A Câmara dos Deputados concluiu, depois de três dias de votação, os dois turnos para o texto-base da PEC 186/2019 – conhecida como "PEC Emergencial". A proposta já havia sido aprovada no Senado Federal na semana passada. Parlamentares concluíram a votação de destaques ao texto no início da madrugada desta sexta-feira (12).

O projeto é acompanhado de perto por parte da sociedade desde sua apreciação no Senado porque reserva R$ 44 bilhões para uma segunda versão do auxílio emergencial a desempregados e trabalhadores informais. O assunto polarizou as falas dos deputados durante os três dias, mas a PEC é, no fundo, um mapa de funcionamento do orçamento público: para que o pagamento do auxílio ocorra, uma série de contrapartidas terão de ser adotadas por estados e municípios para conter gastos públicos.

A sua aprovação é vista como essencial pelo Ministério da Economia, que busca acabar com mais de três meses sem auxílio emergencial – e conter uma explosão dos gastos públicos que vem de anos anteriores à Covid-19.

Um dos gatilhos principais, previsto em um novo artigo 167-A da Constituição, é ativado quando o município, estado ou a União passa a gastar mais de 95% de suas receitas. Quando isso ocorrer, a PEC prevê a proibição de contratação de novos servidores – um acordo dos deputados na segunda votação, porém, manteve a possibilidade de promoção de servidores. Quando esse gatilho for atingido, também fica proibida qualquer "concessão ou ampliação de incentivo ou benefício de natureza tributária."

Outra mudança que causou polêmica foi a possibilidade de desvinculação de fundos públicos, que destinam verbas para áreas específicas – e, na prática, travam o manejo do orçamento público. A Receita Federal seria uma das afetadas com o corte de fundos. Por isso, fez pressão e chegou a ameaçar que 220 auditores entregariam seus cargos se a Câmara não revertesse a questão. Funcionou, e os deputados retiraram o fundo da Receita Federal da proposta.

Em um momento de pandemia, a discussão da PEC é também uma discussão sobre como os parlamentares veem o Estado brasileiro. "O Estado não foi feito para fazer poupança, mas para se arrecadar e compartilhar recursos para seu povo, atendendo a todo mundo, principalmente em momentos difíceis, graves e delicados como este da crise sanitária", disse o deputado Alencar Santana Braga, do PT de São Paulo. "Os limites de 95% são muito condescendentes, que só devem chegar em 2024, 2025", disse Paulo Ganime, do NOVO do Rio de Janeiro. "E a crise fiscal chegou hoje."

A Carta Magna brasileira, ao colocar vinculações a gastos como saúde e educação, acaba por engessar a maneira como a máquina pública funciona. "O orçamento público, por opção do constituinte de 1988 e características do estado social-democrata tem muitas vinculações, dando prioridades aos gastos públicos – o que estaria, principiologicamente falando, dentro dos pesos e contrapesos, mas essa atividade é essencial do Executivo", afirmou o sócio e especialista no contencioso de Direito Cível e Direito Público do Machado Meyer, Lucas Sant'Anna.

Apesar de atrair garantias como saúde e educação básica universal a milhões de brasileiros em governos de qualquer matiz ideológico, esta previsão traz complicações às contas públicas - principalmente após aumentos de despesas correntes e com pessoal. "E há um esforço do Ministério da Economia de desvinculações, principalmente em relação aos fundos", ressaltou Lucas. "Quando se há fundos vinculados, há um monte de recursos para uma determinada finalidade, mas não se consegue usar para investimento ou outra finalidade. Aquela conta fica cheia, mas a Lei proíbe que se use [em uso diverso]."

"O Brasil precisa urgentemente de mais racionalidade no que tange às contas públicas, seja por uma urgente reforma administrativa, seja pela reforma tributária", disse Renato Ribeiro de Almeida, que é professor e membro da Abradep (Academia Brasileira de Direito Eleitoral e Político). Como o texto precisa aprovar mecanismos que garantam a sobrevivência de uma crescente parcela da população carente no país, o jurista também considera o auxílio emergencial como "a prioridade das prioridades".

"Entretanto", ressaltou Renato, "minha crítica vai no sentido de que a leitura da reforma administrativa é feita com enfoque na contenção de despesas, especialmente com pessoal. É uma postura míope sobre um problema muito maior: a eficiência administrativa. Pouco ou nada se fala sobre mudanças reais na administração, como mudanças na estrutura administrativa."

(LexLatin - 11.03.2021)