Tal ativismo vem ocorrendo já em segunda instância

Os constantes avanços tecnológicos vêm contribuindo sobremaneira para a concretização de princípios processuais que regem o Processo do Trabalho, sobretudo no que concerne aos Princípios da Instrumentalidade do Processo, Celeridade e Economia Processual.

Um exemplo prático da tecnologia atuando como aliada da Justiça se observa na transformação dos autos ao meio eletrônico, que permite que tanto a distribuição quanto o próprio andamento dos processos ocorram de forma mais célere e menos burocrática.

Ocorre que, os anseios de constante modernização do Poder Judiciário, por vezes fazem com que as tecnologias sejam usadas de forma indistinta e alguns magistrados se esquecem de princípios basilares da ordem processual.

É o que acontece, por exemplo, em constantes decisões oriundas do Tribunal Regional da 3ª Região, embasadas no chamado “princípio da conexão”. A ideia principal deste “princípio” é que os próprios magistrados busquem, na rede global de computadores, informações não trazidas aos autos pelos jurisdicionados com o intuito de buscar a suposta verdade real por meio de pesquisas na internet realizadas de ofício pelo próprio magistrado.

Para que se compreenda o escopo de tal método, basta que se faça uma análise a contrario sensu do princípio da escritura (segundo o qual, “o que não está nos autos não está no mundo”), princípio este basilar do Direito Processual.

Amplamente defendido pelo Desembargador José Eduardo de Resende Chaves Júnior, referido “princípio” já fora invocado para justificar a juntada de instrumentos coletivos por parte do magistrado, pesquisas de distâncias e mapas para concessão de horas in itinere, para negar contradita por amizade íntima pela análise de redes sociais, dentre outras decisões.

Os defensores da aplicação de referido ativismo exacerbado por parte do Poder Judiciário alegam que referida conduta encontra amparo no art. 13 da Lei nº 11.419/06 (“Lei do Processo Eletrônico”), que dispõe:

“Art. 13.  O magistrado poderá determinar que sejam realizados por meio eletrônico a exibição e o envio de dados e de documentos necessários à instrução do processo.”

Todavia, da análise do texto legal não se extrai tal permissivo. O artigo supra transcrito não versa sobre a possibilidade de diligência ativa por parte do magistrado em favor das partes. Na realidade, por ser o juiz o destinatário da prova, o ativismo judicial da Lei do Processo Eletrônico, permite que ele determine àqueles que incumbir o ônus probatório que enviem dados e documentos necessários para a formação de seu convencimento.

Não é demais ressaltar que o posicionamento dos magistrados que defendem tal participação do juiz na produção de provas, decorre de uma premissa ingênua e simplista de que tudo que está na rede corresponde à realidade incontestável, o que instaura uma verdadeira insegurança jurídica aos jurisdicionados.

O que se observa é que referido “princípio” (coloca-se entre aspas posto que na realidade não se trata de um princípio, na medida em que não tem enraizamento fenomenológico para que se classifique como norma de tal hierarquia), trata-se de uma inovação por parte da jurisprudência que afronta os princípios da legalidade, devido processo legal, contraditório e ampla defesa, assim como não observa o dever de imparcialidade do juiz, o que corresponde a uma ofensa à ordem constitucional e ao Estado Democrático de Direito.

Não é demais ressaltar que tal ativismo vem ocorrendo já em segunda instância – última instância em que se é facultado às partes a discussão de fatos e provas – o que cerceia ainda mais o direito de defesa da parte que não for agraciada com o auxílio da diligência em rede do magistrado.

O novo Código de Processo Civil que redefine o significado do contraditório, veda a decisão surpresa e impõe limites à atuação dos magistrados, preservando a imparcialidade do Poder Judiciário (fundamental à preservação do Estado Democrático de Direito e em tempo de tanta instabilidade política em que o Brasil vem vivenciando). O que se observa, lamentavelmente, é um retrocesso, na medida em que nada auxilia na busca da verdade real e ainda serve de pretexto para que o magistrado possa decidir de acordo com a sua intuição e/ou vontade, esquivando-se da limitação aos termos propostos pelas partes e das provas produzidas nos autos.

JOTA
https://www.jota.info/opiniao-e-analise/colunas/coluna-do-machado-meyer/o-retrocesso-tecnologico-do-principio-da-conexao-11042018

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