A ilegal complementação do ICMS-ST
Por Guilherme Eleutério Martínez e Guilherme Augusto Fernandes
O estado de São Paulo, acompanhando um movimento do estado do Rio Grande do Sul, apresentou uma proposta de alteração de sua legislação tributária. Formalizada na Lei nº 17.293/2020, o estado de São Paulo busca aprovar um rol de medidas e ajustes fiscais.
Dentre os diversos artigos, sem criar muito alarde, consta o artigo 24. o qual busca alterar a Lei do ICMS paulista, determinando a complementação do imposto pelo contribuinte substituído.
A discussão não é nova.
Em outubro de 2016, o STF (RE 593.849) entendeu pela possiblidade de restituição do ICMS-ST pago a mais nos casos em que a base de cálculo presumida for superior à base de cálculo efetiva da operação.
Em outras palavras, a Corte Constitucional entendeu que a técnica de substituição tributária no ICMS não possui uma definitividade absoluta, mas sim provisória, de modo que cabe ao estado ressarcir o contribuinte nos casos em que a base presumida da operação (ICMS-ST) for maior que a da saída efetiva da mercadoria.
Voto vencido na oportunidade, o min. Teori Zavascki apresentou divergência à tese, pois entendeu que o contribuinte não tem direito ao ressarcimento. Ainda, destacou que, caso houvesse direito ao ressarcimento, haveria também o dever de se realizar a complementação do imposto, em outras palavras, vara que bate em Chico bate em Francisco”.
Felizmente as coisas não funcionam dessa maneira ao tratarmos do direito tributário. A possibilidade de adoção de um raciocínio pela cobrança de tributos com base em analogia não apenas é completamente descabida, mas é vedada pelo próprio Código Tributário Nacional.
A possibilidade de se subtrair do patrimônio do contribuinte tão somente com base na subjetividade espanta, mas, infelizmente, ocorre ao tratarmos da complementação do ICMS-ST.
Nesse sentido, o estado de Pernambuco, por meio do Decreto n° 45.805/2018 decidiu pela complementação do ICMS-ST, determinando, expressamente, a sua aplicação no estado em razão da simetria com o que foi decidido pelo julgamento do STF (melhor dizendo, analogia).
O estado do Rio Grande do Sul reconhece a complementação, tendo editado a Lei n° 15.056/2017 para exigir a complementação do ICMS-ST. O tema chegou ao poder judiciário do Estado, tendo sido já proferidas decisões no sentido de que complementação é devida [1].
Não bastasse a própria decisão do Supremo tribunal Federal ser expressa quanto à ausência de análise da complementação do imposto no julgamento do RE 593.849, a própria Constituição dispõe que responsabilidade tributária e fatos geradores devem ser delimitados por Lei Complementar.
Quanto ao ICMS, a Constituição foi além, de modo a resguardar dispositivo específico disciplinando que lei complementar deve dispor sobre substituição tributária.
O resultado é a insegurança jurídica, uma velha conhecida do nosso sistema tributário. E não poderia ser diferente. Ao lançarmos mão de subjetividade para determinar a possibilidade de invasão no patrimônio do contribuinte teremos entendimentos destoantes.
Prova disso é o Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul que já entendeu pela impossibilidade de cobrança da complementação do imposto com base em analogia tributária[2].
Atualmente, o estado de São Paulo busca, por meio da Lei n° 17.293/2020, abarcar a possibilidade da complementação por lei ordinária, o qual possivelmente será contestado judicialmente.
É necessário buscar os meios corretos, delimitados pela Constituição, para realização das alterações legislativas. O eterno ciclo de litigiosidade tributária deve ser quebrado para abrir meios para um ambiente de desenvolvimento econômico.
Tal ato começa na própria elaboração da lei, afinal ela simboliza a ordem e uma boa lei gera boa ordem.
[1] Processo nº 9065972-32.2019.8.21.0001, 6ª Vara da Fazenda Pública de Porto Alegre, datado de 18 de dezembro de 2019.
[2] TJ/RS – Apelação nº 70079755724 (Nº CNJ: 0340784-09.2018.8.21.7000) – 22ª Câmara Cível – Relator Des. Luiz Felipe Silveira Difini – Julgamento 21.3.2019
GUILHERME ELEUTÉRIO MARTÍNEZ – Advogado tributarista pós-graduado pela FGV-SP. Graduado pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo. Membro da Comissão de Direito Tributário da OAB/SP.
GUILHERME AUGUSTO FERNANDES – Advogado tributarista. Graduado pela Universidade Presbiteriana Mackenzie.
JOTA (05.11.2020)