Em 2019, John Oller, autor e ex-associado do tradicional escritório de advocacia Willkie Farr, de Nova Iorque, publicou seu livro chamado “White Shoe”. O termo é utilizado para denominar as mais tradicionais firmas de advocacia norte-americanas, referindo-se àqueles Advogados da elite, que comumente usavam sapatos brancos com terno, o que sinalizava a formação nas melhores escolas de Direito do país e a associação a uma das grandes bancas de advocacia.
Tal como no Brasil, a profissão jurídica nos Estados Unidos se iniciou centrada nas disputas judiciais. A visão genérica da atividade realizada pelo Advogado estava ligada à defesa de interesses em juízo, perante um juiz e, em alguns casos, também perante um júri.
Foi por volta de 1900 que nasceu, no mercado norte-americano, um novo tipo de Advogado: o de negócios (business lawyer), aquele que entende a lógica do negócio quase tanto quanto da lei e que assessora seu cliente de forma estratégica.
John Oller retrata em sua obra, de forma detalhada, como esse grupo de Advogados visionários ajudou os Estados Unidos a se tornarem uma potência econômica e Wall Street a se consolidar como o centro financeiro do mundo, moldando a forma como eram feitas as negociações no século XX.
A briga entre Thomas Edison e George Westinghouse, que originou o filme The Current War, a criação do Canal do Panamá e as disputas entre JP Morgan e o governo norte-americano pela manutenção do seu império financeiro são mostrados, no livro, sob a ótica de seus Advogados, sócios-fundadores ou integrantes de prestigiadas bancas do país, como Sullivan & Cromwell, Davis Polk e Cravath.
Tais Advogados deixaram seus legados para a sociedade e, particularmente, para os Advogados de negócios em todo mundo. Seus escritórios são instituições que fazem parte da cultura norte-americana, frequentemente citadas ou retratadas em séries e filmes, tais como Billion Dollar Code e The Insider.
Gigantes brasileiros
No Brasil, a era dos Advogados de negócios começou bem mais recente, na década de 1990. Assessorando em grandes privatizações, vários escritórios, que hoje são a elite do meio jurídico brasileiro, cresceram e se organizaram como empresas, utilizando princípios inspirados também no modelo norte-americano tradicional, o Cravath System.
Moldando a forma como os grandes negócios são feitos no país, incluindo as operações de M&A, o desenvolvimento do mercado de capitais e de várias novas estruturas de financiamento, a advocacia moderna brasileira segue em crescimento. E tem uma vantagem: ter alguns de seus “Titãs” — que fundaram suas instituições — na ativa e outros que se aposentaram recentemente, ou infelizmente faleceram, inspirando os sucessores com quem conviveram.
Norte-americanos e ingleses líderes na advocacia internacional são tradicionalmente melhores em recordar sua história. Por isso, privilegiados são aqueles Advogados brasileiros que souberem reconhecer o momento que estamos vivendo, de consolidação da nossa advocacia corporativa, quando vários dos nossos gigantes Advogados ainda estão presentes, influenciando a forma como fazemos a advocacia de negócios.
Da mesma forma, sinto-me honrado por ter trabalhado no escritório norte-americano que possuía Leon Jaworski, procurador-chefe do Caso Watergate, dentre um dos seus expoentes; sinto-me privilegiado por ter integrado o escritório do Dr. Pinheiro, como respeitosamente era chamado José Martins Pinheiro Neto, nos tempos em que comparecia ao escritório de forma esporádica.
Todas as interações que tive com o Dr. Ary, fundador do Mattos Filho e o primeiro diretor da Escola de Direito da FGV/SP, e com Roberto Quiroga, que me inspirou em muitos aspectos profissionais, estão registradas de forma permanente na minha memória.
Assim como negociações e conversas ao longo dos anos com Paulo Aragão e com o amigo Chico Müssnich, do BMA, com Dr. Meyer, do Machado Meyer, e discursos emocionados que presenciei de Ronaldo Veirano, do Veirano Advogados, e de Syllas Tozzini, do TozziniFreire.
Todos acima, além de outros que por limitação de espaço não pude citar, integrantes da primeira geração de Titãs da nossa advocacia, a qual instrumentalizou a profissão e o mundo de negócios brasileiro e nos permitiu, ano após anos, como classe, chegar à liderança nos mais diversos rankings de advocacia da América Latina.
Como bons Titãs jurídicos e por experiência própria, posso dizer que são negociadores duros, muitas vezes com personalidade forte, mas criadores e formadores generosos, que devem ser aplaudidos e emulados.
(Análise Editorial - 15.02.2022)