Por Cristiane Romano

Advogada e sócia do Machado Meyer há 14 anos no escritório baseado em Brasília

Por Andrea Oliveira

Advogada do Machado Meyer no escritório de São Paulo e atua na área tributária desde 2007

Desde o fim de março deste ano, quando a Operação Zelotes foi deflagrada, os holofotes estão direcionados ao Conselho Administrativo de Recursos Fiscais (CARF), que tem sido alvo de críticas ferrenhas por aqueles que defendem o fim da paridade de julgadores (divididos em representantes da Fazenda Nacional e representantes dos contribuintes) ou até mesmo sua extinção.

Nesse momento, no entanto, não se pode ter uma visão distorcida de que o CARF se resume àquilo que está relatado (e ainda está sob investigação) na Zelotes, deixando-se de lado quase 90 anos de história de uma instituição que trouxe grandes contribuições à sociedade.

Os problemas de corrupção devem ser corretamente apurados. Os culpados, sejam representantes da Fazenda Nacional ou dos contribuintes, devem ser responsabilizados. A Zelotes, portanto, deve ser vista como uma oportunidade para aprimorar o CARF, preservando a integridade do tribunal e, por consequência, continuar garantindo o direito de as empresas terem seus casos analisados na esfera administrativa, podendo assim evitar um contencioso judicial demorado, burocrático e custoso.

Um processo judicial, em muitos casos, pode demorar mais de 10 anos para ser concluído. Além disso, ao contrário do processo administrativo no qual o contribuinte se defende sem precisar dispor de garantias ou bens, na esfera judicial, as empresas precisam apresentar garantias antes de se defender. Essas garantias podem ser depósitos judiciais, fianças bancárias e seguros. Os depósitos judiciais, contudo, são extremamente maléficos para as empresas, haja vista a necessidade de desembolso financeiro, que tende a comprometer suas operações. Também as fianças e seguros são demasiadamente onerosos, custando em média mais de 1,5% ao ano do valor do suposto débito fiscal.

O acima exposto deve ser analisado à luz do histórico de autuações e cobranças fazendárias ilegais. O Estado brasileiro, por meio dos seus entes políticos, é disparadamente o maior litigante do Poder Judiciário. Esse fato inclui a cobrança de tributos indevidos, a protelação de processos e a extrema demora em pagar as suas dívidas, a exemplo do que se vê com os precatórios.

Como consequência da Zelotes, há uma corrente mais radical que prega a extinção do CARF. Quem defende essa corrente, em geral, são pessoas que conheceram o CARF apenas a partir da Zelotes e pouco sabem dos seus 90 anos de atividade. O CARF sempre foi reconhecido pela alta capacidade técnica aliada à experiência prática proveniente de anos de atuação de seus conselheiros. O órgão representa um filtro da qualidade das autuações fiscais, muitas vezes deficientes, fato esse realçado por uma legislação confusa e complexa.

Outra corrente prega a extinção da paridade, ou seja, ao invés de a composição contar com julgadores representantes da Fazenda Nacional e dos contribuintes, o CARF passaria a ser integrado somente por membros fazendários. Entretanto, a paridade é da essência do sistema processual administrativo fiscal e sua manutenção é de extrema importância para os julgamentos no CARF. Não teria sentido o CARF ser apenas um órgão "convalidador" de autos de infração, como frequentemente ocorre nos julgamentos na primeira instância administrativa, que é formada apenas por auditores fiscais.

De acordo com dados da própria Receita Federal, no de 2014, 96% das autuações fiscais foram mantidas pelo CARF, fato que indica que o tribunal já dava sinais de que passava por uma transformação - de órgão julgador para órgão arrecadador -, o que é fruto da ausência de uma paridade material efetiva. Isso vinha ocorrendo em razão da enorme quantidade de votos de qualidade (voto de minerva) emitidos pelos presidentes das turmas que, de acordo com regimento interno do CARF, são necessariamente representantes da Fazenda Nacional e, em caso de empate, votam duas vezes.

Como uma luz no fim do túnel, há quem defenda a ideia do concurso público para o ingresso como julgador do CARF, o que parece bastante positivo para a melhoria do processo administrativo tributário. O Tribunal Administrativo Tributário do Estado de Pernambuco (TATE) é um exemplo bem-sucedido de um órgão julgador administrativo, que é composto por julgadores concursados e que, portanto, têm carreira definida e dedicação exclusiva.

Todas essas considerações levam à conclusão de que a extinção de um órgão técnico como o CARF, como querem alguns, seria uma medida extrema que teria por efeito potencializar a conhecida ineficiência do Estado brasileiro. Uma das fontes de riqueza de um país justamente é a sua atividade empresarial. Portanto, é função do Estado, além de fiscalizar, proteger as boas empresas, ao invés de generalizar, criando-se a ideia de que todas são sonegadoras e, desse modo, empurrá-las, indistintamente, para o demorado e custoso processo judicial.

*Cristiane Romano é advogada e sócia do Machado Meyer há 14 anos no escritório baseado em Brasília. Atua na área tributária em discussões perante o CARF, Superior Tribunal de Justiça (STJ) e Supremo Tribunal Federal (STF). Graduada em Direito pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo.

*Andrea Oliveira é advogada do Machado Meyer no escritório de São Paulo e atua na área tributária desde 2007, inclusive com processos administrativos perante o CARF. Graduada em Direito pela Universidade Presbiteriana Mackenzie, possui especialização em Direito Tributário pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo.

(JOTA - 25.09.2015)

(Notícia na Íntegra)