Por Nei Zelmanovits, Karina Tiaki Momose e André Esposito Gomes
Em agosto de 2014, o governo federal acenou ao mercado com nova alternativa para a ampliação da oferta de crédito no País, com a publicação da Medida Provisória nº 656, que cria a Letra Imobiliária Garantida (LIG). Após conversão da Medida Provisória na Lei nº 13.097, em 19 de janeiro de 2015, essa nova alternativa de funding para as instituições financeiras parece estar mais próxima de se tornar realidade. Ainda assim, o mercado ainda aguarda a regulamentação do instrumento pelo Conselho Monetário Nacional e pelo Banco Central do Brasil.
A LIG foi criada como um título executivo extrajudicial e traz para o mercado brasileiro características típicas dos chamados covered bonds, instrumentos de captação amplamente utilizados por instituições financeiras no exterior. Assim como os covered bonds, a LIG será garantida por ativos (no caso, majoritariamente por créditos imobiliários) organizados na forma de uma carteira de ativos (cover pool) e, em caso de insuficiência desta última, permanecerá a instituição emissora obrigada perante os investidores pelo adimplemento das LIGs emitidas. No exterior, essa “dupla garantia” confere aos covered bonds uma >
A carteira de ativos deverá ser administrada pela instituição emissora das LIGs e contabilizada em suas próprias demonstrações financeiras, constituindo patrimônio de afetação segregado para a satisfação das obrigações perante os investidores das LIGs. Assim, permanecerá inacessível a qualquer outro credor, sequer se sujeitando a regimes de insolvência ou integrando a massa falida da instituição emissora. A nova lei ainda resguarda a carteira de ativos de quaisquer atos de constrição judicial, como penhora, arresto ou busca e apreensão.
Além de créditos imobiliários, a composição da carteira de ativos poderá contar com notas do Tesouro Nacional, instrumentos derivativos e outros ativos a serem definidos pelo Conselho Monetário Nacional. O órgão deverá estabelecer, ainda, requisitos adicionais de elegibilidade da carteira, sobretudo concernentes a seu risco de crédito, percentual dos ativos em sua composição, excesso com relação ao valor das LIGs emitidas, prazo médio ponderado e risco cambial.
Especificamente com relação ao prazo médio da carteira de ativos, a Lei nº 13.097 determina que ele não seja inferior a vinte e quatro meses. De acordo com a própria exposição de motivos da Medida Provisória, tal característica deve amenizar o descasamento hoje existente entre instrumentos defunding e financiamento imobiliário, uma vez que a poupança, tradicional forma de captação para empréstimos ao setor, >
O valor total da carteira de ativos deverá contar com excesso de, pelo menos, 5% do valor total das LIGs por ela garantidas e a instituição emissora deverá promover o reforço ou substituição dos ativos que compõem a carteira de ativos sempre que verificar insuficiência ou inadequação dos seus critérios de elegibilidade, dentre outros.
Ainda de acordo com a Lei nº 13.097, a carteira de ativos e a própria emissão de LIGs estão sujeitas a registro na CETIP. A instituição afirmou que já está se preparando para tanto e que não antecipa qualquer dificuldade em efetuar registros dessa natureza.
Além do registro na CETIP, a emissão de LIGs será precedida da nomeação, pela instituição emissora, de agente fiduciário responsável pelo monitoramento da carteira de ativos e pela proteção de interesses dos investidores, além de outras atribuições a serem estabelecidas pelo Conselho Monetário Nacional. Em caso de insolvência da emissora, ficará a administração da carteira de ativos a cargo do agente fiduciário.
Incentivos ao produto
Com o intuito de desenvolver o mercado para esse novo tipo de ativo, a nova lei previu a isenção de imposto de renda para investidores das LIGs. A isenção proposta é mais abrangente, por exemplo, do que a aplicável às letras de crédito imobiliário (LCIs), vez que, neste último caso, pessoas jurídicas sediadas no exterior não gozam do benefício fiscal. A harmonização da tributação sobre investimentos anunciada pelo novo ministério de Joaquim Levy, contudo, lança incertezas sobre a permanência desse tipo de incentivo.
É ainda incerto se o Conselho Monetário Nacional, ao regulamentar a emissão das LIGs, promoverá outros estímulos à aquisição desses títulos por investidores estrangeiros. O órgão poderia autorizar que uma oferta de LIGs no mercado internacional viesse a ser regida por lei estrangeira – desde que atendidos os seus requisitos legais e regulamentares (a exemplo dos instrumentos de dívida subordinada tratados na Resolução nº 4.192). Caso contrário, os não-residentes contariam apenas com o mecanismo de investimento previsto pela Resolução nº 2.689 (a ser substituída, a partir de 30 de março de 2015, pela Resolução nº 4.373).
Outros aspectos das LIGs ainda a serem regulamentados podem também apresentar estímulo adicional às instituições emissoras, inclusive do ponto de vista macroprudencial. A forma de contabilização desses títulos e da carteira de ativos, por exemplo, impactaria diretamente o balanço da instituição emissora. Ainda, a isenção de depósito compulsório sobre captações através de LIGs, ou ao menos a imposição de taxas inferiores às recolhidas na captação de outros instrumentos similares, incentivaria as instituições financeiras a apostarem nessa nova alternativa de funding. Autoridades monetárias em outras jurisdições chegaram a propor para os covered bonds reservas prudenciais inferiores às aplicáveis aos demais instrumentos financeiros, o que também se justifica pela mitigação do risco desse tipo de captação.
Aguarda-se a regulação da matéria pelo Conselho Monetário Nacional e pelo Banco Central do Brasil, ainda não sendo certo se esses órgãos abrirão a discussão ao mercado em sede de audiência pública.
*Nei Zelmanovits, Karina Tiaki Momose e André Esposito Gomes são, respectivamente, sócio e advogados do Machado, Meyer, Sendacz e Opice Advogados na área Financeira.
Jota BR