A adoção de políticas de controle de álcool e drogas no ambiente de trabalho tem ganhado espaço em empresas preocupadas com a segurança de suas operações. Mas a implementação de exames toxicológicos e etílicos ainda levanta dúvidas jurídicas importantes: até que ponto vai o poder da empresa de prevenir riscos? E a privacidade e intimidade do empregado, como ficam?

A discussão, invariavelmente, envolve o equilíbrio entre o dever de proteção da saúde e segurança coletiva no ambiente de trabalho e os direitos individuais dos empregados.

A legislação trabalhista brasileira é tímida nesse ponto. Limita-se a regular o caso de motoristas profissionais, para os quais há previsão legal de exames toxicológicos na admissão e desligamento, com direito à contraprova e à privacidade dos resultados, de acordo com regulamentação específica trazida pela própria CLT e pela Portaria 612/24.

Apesar disso, a jurisprudência tem avançado, especialmente quando se trata de funções ou ambientes de risco, trazendo parâmetros e requisitos a serem observados pelas empresas.

Nesse contexto, há decisões recentes da Justiça do Trabalho que reconhecem a validade da realização dos exames toxicológicos em empregados, desde que observados critérios técnicos:

Vale repisar que o exame toxicológico foi exigido de todos os candidatos às vagas de rurícolas, e não somente da reclamante. Pondero que as drogas provocam em seus usuários, dentre outros efeitos, alteração da percepção da realidade, diminuição da capacidade de raciocínio e alucinações, não sendo prudente permitir-lhes o manuseio de armas brancas em ambiente laboral (como é o caso das ferramentas utilizadas no meio rural). Por fim, observo que a autora concordou em participar do programa de prevenção quanto ao uso abusivo e indevido de substâncias psicoativas, conforme autorização de fl. 95, o qual encontra-se detalhado na política de fls. 99/249. Por tais fundamentos, reputo que o procedimento adotado pela reclamada visa a proteção da integridade física do próprio empregado e de seus colegas de trabalho. Assim sendo, está ausente o ato ilícito alegado pela demandante, razão pela qual é indevida a indenização postulada. (TRT-15: 00114835620225150117, Relator: Renan Ravel Rodrigues Fagundes, 7ª Câmara, Data de Publicação: 08/11/2023) (g.n.)

Infere-se dos autos que a realização do exame toxicológico decorria de uma questão de segurança do serviço executado na empresa, inclusive envolvendo grandes máquinas. Conforme reconhecido na petição inicial do item 11.5 (fl. 33), a reclamada instituiu o Programa de Acompanhamento de Dependência Química para os seus empregados denominado "PROSA G". Registre-se que o referido programa não se limitava a mera realização de exames toxicológicos e, inclusive por intermédio de pessoal habilitado, procurava prevenir e tratar de forma adequada o trabalhador. (...) Portanto, embora a enfermeira entrasse do banheiro junto com o Recte, se postava atrás, tendo visão tão somente das costas do Recte, enquanto este efetuava por si a respectiva coleta de urina. (TRT-15: 0012462-48.2017.5.15.0099, data de publicação: 25/01/2021) (grifo nosso)

Sob um outro aspecto, cabe frisar que os exames não foram fruto de uma decisão surpresa por parte da ré, mas de uma prática sistematicamente adotada pela empresa, dirigida a todos os funcionários. Vale dizer, não embasada em critérios subjetivos ou que se possa alegar fossem discriminatórios, e, ressalte-se, sequer há alegação nesse norte. Embora o autor questione o critério de sorteios da empresa, a prova não revela qualquer irregularidade. A testemunha (nome) que faz exames periódicos e é uma prática comum da empresa. Além disso, confirmou que a escolha é feita por sorteio. Igualmente, a testemunha Thiago declarou, textualmente, que "As pessoas eram selecionadas por meio de sorteio" - destaquei. (TRT-9 - ROT: 0001575-07.2017.5.09.0411, relator: Sueli Gil El Rafihi, 6ª Turma, data de publicação: 01/03/2021) (grifo nosso)

Por outro lado, há decisões, também da Justiça do Trabalho, que declararam a ilicitude da realização de exames toxicológicos em empregados. Vejamos abaixo alguns exemplos:

ABUSO DO DEVER DE FISCALIZAR- MOTORISTA- TESTE DE BAFÔMETRO -DANO MORAL Restando evidenciado nos autos que o poder fiscalizatório foi exercido de forma excessiva e desproporcional, vez que ausente comprovação de que o teste de bafômetro tenha sido utilizado como política de segurança do trabalho, com prévia ciência dos empregados, respeitando-se a intimidade dos mesmos, sem que a sua realização ocorra na presença de outros colegas e muito menos de clientes da empresa, defere-se a indenização por dano moral vindicada. Recurso a que se concede provimento. (TRT-20 00003814720135200009, Relator: JORGE ANTONIO ANDRADE CARDOSO, Data de Publicação: 06/07/2016) (g.n.)

EXAME TOXICOLÓGICO E BAFÔMETRO. EM PÚBLICO. DANO MORAL CONFIGURADO. O reconhecimento constitucional do direito à intimidade, à privacidade e à imagem, enquanto esferas atreladas à personalidade do humano, impõe que o empregador, no exercício do poder empregatício, os observe, sob pena de configuração de ato ilícito por abuso de direito, nos termos do art. 187 do Código Civil, acarretando, consequentemente, o dever de indenizar o dano sofrido pelo trabalhador. Assim, a determinação de realização de exame toxicológico e de bafômetro, em público, certamente constrange e afronta a direitos de personalidade do trabalhador, causando dano moral que deve ser reparado, mormente considerando que houve violação da confidencialidade, não veio aos autos prévia e expressa autorização do empregado e o quadro é de ausência de interesse social coletivo bem como de risco da atividade desempenhada pelo empregado (setor administrativo). Recurso das partes conhecidos e improvidos. (TRT-1: 0011531-85.2015.5.01.0008, Relator: Sayonara Grillo Coutinho, 7ª Turma, Data de Publicação: 15/06/2017) (g.n.)

A análise das decisões demonstra que a realização de testes indiscriminados, sem justificativa técnica, pode configurar abuso de poder diretivo e gerar indenizações por danos morais.

O respaldo técnico, portanto, é o que diferencia uma política legítima de uma prática arbitrária.

Ele deve ser construído com base em critérios objetivos, alinhados às normas de segurança e de medicina do trabalho. Por isso, é fundamental que a política seja estruturada de forma conjunta entre as áreas de saúde e segurança do trabalho e a assessoria jurídica.

Sem esse cuidado, a preocupação com a segurança da coletividade, às vezes, pode se transformar em passivos trabalhistas.

Mesmo quando há respaldo técnico, também é preciso atenção redobrada às consequências, como eventuais sanções disciplinares ou desligamentos baseados no uso de álcool e drogas.

A dispensa por justa causa, por exemplo, exige muita cautela. Se há indícios de que o trabalhador enfrenta um quadro de dependência química, a situação pode ser enquadrada como doença, e não como falta grave.

Por isso, mais do que decidir pela realização do exame, é preciso analisar o contexto, os fundamentos e os desdobramentos jurídicos da política a ser adotada, incluindo:

  • forma de realização dos testes e situações em que eles são possíveis, considerando a realidade das operações e das atividades desenvolvidas;
  • consequências em caso de recusa à realização dos exames, e
  • medidas cabíveis em caso de eventuais resultados positivos.

A estratégia jurídica na implementação da política de uso de álcool e drogas faz toda a diferença para a sustentação da sua validade em caso de questionamento judicial individual ou coletivo.