O Primeiro Conselho de Contribuintes, recentemente, em festejada e inédita decisão, acolheu tese de que a falta de regulamentação de lei que autoriza a recuperação dos gastos necessários à veiculação de programa eleitoral, não impede o contribuinte de realizar a referida compensação.
A decisão foi tomada em processo administrativo, decorrente de autuação promovida pela Receita Federal, sob alegação de que as emissoras de televisão não poderiam ter suscitado a compensação da perda de receita decorrente da cessão de horário para propaganda partidária nos anoscalendários de 1996 e 1999. Em todo o Brasil ocorrem autuações semelhantes, por não haver regulamentação para ressarcimento fiscal pela propaganda partidária gratuita nos referidos anos. Tais autuações são totalmente insubsistentes pelo descumprimento de um princípio constitucional básico do Estado de Direito, qual seja, a legalidade (art. 5°, II): “Ninguém será obrigado a fazer ou deixar de fazer alguma coisa senão em virtude de lei”.
Deflui deste enunciado que ao particular é permitida qualquer conduta não proibida por lei. Para o Estado vale a outra face da mesma moeda, ou seja, tudo o que não for permitido por lei lhe é vedado. Em consonância com tal princípio, o art. 84, IV, da CF/88, delimita a competência regulamentar do chefe do Poder Executivo, em dar fiel execução às leis. O cerne da função administrativa é aplicar a lei de ofício, segundo Seabra Fagundes, um dos principais juristas brasileiros, morto em 1993. Em outras palavras: compete ao Legislativo, privativamente, editar normas (leis) que possam introduzir novos direitos e novas obrigações. Ao Executivo cabe o cumprimento da lei.
Muitas vezes, determinadas leis conferem certa margem de liberdade para o administrador executá-las (discricionariedade administrativa), o que provocará, inevitavelmente, aplicações diferentes da mesma ordem. Isso pode gerar insegurança jurídica para os administrados ao não saber qual será a interpretação do administrador. Nesse momento surge a função do Executivo para expedir normas gerais complementares à lei. Essas normas são requeridas para dispor de maneira uniforme o modo de agir dos órgãos administrativos, com referência aos aspectos procedimentais de seu comportamento.
Levando-se em consideração que:
a) somente a lei pode introduzir novos direitos e obrigações;
b) ao Executivo cumpre aplicar a lei de ofício (sem necessidade da provocação das partes interessadas);
c) a regulamentação de determinadas leis é de exercício obrigatório e visa possibilitar tanto a sua efetiva aplicação pela Administração, como o seu fiel cumprimento pelo administrado, torna-se imperioso concluir o seguinte:
• O Executivo descumpriu sua função administrativa ao se omitir, ilicitamente, na regulamentação da Lei em questão, no período compreendido entre 1995 e 1999.
• Isso, contudo, não quer dizer que o contribuinte não possa exercer o seu direito à compensação fiscal em tela, pois o mesmo está claramente constituído na referida Lei.
Enfim, qualquer glosa do aproveitamento desse inquestionável direito constitui abuso de poder que deve ser rechaçado pela própria Administração no seu controle interno da legalidade ou pelo Judiciário no controle externo.