No Brasil, a lei da igualdade
salarial quer garantir que elas não ganhem menos que os homens. Mas como evitar
que demorem mais que eles para atingir o topo da carreira como mostra uma
pesquisa CLAUDIA investiga a questão.
No começo de março a aprovação de um
Projeto de lei na Câmara Federal foi motivo de celebração para mulheres do
Brasil inteiro. Agora, as empresas que pagarem salários mais baixos para as
profissionais que exercerem as mesmas funções que seus colegas homens serão
punidas com multa. É um avanço? Sem dúvida. mas não é o caso de baixar a
guarda. Nos Estados a discussão da igualdade entre os gêneros no mercado de
trabalho já ultrapassou a questão financeira lá as mulheres estão atentas a
outro aspecto: a velocidade da ascensão na carreira uma pesquisa promovida pela
ONG Catalyst, intitulada "0 mito do trabalhador ideal: fazer as coisas
certas faz com que as mulheres avancem?". revela que os homens chegam lá
mais rapidamente que elas. Mesmo que utilizem as mesmas estratégias que eles
para subir na corporação - cursar trabalhar longa horas e fazer networking - as
profissionais demoram mais para alcançar postos de chefia. No Brasil, temos
chão até chegar a esse debate. Por aqui, a questão é como lidar com o seguinte
drama: o momento em que as mulheres estão numa curva ascendente dentro das
corporações coincide com a fase em que elas resolvem ter filhos. Corno
conciliar um bebê chorão com viagens, longas jornadas e cobranças por
resultados? Esse ainda é o grande freio para o avanço das brasileiras na
carreira, de acordo com especialistas e executivas ouvidas por CLAUDIA.
Nos Estados Unidos país onde,
ressalte-se, as mulheres não dispõem da ajuda de empregadas domésticas nem de
babás, como ainda temos por aqui -, a questão da maternidade nem aparece na
pesquisa da Catalyst. 0 estudo aborda aspectos de ordem meramente corporativa.
Entre os que investiram em um MBA, 50% dos homens e 38% das mulheres obtiveram
aumento de salário. Dos homens que pediram aumento para seus chefes, 52%
receberam um sim como resposta. Das mulheres, 47%. Mais do que os homens,
mulheres planejaram a carreira, deram visibilidade a suas conquistas e fizeram
treinamentos. Menos do que eles, avançaram rumo aos postos máximos nas
corporações nas quais atuavam. Dentro do universo pesquisado, 21% dos homens
que seguiram a cartilha tornaram-se CEOs ante apenas 11% das mulheres. Um dos
dados mais contundentes sobre as dificuldades de ascensão para as mulheres diz
respeito a procurar oportunidades para além dos limites da empresa onde
trabalham, ou seja, manter um olho na concorrência. Entre os homens que mudaram
de emprego, foi registrado um aumento salarial médio de 13,7 mil dólares ao
ano. As mulheres que trocaram de empresa tiveram um decréscimo na folha de 53,4
mil dólares em comparação com as que ficaram. Isso se explicaria pelo fato de
que é mais fácil paia uma mulher assumir responsabilidades num ambiente em que
já provou ser capaz do que num lugar novo, em que ainda precisa ganhar a
confiança da chefia. "Eu realmente não acredito que a pesquisa reflita a
realidade brasileira", afirma Carolina Stilhano, gerente de comunicação da
Catho Online, a maior empresa de >
Mudança de prioridades
A gravidez teve um impacto decisivo
na carreira da engenheira sanitarista Vanessa da Cunha Rocha. 35 anos e, graças
à experiência, ela reorganizou sua lista de prioridades. Em 2004, depois de
aceitar o convite para ser coordenadora de qualidade numa grande empresa de
engenharia, ela resolveu dar tudo de si: passava 12 horas na firma, viajava por
semanas seguidas e mal via o marido. Foram três meses de trabalho intenso até
que engravidou sem planejar o casal tinha problemas de fertilidade e nada
indicava que fosse ter filhos. "Fiquei apavorada. Quando contei para o meu
chefe, pei-cebi que ele não gostou", relata. Como a gravidez era de risco,
Vanessa teve que ficar em repouso a partir do sétimo mês de gestação. Por isso,
preferiu não cumprir os quatro meses de licença-matemidade. Deixava a filha no
berçário às 7 da manhã e ia buscá-la às 19h30. Notou que o fato de ter hora
paia sair não era visto com entusiasmo pela equipe. "Em pouco tempo, me
senti completamente ignorada pelo meu chefe e pedi demissão", relata. Na
seqüência, prestou concurso público e atualmente trabalha como fiscal da
Vigilância em Saúde em Florianópolis. "Estou feliz e agora tenho mais
tempo para a família", afirma. E fato que há formas e formas de lidaicom a
maternidade. Muitas mulheres, após ter filhos, descobrem que chegar ao topo da
carreira não é mais tão importante na vida delas. Diminuem o ritmo e são
felizes assim. Mas há também aquelas que desistem não porque gostariam, mas porque,
assoberbadas pela culpa e pela falta de tempo, decidem que não lhes resta outra
opção a não ser jogar a toalha. É para salvar esse segundo grupo de mulheres
que iniciativas têm sido to madas em alguns ambientes de trabalho. Em São
Paulo, as sócias do escritório de advocacia Machado. Meyer. Sendacz e Opice perceberam que as advogadas se
casavam e resolviam ter filhos na mesma época em que se tomavam qualificadas o
suficiente para assumir postos de responsabilidade dentro da empresa.
"Como a carreira exige muita dedicação de tempo, às vezes ela pode parecer
incompatível com a vida de mãe", explica Ana Karina Esteves. sócia do escritório e mentora de um programa
interno de retenção de talentos femininos. Conversando com profissionais que
estavam estagnadas ou pediam demissão, algumas questões muito práticas se
apresentaram: como aceitar um cargo que exija um sem-número de viagens quando
você ainda está amamentando o seu bebê? Como encarar uma reunião quando passou
a madrugada ao lado do filho doente? Há outros aspectos delicados que vão além
da maternidade. Por exemplo, o net- working. Muitos homens ainda não estão
preparados para um convite para jantar com uma mulher com o objetivo de tratar
de trabalho. "Algumas advogadas se queixam de que, numa situação dessas, o
cliente pode se sentir cortejado", conta Ana Karina. Com base nessas reclamações, ela e suas sócias
adotaram medidas para enfrentar o problema. Permitem, por exemplo, que as
funcionárias com filhos pequenos trabalhem de casa em determinados horários e
escolham clientes que exijam menor número de viagens. Para incentivar o
networking e evitar mal-entendidos (e o ciúme dos maridos e namorados),
convidaram os clientes para encontros dentro do próprio escritório, para
degustação de vinhos ou happy hours. Implantado há um ano. o programa já colhe
resultados: nesse período, houve um aumento de 10% no número de mulheres
promovidas a cargos sêniores na organização.
Decisão de negócios
Na subsidiária brasileira da
Schneider Electric, multinacional francesa, a presidente Tânia Cosentino
comanda a cada seis meses um fórum sobre mulheres na empresa. 0 ramo em que ela
atua, a engenharia, é um dos mais fechados à participação feminina no Brasil,
corresponde a apenas 20% da mão de obra. Com a participação de homens, o fórum
discute estratégias paia melhorar o desempenho e a retenção de talentos
femininos na Schneider. "A decisão de ter mulheres no comando das empresas
é de negócios, não é de gênero. Elas consomem muito e precisam estar do outro
lado da mesa", afinna Tânia. Nas conversas com as colegas sobre as
dificuldades na carreira, concluiu que a maternidade não atrapalha a ascensão
profissional. "O cjue atrapalha é o medo da maternidade", diz ela?
É possível que Tânia esteja numa
posição confortável para falar sobre isso afinal, ela não teve filhos. Preferiu
investir na carreira, iniciada aos 17 anos, como estagiária de engenharia
elétrica. Emendou um emprego no outro e. quando se sentia marcando passo na
carreira, "demitia o chefe", como afirma. Por mais bem empregada que
estivesse, mantinha um olho na concorrência. "Sempre tomei a decisão das
mudanças, nunca esperei que as oportunidades caíssem no meu colo", conta
Tânia. Em 2000. foi convidada a assumir a gerência nacional de vendas da
subsidiária no Brasil. Três anos depois, foi promovida a diretora. Quando
percebeu que tinha 50% das competências necessárias para assumir a presidência,
candidatou-se ao cargo. Até então, apenas homens e franceses haviam chegado ao
comando da empresa. Tânia não se impressionou. Passou três anos se preparando
para a função e hoje, aos 46, é a presidente da Schneider Electric Brasil. Na
sua trajetória rumo ao topo da corporação, a advogada Nadir Moreno também não
precisou lidar com os dilemas da maternidade. Nadir é uma mulher de longos
cabelos loiros e lisos, que recende a perfume importado e gosta de combinar
sombra rosa com camisa de cor igual. É uma mulher que, mesmo entre outras,
chama a atenção. Se o ambiente for masculino, transforma-se numa tocha. Quando
trabalhava vistoriando cargas no aeroporto de Guarulhos, em São Paulo,
adentrava um enorme galpão abarrotado de pacotes e, ao fazer menção de pegar
qualquer embalagem, atraía um séquito de colegas dispostos a fazer um
cavalheirismo. "Na minha carreira, sempre fui muito bem tratada por ser
mulher. Só tirei vantagens disso", conta. Quando estava com 37 anos hoje
ela tem 43 -, foi convidada a participar de uma seleção para presidente da
subsidiária brasileira da UPS, empresa americana de logística. Eram dez
candidatos para a vaga. Ao fim de um processo que durou seis meses, Nadir foi a
escolhida. Agora que chegou lá, ela planeja engravidar. Acha que, se tivesse
tido filhos antes, o rumo da sua carreira poderia ter sido outro. "E um
ano em que a mulher fica estagnada no trabalho, não há como negar isso",
afirma. É uma conclusão tentadora, mas não dá para cravar que mulheres sem
filhos são mais bem-sucedidas e exemplos como os de Duda Kertész, que são mães
e presidentes de empresas, trabalham contra essa tese. A verdade é que a maternidade
talvez seja o drama principal, mas há outros paia galgar degraus na corporação.
A administradora de empresas Ana Paula Castellano, 41 anos, bateu de frente com
outra questão tipicamente feminina salários mais baixos do que o dos colegas
homens. Pós-graduada em marketing e finanças, Ana atuou durante 15 anos no
mercado de bancos. Aceitou trocar São Paulo por Salvador, tornou-se responsável
por 13 agências bancárias e mudou de área dentro da empresa na tentativa de
crescer. Mas não se sentia valorizada. "Homens com a mesma função ganhavam
mais", conta. Quando pedia aumento, ouvia que não era a hora.
Insatisfeita, trocou de trabalho e assumiu a gerência de uma franquia de moda
jovem. Lá a história se repetiu. Ela pediu demissão e hoje está em um novo emprego
na área, com salário mais baixo. "Mas nutro esperanças de crescer."
Se a nova lei de igualdade salarial estivesse em vigor na época da crise
profissional, talvez Ana Paula tivesse mais chances.
Sem autoboicote
Mas esse não é um problema
brasileiro, apenas. Nos Estados Unidos, uma pesquisa do Bureau of Labor
Statistics, órgão do governo americano que produz estatísticas sobre trabalho,
concluiu que, em 2010, as mulheres ganharam 81 centavos para cada dólar
recebido por um homem. No acumulado do ano, elas receberam 8 mil dólares a
menos do que eles. No Brasil, as mulheres ganham, em média, 17% abaixo do
salário dos homens. Para a escritora e feminista Rosiska Darcy de Oliveira, as
mulheres só estarão preparadas para competir em pé de igualdade no mercado de
trabalho quando a sociedade reconhecer que a responsabilidade pela vida privada
é do casal e não apenas delas. Divididas entre a criação dos filhos, os
cuidados com a casa e a carreira, elas experimentam sentimentos de culpa.
Diferentes no estilo, Duda, Tânia e Nadir têm algo em comum, além do sucesso
profissional. Nenhuma das três considera que, ao longo da carreira, o fato de
ser mulher tenha atrapalhado a ascensão. "Mulheres que não passam recibo
dão provas de que a opinião dos outros não é importante. E estão certas, porque
a opinião dos outros é só a opinião dos outros", afirma Rosiska. Atuando
há 12 anos como consultor comporta- mental em empresas, o psicólogo gaúcho
Fernando Elias José percebeu que as mulheres que "vestem a carapuça"
e se sentem vítimas do machismo usualmen-
te enfrentam dificuldades para subir
na carreira. "A primeira coisa que devem notar é que o papel de vítima não
é bom para ninguém", aconselha. Ricardo Haag, sócio-gerente da Asap,
concorda com Fernando Elias. "Autoconfiança é a chave de tudo. As mulheres
têm mais facilidade em reconhecer suas inseguranças do que os homens, e isso
pode parecer, à primeira vista, que eles são mais competentes do que elas. E
preciso, acima de tudo, evitar o autoboicote", afirma. Duda Kertész, com seu
rosto de menina, esmaltes em tons vibrantes e sotaque de baiana ela nasceu em
Salvador -, faz cara de espanto diante da pergunta sobre preconceito. "O
máximo que acontece é eu não conseguir participar das conversas sobre
futebol", diz. "Problemas por ser mulher Nem penso nisso",
garante Nadir Moreno. "Nunca foi uma questão para mim", afirma Tânia
Cosentino. Para as três, o obstáculo está, muitas vezes, na nossa cabeça. É
evidente que não vivemos um conto de fadas em que homens e mulheres competem
ombro a ombro, e as pesquisas estão aí paia mostrar isso. E também não é
fingindo que o preconceito não existe que ele vai deixar de existir, como
ressalta Rosiska de Oliveira. No entanto, se consideramos que as executivas que
chegaram lá jamais imaginaram que, por serem mulheres, não chegariam, talvez
possamos tirar daí uma boa lição.
(Claudia 10.04.2012/Págs. 132-139)
(Notícia na Íntegra)