Por Nei Zelmanovits, Bruno Racy, Adriano SchnurMatheus Wassano Ishigaki e Antonio Mesquita

Alinhado à tendência de reduzir barreiras para exportações e importações de bens e serviços e promover investimentos produtivos e a livre movimentação de capitais, o novo marco legal do mercado de câmbio, instaurado pela Lei 14.286/21 (Nova Lei do Câmbio), consolida uma série de normativos a respeito do tema, alterando também vários dispositivos e revogando diversas normas nesse sentido.

Neste artigo, resumimos as principais mudanças que deverão ser implementadas quando a Nova Lei do Câmbio entrar em vigor, o que acontecerá em 30 de dezembro de 2022, um ano após a data de sua publicação. Não pretendemos dissecar todas as alterações, mas descrever aquelas com maior potencial de impacto e suas possíveis repercussões. Ressaltamos que alguns dos dispositivos listados a seguir não são autoaplicáveis. Deve ser observada a regulamentação pertinente e os requisitos regulatórios estabelecidos pelo Conselho Monetário Nacional (CMN) e pelo Banco Central (Bacen).

Pagamento em moeda estrangeira (artigo 13)

Anteriormente consolidadas no Decreto-Lei 857/69 e na Lei 8.880/94, as hipóteses para fixação de pagamento em moeda estrangeira de obrigações exequíveis no Brasil foram ampliadas pela Nova Lei do Câmbio.

Além daquelas historicamente previstas nas normas anteriores (por exemplo, em caso de cessão, transferência, delegação, assunção ou modificação de obrigações decorrentes de contratos de exportação ou que de certa forma envolvam credor ou devedor não residente), foram incluídas novas hipóteses, como:

  • contratos celebrados por exportadores em que a contraparte seja concessionária, permissionária, autorizatária ou arrendatária nos setores de infraestrutura; e
  • contratos relativos à exportação indireta de que trata a Lei 9.529/97.

O CMN poderá autorizar a estipulação de pagamento em moeda estrangeira, quando essa medida puder mitigar o risco cambial ou ampliar a eficiência do negócio. O pagamento em moeda estrangeira de obrigações exequíveis no Brasil em desacordo com a nova norma deverá ser considerado nulo de pleno direito, como previsto nas normas anteriores.

As novas hipóteses atendem a anseios conhecidos no mercado. Ao permitir expressamente a indexação de contratos relativos à exportação indireta, a nova norma busca incentivar um mercado de operações dolarizadas que pode ser explorado por empresas atuantes na cadeia de exportação.

Ao determinar que contratos celebrados por exportadores em que a contraparte seja concessionária, permissionária, autorizatária ou arrendatária nos setores de infraestrutura possam ser pagos em moeda estrangeira, a Nova Lei do Câmbio elimina dúvidas e mitiga riscos sobre transações realizadas, em especial no setor de energia, com os contratos de compra e venda de energia indexados à variação do dólar (conhecidos como Power Purchase Agreements dolarizados), que compõem um mercado em franca expansão, sobretudo nos últimos anos.

Exportação (artigo 26)

A Nova Lei do Câmbio eliminou a restrição para o uso de recursos mantidos no exterior. De acordo com a nova norma, os exportadores brasileiros continuam com a prerrogativa de manter recursos decorrentes de suas exportações no exterior. No entanto, não existe mais a limitação de aplicar esses recursos somente em investimento, aplicação financeira ou pagamento de obrigação próprios do exportador. Também não é aplicável a proibição de usar esses recursos para empréstimo ou mútuo de qualquer natureza.

Aplicação de recursos captados no Brasil e no exterior (artigo 15)

Sinalizando uma alteração importante do regime jurídico em vigor desde meados da década de 1960, a Nova Lei do Câmbio prevê expressamente a possibilidade de instituições financeiras e demais instituições autorizadas a funcionar pelo Bacen alocarem, investirem e destinarem, para operação de crédito e de financiamento, no país e no exterior, os recursos captados no Brasil e no exterior. Esse dispositivo não é autoaplicável – deve ser observada a regulamentação pertinente e os requisitos regulatórios e prudenciais estabelecidos pelo CMN e pelo Bacen. A expectativa é que instituições financeiras brasileiras possam destinar recursos captados no Brasil a operações de crédito e financiamento no exterior, respeitadas as atividades específicas de cada instituição.

Ordens de pagamento em reais (artigo 6)

Em outra alteração em relação à antiga legislação, a Nova Lei do Câmbio estipula que os bancos autorizados a operar no mercado de câmbio poderão enviar ordens de pagamento de terceiros em reais ao exterior, por meio de contas em reais mantidas nos bancos de titularidade de instituições domiciliadas ou com sede no exterior e que estejam sujeitas à regulação e à supervisão financeira em seu país de origem. Tal regra não é autoaplicável. Para que ela tenha eficácia, deve-se respeitar os termos do regulamento a ser editado pelo Bacen. Anteriormente, o artigo 126 da Circular 3.691/13 limitava essa possibilidade aos residentes e domiciliados no exterior transitoriamente no país e aos brasileiros residentes ou domiciliados no exterior.

Essa medida se propõe a favorecer o uso do real em negócios internacionais, uma vez que permite o recebimento de ordens de pagamento de terceiros do exterior a partir de contas em reais mantidas no Brasil por meio de bancos estrangeiros. Ela será importante para desenvolver o mercado de correspondência bancária internacional do real e permitirá, inclusive, que bancos no exterior direcionados a empresas brasileiras ou a seus parceiros no exterior, diversifiquem a oferta de produtos e serviços em reais, até mesmo relacionados a investimentos no país e à liquidação de obrigações diretamente em moeda nacional.

Ingresso e saída de moeda nacional e estrangeira do Brasil (artigo 14 e artigo 19)

Para dar maior flexibilidade ao fluxo de recursos entre pessoas físicas, com a criação de um mercado de câmbio peer-to-peer até o limite transacional e condições mencionados, aumentou-se de R$ 10 mil para US$ 10 mil, ou seu equivalente em outras moedas, o limite de dinheiro em espécie (cash) que cada pessoa física pode portar ao sair ou ingressar no Brasil. A Nova Lei do Câmbio também passou a admitir a compra e venda de moeda estrangeira em espécie, no valor de até US$ 500 (ou equivalente), de forma eventual e não profissional, entre pessoas físicas.

Compensação privada (artigo 12)

A Nova Lei do Câmbio prevê a autorização para a compensação privada de créditos ou de valores entre residentes e não residentes. No entanto, essa norma não é autoaplicável, pois tal possibilidade está restrita às hipóteses regulamentadas pelo Bacen. Isso flexibiliza a antiga proibição à compensação privada contemplada pelo Decreto-Lei 9.025/46.

Prevenção à lavagem de dinheiro e combate ao terrorismo (artigo 4, §1º)

Alinhada aos imperativos de prevenção e combate à lavagem de dinheiro e ao financiamento do terrorismo, a Nova Lei do Câmbio prevê a adoção de medidas e controles destinados a prevenir a realização de operações no mercado de câmbio para a prática de atos ilícitos, como a lavagem de dinheiro e o financiamento do terrorismo, inclusive adotando cautelas em relação a cadastro, registro e monitoramento, observada a regulamentação a ser editada pelo Bacen.

A inclusão de medidas de controle de lavagem de dinheiro e combate ao terrorismo acompanham os padrões de mercado seguidos pelas instituições financeiras, que utilizam controles bastante rígidos ao analisar suas transações.

Remessas ao exterior (artigo 9)

Em resposta a um antigo anseio do mercado, a Nova Lei do Câmbio estabelece que as remessas para o exterior a título de lucros, dividendos, juros, amortizações, royalties, assistência técnica científica, administrativa e semelhantes ficam dispensadas de registro prévio no Bacen, apesar de continuarem sujeitas à apresentação de comprovante de pagamento do imposto de renda devido, conforme o caso.

A dispensa de registro dessas remessas tem o potencial de impactar diretamente empresas com acionistas e sócios estrangeiros e traz mais facilidades operacionais relacionadas aos aspectos financeiros, principalmente na prestação de contas.

Conta bancária em moeda estrangeira (artigo 5, IX)

Uma das medidas mais esperadas pelo mercado financeiro, com impactos importantes em transações envolvendo investidores no Brasil e no exterior, a Nova Lei do Câmbio também inovou ao determinar, novamente de forma indireta, a possibilidade de abertura de conta bancária no Brasil em moeda estrangeira, delegando ao Bacen o dever de regulamentar e implementar os requisitos para a sua legitimação.

Essa modificação tem o potencial de gerar impactos importantes em transações envolvendo investidores no Brasil e no exterior, pois pode mitigar o risco de variação cambial e reduzir custos transacionais com operações de derivativos e fechamento de câmbio.

Conta de domiciliado no exterior (artigo 5, §4º)

As contas em reais de não residentes terão o mesmo tratamento das contas em reais de residentes, sem prejuízo dos requisitos e procedimentos que o Bacen vier a estabelecer, inclusive com relação a ordens de pagamento em reais para o exterior.

Conforme descrito acima, espera-se e, em alguns casos, é necessário que normativos do CMN e do Bacen sejam futuramente publicados para regulamentar alguns dos dispositivos previstos na Nova Lei do Câmbio. Por se tratar de uma lei que consolida uma série de mudanças e inovações e por encontrar-se atualmente em período de vacância, novas alterações podem ser implementadas até a sua entrada em vigor, para refletir eventuais necessidades que os diversos agentes e participantes do mercado venham a identificar.