Por Cristian Favaro

Os ministros do Tribunal de Contas da União (TCU) suspenderam na última quarta-feira a medida cautelar que havia travado a assinatura do aditivo envolvendo a relicitação da BR-040, da concessionária Via040. Os trâmites estavam suspensos desde o dia 1º de outubro após decisão da corte que apontou irregularidades, o que acendeu um sinal amarelo no mercado. Especialistas explicam que a decisão anterior levantou dúvidas sobre o próprio instrumento de relicitação, e que a suspensão desta semana reduz a insegurança jurídica para os processos em andamento.

Os receios ganharam ainda mais proeminência diante de outros processos no radar, como a encampação da Linha Amarela, no Rio de Janeiro. Na 040, com o aval do TCU, resta agora a assinatura do aditivo contratual entre a Via040 e o poder concedente, que ainda não tem data para acontecer.

O trecho em questão liga Brasília a Juiz de Fora (MG), e foi arrematado pela Invepar em 2013. Desde então, a empresa concluiu apenas 73 km de duplicação dos mais de 500 km previstos no contrato. Desde o início da operação até 2019, a Via 040 registrou prejuízo de R$ 751 milhões.

Além da forte queda de tráfego após 2016, a concessão foi modelada dando vitória ao grupo que ofertasse o menor pedágio (a Invepar deu 61% de desconto). O formato apresenta riscos a projetos que demandam um investimento elevado, uma vez que pode provocar uma situação de fragilidade de caixa da concessionária. Com o cenário desfavorável, a empresa deu início ao processo de relicitação em agosto de 2019.

A relatora do caso, ministra Ana Arraes, havia acatado os questionamentos dos técnicos do TCU relacionados a temas como o mecanismo de indenização dos bens não amortizados e os valores das tarifas. Após nova análise, a própria relatora votou pela reversão da decisão na última quarta-feira, abrindo espaço para que o processo fosse retomado.

Procurada sobre o tema, a Via040 disse que a decisão do TCU é fundamental para o processo de retomada de investimentos em infraestrutura no Brasil. "A assinatura do aditivo entre as partes será realizada em data ainda a ser definida pelo Poder Concedente", afirmou, em nota. O projeto da relicitação do trecho específico da BR-040 ainda está em estudo, segundo o Ministério da Infraestrutura.

Indiretamente, o TCU havia deixado em xeque o próprio instrumento da relicitação, de acordo com especialistas. Um dos pontos de maior discordância foi sobre a metodologia de cálculo do valor a ser pago à concessionária pelos bens investidos e não amortizados. Os cálculos foram definidos na resolução 5.860/2019, da Agência Nacional de Transportes Terrestres (ANTT).

Os técnicos do TCU questionaram ainda o valor do pedágio durante o período em que a concessionária vai prestar apenas serviços básicos enquanto o processo licitatório acontece. A tarifa ficou inalterada em R$ 5,30, mas a ANTT dizia que o valor deveria ser de R$ 2,54. O aditivo negociado, entretanto, destaca que o valor excedente (ou seja, o possível lucro) seria deduzido de eventual indenização a ser paga à empresa.

"No fim de tudo isso, devemos ter um processo de relicitação da 040 nas bases que foram negociadas entre a concessionária e a ANTT", disse Lucas Sant'Anna, sócio de direito público do Machado Meyer. Ele considerou que a decisão fora mais um revés ao setor, que está atento aos desdobramentos da encampação da Linha Amarela no Rio de Janeiro, administrada pela Lamsa, controlada da Invepar. "É um processo que esta demorando mais do que a gente imaginava (o caso da Linha Amarela)", disse.

Na semana passada, o Superior Tribunal de Justiça (STJ) suspendeu o julgamento após pedido de vistas do ministro João Otávio de Noronha. O STJ julgava o recurso da Lamsa que pedia a suspensão da liminar concedida à Prefeitura do Rio de Janeiro em setembro pelo presidente do tribunal, o desembargador Humberto Martins, e que autorizou a retomada da via pelo governo municipal.

"O TCU dando um passo atrás (no caso da 040) permite o prosseguimento da relicitação e caracteriza a relicitação como um procedimento consensual. Temos como resultado uma redução da insegurança jurídica", disse o sócio de direito público do Bocater Advogados, Thiago Araújo.

Araújo destacou ainda a importância das relicitações no contexto de projetos que foram firmados no passado em modelagens que não pararam de pé. Dois casos entre os mais emblemáticos foram o do aeroporto de Viracopos e o da 040 - pioneiros em seus respectivos setores. "Essas duas relicitações são emblemáticas porque foram as que mais caminharam, e as duas vieram de uma época em que tínhamos outorgas bilionárias e descontos agressivos", disse, apontando que hoje as modelagens usam de ferramentas para evitar lances agressivos a ponto de comprometer a saúde financeira do projeto.

(Broadcast – O Estado de S. Paulo - 30/10/2020)