibilidade e alinhar suas atividades à definição de serviços de datacenter estabelecida na medida provisória.
- Habilitação: poderá ser habilitada ao Redata a pessoa jurídica que implementar um projeto de instalação ou de ampliação de serviços de datacenter no território nacional, desde que cumpra as demais condições previstas na medida provisória.
- Coabilitação: poderá ser coabilitada a pessoa jurídica que mantiver um vínculo contratual para fornecer produtos de TIC que industrialize (por iniciativa própria ou por encomenda). Esses produtos devem necessariamente se destinar à incorporação no ativo imobilizado de um beneficiário habilitado. A coabilitação é extinta caso o vínculo contratual seja desfeito.
Para aderir ao Redata, as empresas devem estar em conformidade com as exigências fiscais federais:
- Regularidade fiscal: a pessoa jurídica deve estar regular com seus tributos federais.
- Inexistência de pendências: não pode haver registro no Cadastro Informativo de Créditos Não Quitados do Setor Público Federal (Cadin).
É fundamental destacar que empresas optantes pelo Simples Nacional estão proibidas de aderir ao Redata. A concessão tanto da habilitação quanto da coabilitação será realizada pela Secretaria Especial da Receita Federal do Brasil do Ministério da Fazenda.
A utilização dos benefícios fiscais do Redata está intrinsecamente ligada ao cumprimento de uma série de compromissos cumulativos, desenhados para promover o desenvolvimento tecnológico, a sustentabilidade e a inclusão digital no Brasil.
- Destinação de capacidade ao mercado interno: a empresa habilitada deve fornecer, no mínimo, 10% da capacidade de processamento, armazenagem e tratamento de dados instalada com os benefícios do regime, para atender ao mercado interno. É expressamente proibida a exportação dessa capacidade ou o uso próprio na ausência de demanda doméstica.
- Essa capacidade pode ser comercializada no mercado interno ou, de forma mais estratégica, cedida sem ônus a instituições científicas, tecnológicas e de inovação (ICTs) ou ao poder público. O objetivo é apoiar o desenvolvimento de políticas públicas, incluindo o fomento a startups e ao ecossistema digital. A capacidade cedida gratuitamente terá um fator multiplicador a ser definido em regulamento.
- Alternativa de cumprimento: a exigência de destinar 10% da capacidade ao mercado interno pode ser substituída por um investimento adicional de 10% do valor dos produtos adquiridos (no mercado interno ou importados com benefício do Redata) em projetos de pesquisa, desenvolvimento e inovação (PD&I), alinhados a programas prioritários da cadeia produtiva da economia digital.
- Critérios de sustentabilidade: as empresas deverão aderir e cumprir critérios e indicadores de sustentabilidade, que serão detalhadamente definidos em regulamento.
- Uso de energia limpa e renovável: um dos compromissos mais importantes é a exigência de que 100% da demanda de energia elétrica da empresa seja suprida por meio de contratos de fornecimento ou autoprodução proveniente de fontes limpas ou renováveis, conforme será estabelecido em regulamento.
- WUE: para promover a gestão responsável dos recursos hídricos, é imposto um Índice de Eficiência Hídrica igual ou inferior a 0,05 L/kWh, com aferição anual.
- PD&I: as empresas deverão realizar investimentos no Brasil correspondentes a 2% do valor dos produtos adquiridos (seja no mercado interno ou importados com benefício do Redata) em projetos de PD&I. Esses projetos devem estar focados em programas prioritários de apoio ao desenvolvimento industrial e tecnológico da cadeia da economia digital. As parcerias podem ser estabelecidas com:
- Instituições científicas, tecnológicas e de inovação (ICTs);
- Entidades brasileiras de ensino, oficiais ou reconhecidas pelo poder público;
- Empresas públicas que mantenham fundos de investimento destinados a empresas de base tecnológica;
- Organizações sociais ou serviços sociais autônomos com contrato de gestão com o governo federal que promovam e incentivem PD&I.
- Para flexibilizar a aplicação desses valores de PD&I (tanto os 2% quanto o investimento substitutivo de 10%), a medida provisória permite que os aportes sejam centralizados em um fundo privado, cujas regras serão definidas em regulamento.
Tratamento diferenciado para regiões
A MP 1.318/25 prevê um tratamento diferenciado para estimular o crescimento em regiões estratégicas. Estabelecimentos localizados nas regiões Norte, Nordeste e Centro-Oeste (incluindo as áreas de abrangência das agências de desenvolvimento regional) terão uma redução de 20% nos compromissos de destinação de 10% ao mercado interno e de investimento de 2% em PD&I.
Além disso, para garantir que o fomento chegue a essas áreas, no mínimo 40% dos recursos destinados ao financiamento de programas e projetos de fomento à cadeia produtiva da economia digital deverão ser aplicados especificamente nas regiões Norte, Nordeste e Centro-Oeste.
Mecanismos de controle
Se por um lado o Redata oferece grandes incentivos, por outro também estabelece mecanismos rigorosos para garantir o cumprimento dos compromissos assumidos pelas empresas. O descumprimento pode levar a consequências financeiras e administrativas.
A pessoa jurídica habilitada que não cumprir os compromissos de sustentabilidade, energia limpa, WUE e PD&I no prazo estabelecido em regulamento será obrigada a recolher os tributos suspensos, acrescidos de juros e multa de mora. Esses encargos serão calculados a partir da data de ocorrência dos respectivos fatos geradores. A mesma regra se aplica à pessoa jurídica coabilitada que não cumprir suas condições.
Caso o recolhimento não seja efetuado, será cabível o lançamento de ofício, com a aplicação de juros e da multa prevista no artigo 44 da Lei 9.430/96.
O descumprimento da condição de oferecer a capacidade mínima ao mercado interno (os 10%) resultará na suspensão dos benefícios para novas aquisições. Se a empresa não sanar a infração no prazo de 180 dias a partir da notificação de suspensão, a habilitação ao Redata será automaticamente cancelada.
Durante o período de suspensão, a pessoa jurídica e qualquer grupo econômico do qual ela faça parte não poderão usufruir dos benefícios do Redata. Em caso de cancelamento da habilitação, a empresa excluída e seu grupo econômico só poderão aderir novamente ao regime após um período de dois anos contados da data do cancelamento.
A medida provisória também aborda a venda de produtos adquiridos com suspensão de tributos para terceiros não habilitados. Antes da conversão para alíquota zero, essa venda é permitida, desde que a empresa habilitada ou coabilitada efetue o pagamento dos tributos suspensos – acrescidos de juros e multa de mora – e de todos os tributos normalmente incidentes na operação de venda.
Prazo de vigência de benefícios e incentivos
Os benefícios e incentivos do Redata terão um prazo de vigência geral de cinco anos. No entanto, um detalhe introduzido pela medida provisória é fundamental: os benefícios fiscais relacionados a PIS/Cofins e IPI produzirão efeitos apenas até 31 de dezembro de 2026.
Essa limitação temporal decorre das disposições da Emenda Constitucional 132/23 e da Lei Complementar 214/25, que tratam da reforma tributária, e é um ponto importante para o planejamento estratégico e financeiro das empresas interessadas.
A MP 1.318/25 entrou em vigor na data de sua publicação (18 de setembro). No entanto, as modificações introduzidas no artigo 11-C, relativas à suspensão dos tributos, produzirão efeitos a partir de 1º de janeiro de 2026.
A implementação do Redata não está isenta de impacto fiscal. A Secretaria Especial da Receita Federal do Brasil estimou um impacto orçamentário-financeiro negativo, projetando valores de aproximadamente R$ 5,20 bilhões para 2026, R$ 1 bilhão para 2027 e R$ 1,05 bilhão para 2028. Essas renúncias de receitas já foram consideradas nas projeções orçamentárias.
Os benefícios fiscais previstos serão objeto de acompanhamento e avaliação pelo Ministério do Desenvolvimento, Indústria, Comércio e Serviços (MDIC) e Ministério da Fazenda (MF), para assegurar o alcance dos objetivos estabelecidos.