Em 9 de setembro de 2025, o Senador Eduardo Braga apresentou o relatório do Projeto de Lei Complementar 108/24 (PLP 108/24), que está em análise no Senado desde o final de 2024.
Como é de conhecimento geral, o PLP 108/24 trata de temas estruturantes para a implementação do novo sistema tributário, incluindo:
- A constituição e o funcionamento do Comitê Gestor do Imposto sobre Bens e Serviços (CG-IBS);
- O processo administrativo tributário aplicável ao IBS;
- A fiscalização das obrigações tributárias;
- A distribuição da arrecadação entre os entes federativos;
- O tratamento dos saldos credores de ICMS durante o período de transição; e
- A atualização normativa do ITCMD.
O PLP 108/2024 também tem se revelou um instrumento estratégico para a consolidação da reforma tributária, ao servir como um dos veículos possíveis para a incorporação de demandas de diversos setores econômicos por meio de emendas que buscaram corrigir erros materiais, suprir lacunas normativas e eliminar ambiguidades presentes na redação da Lei Complementar 214/25 (LC 214/25), contribuindo para maior segurança jurídica e previsibilidade na aplicação do novo modelo tributário.
No âmbito do Senado Federal, o PLP 108/24 recebeu um total de 382 emendas. Até a data de apresentação do relatório, haviam sido apreciadas as emendas de nºs 1 a 368.
O relatório apresentado foi favorável quanto à constitucionalidade, juridicidade e regimentalidade do projeto, além de manifestar parecer positivo quanto ao mérito do PLP 108/24.
Foram acolhidas total ou parcialmente as seguintes emendas: 2, 6, 8, 12, 13, 17, 18, 20, 23, 29, 34, 35, 37, 38, 41, 43, 46, 50, 54, 56, 59, 64, 68, 69, 70, 74, 78, 81, 89, 100, 101, 105, 106, 113, 121, 123, 127, 145, 151, 152, 157, 162, 167, 169, 178, 180, 183, 184, 185, 190, 193, 194, 200, 202, 203, 204, 206, 208, 210, 220, 221, 229, 235, 237, 244, 245, 249, 251, 255, 257, 274, 278, 280, 281, 283, 286, 289, 290, 292, 298, 310, 311, 314, 317, 319, 328, 333, 334, 335, 338, 339, 357, 358, 363, 364 e 365. As demais emendas, até o número 368, foram rejeitadas.
Nossa equipe realizou uma análise detalhada do relatório apresentado pelo Senador Eduardo Braga referente ao PLP 108/24.
A seguir, destacamos os principais pontos e aspectos que merecem atenção, especialmente no que se refere aos impactos setoriais.
Serviços Financeiros
Foram introduzidos o inciso IV ao §1º e o art. 3º do art. 231 na LC 214/25, prevendo a aplicação de alíquota zero na importação de serviços financeiros, sem prejuízo da manutenção do direito de dedução dessas despesas da base de cálculo do IBS e da Contribuição sobre Bens e Serviços (CBS). Todavia, o referido tratamento não poderá ser aplicado quando se tratar de importação de serviço com parte relacionada.
O PLP traz agora também previsibilidade acerca da tributação dos serviços financeiros, com a inclusão das alíquotas de IBS e CBS aplicáveis durante o período de transição, sendo elas: (i) 10,85%, em 2027 e 2028; (ii) 11,00%, em 2029; (iii) 11,15%, em 2030; (iv) 11,30%, em 2031, (v) 11,50%, em 2032; e (vi) 12,50%, em 2033.
Além disso, o texto prevê a supressão do inciso II, alínea “c” do art. 201 na LC 214/25, que permitia a dedução de provisões para créditos de liquidação duvidosa (PCLD) da base de cálculo do IBS e da CBS.
Construção Civil e Imobiliário
Para o setor imobiliário, houve algumas alterações, principalmente textual, com a finalidade de garantir maior segurança jurídica aos contribuintes. Entre as alterações trazidas, destacamos que, no art. 258 da LC 214/25, a expressão “terreno” foi substituída por “imóvel sobre o qual está sendo realizada a construção”, conferindo maior precisão técnica à norma. Ademais, foi esclarecido que, nas aquisições de bens imóveis realizadas a partir de 2027, o valor inicial do redutor de ajuste será o valor de aquisição, desde que o comprador seja contribuinte e o vendedor não.
O art. 260 foi ajustado para explicitar que o redutor social de R$ 600,00 possui incidência mensal, reforçando a natureza periódica do benefício e sua aplicação contínua no cálculo do tributo devido.
Em relação ao período de transição das operações com bens imóveis (arts. 485 e seguintes da LC 214/25), foram realizados ajustes para incluir a menção ao IBS em dispositivos que, embora tratem de operações sujeitas à incidência obrigatória tanto do IBS quanto da CBS, omitiam essa referência. Tal omissão poderia gerar insegurança jurídica e prejuízos potenciais a Estados e Municípios.
Complementarmente, o art. 344 da LC 214/25 passou a definir a alíquota de 0,1% do IBS como referência para fins de transição no regime de bens imóveis, bem como para a fixação da alíquota aplicável aos serviços financeiros.
Fornecimento de Alimentos por Empresa do Regime Específico de Tributação
A LC 214/25 instituiu regime específico de tributação para os serviços de hotelaria, parques de diversão e parques temáticos, conforme previsto no art. 280 da LC 214/25.
Com o objetivo de assegurar coerência normativa e evitar distorções concorrenciais, foi acatada a inclusão de parágrafo único ao referido artigo, estabelecendo que, nas operações de fornecimento de alimentação e bebidas realizadas por esses estabelecimentos, deverão ser observadas as mesmas regras aplicáveis ao regime específico de bares e restaurantes.
Tal proposta decorre de interpretação sistemática da legislação, especialmente à luz dos princípios da neutralidade tributária e da isonomia, que orientam a estruturação dos regimes específicos.
Bebidas Açucaradas – Progressão de Alíquota
A Emenda 203 foi acolhida para incluir as bebidas açucaradas, ao lado das bebidas alcoólicas e dos produtos fumígenos, no escalonamento das alíquotas do Imposto Seletivo (IS) entre os anos de 2029 e 2033 (§ 5º do art. 422 da LC 214/25).
Essa alteração busca evitar que a implementação do IS provoque um aumento abrupto e significativo da carga tributária sobre esses produtos, promovendo uma transição mais gradual e menos traumática. Além disso, garante tratamento isonômico entre itens que compartilham fundamentos semelhantes de tributação, como os impactos negativos à saúde pública.
A LC 214/25, já previa essa transição para bebidas alcoólicas e produtos fumígenos, mas não contemplava as bebidas açucaradas. A proposta de mudança, portanto, visa corrigir essa omissão e reduzir o risco de judicialização, ao assegurar que todos os produtos com externalidades negativas e alto consumo difuso sejam tratados de forma equitativa no âmbito da tributação seletiva.
O escalonamento das alíquotas do IS seguirá o seguinte cronograma:
- 2029: aplicação de alíquota inicial, baseada em estudos de impacto;
- 2030 a 2032: aumentos graduais, com ajustes conforme o tipo de produto;
- 2033: aplicação da alíquota plena, com previsão de revisões periódicas.
Energia
As alterações promovidas nas disposições sobre as operações com energia elétrica tornaram mais claras as diretrizes para o recolhimento do IBS e da CBS dentro da sistemática de atuação no Ambiente de Contratação Livre.
Alterações promovidas no art. 28 da LC 214/25, visam destacar que os consumidores livres continuam acessando os sistemas de transmissão e distribuição, além de haver sua representação pelos agentes varejistas na aquisição para consumo de forma multilateral.
São também incorporados ao texto alterações que eliminam dúvidas quanto ao local da operação e a base de cálculo do tributo, a exemplo da inclusão do §9º no art. 12 da LC 214/25, que prevê que, nas aquisições de energia elétrica realizadas de forma multilateral, a base de cálculo será o valor da liquidação financeira apurada pela Câmara de Comercialização de energia Elétrica (CCEE), “observada a participação proporcional dos estabelecimentos do agente ou de seus representados”.
Plataformas Digitais
A LC 214/25 incluiu as plataformas digitais no escopo da fiscalização das obrigações tributárias principais e acessórias dos fornecedores que operam por meio de suas estruturas — sejam domiciliados no Brasil ou no exterior —, reconhecendo o papel central dessas plataformas na intermediação de operações comerciais.
Visando segurança para o CG-IBS e a Receita Federal do Brasil (RFB), foi acolhida a Emenda 311, que altera o art. 22 da LC 214/25. As alterações, que foram promovidas especificamente no inciso II do caput e no § 7º do dispositivo, visam alargar as hipóteses de responsabilização das plataformas. Complementarmente, foram revogados os §§ 8º e 9º, por, pretensamente, se mostrarem redundantes ou conflitantes com a nova redação.
Além disso, foi inserido o § 13, que permite à plataforma digital, mediante autorização expressa do fornecedor, assumir a condição de substituta tributária, realizando a emissão de documentos fiscais e o recolhimento do IBS e da CBS nas operações intermediadas. Essa opção se soma à previsão já existente no § 12, que autoriza a plataforma, também com anuência do fornecedor, a emitir documentos fiscais eletrônicos em seu nome e realizar o pagamento dos tributos devidos.
Ainda, o § 14 estabelece que, na hipótese de o fornecedor não emitir o documento fiscal no prazo de 30 dias contados da data do fornecimento ou do pagamento antecipado, e a plataforma estiver enquadrada como responsável solidária nos termos do inciso II do caput, esta deverá emitir o documento fiscal e recolher o IBS e a CBS correspondentes. Eventuais penalidades ou diferenças de valores decorrentes de informações incorretas prestadas pelo fornecedor permanecerão sob sua responsabilidade.
Combustíveis
No que se refere ao regime específico de combustíveis, foram propostas duas mudanças no art. 172 da LC 214/25 que visam a uniformização e eficiência tributária para o setor de petróleo e gás natural.
A primeira delas se refere a inclusão das correntes da gasolina e do diesel no regime específico dos combustíveis, isto é, os hidrocarbonetos líquidos derivados de petróleo e de gás natural utilizados em mistura mecânica para a produção de gasolinas ou de diesel (tal como a nafta). A referida modificação decorre do acolhimento das Emendas 289, 298, 357 e 358.
Além disso, acrescentou-se o § 2º ao art. 172 da LC 214/25, permitindo a postergação da implementação do regime específico dos combustíveis para o gás natural processado, o biometano e gás natural veicular (GNV), a depender de Ato Conjunto do Comitê Gestor do IBS e do Poder Executivo da União.
Referida proposta de adiamento decorre da dificuldade operacional em fixar a alíquota ad rem para esses produtos, considerando a variedade a depender da destinação desses produtos (se será destinado para indústria, termelétrica, residência etc.). Portanto, a tributação seguirá o regime regular, com débitos e créditos (sistema plurifásico), caso seja publicado Ato Conjunto do Comitê Gestor do IBS e do Poder Executivo da União para esse adiamento.
Antecipação de Pagamento
Foram introduzidas alterações no §4º do art. 10 da LC 214/25 positivas aos contribuintes, uma vez que conferem maior segurança quanto ao direito de crédito e alíquota do tributo aplicada na operação de pagamento antecipado.
A primeira delas foi a introdução do §6º no art. 10 da LC 214/25, que confere à antecipação a natureza de causa de extinção do débito tributário e prevê, como consequência lógica, o direito ao crédito, nos termos gerais da LC 214/25 (art. 47 a 57).
Seguindo essa mesma linha, foi estabelecido, para a hipótese de recolhimento a maior do tributo antecipado, a aplicação das regras aplicáveis ao pagamento indevido ou a maior e nos casos de inexistência do fornecimento, a aplicação das regras de cancelamento.
Por fim, é importante ressaltar que a expectativa é que a análise e votação do PLP 108/24 sejam concluídas ainda em setembro de 2025. O cronograma preliminar, que pode ser objeto de alteração, prevê, além da apresentação do relatório que ocorreu em 09/09/25:
- Leitura na Comissão de Constituição, Justiça e Cidadania (CCJ): inicialmente prevista para 10 de setembro de 2025, porém adiada em razão de pedido de vista, sem nova data definida até o momento; e
- Votação do parecer na CCJ: prevista para 17 de setembro de 2025, podendo haver pedido de vista que adie a votação para a semana seguinte.
Nossa Equipe Tributária segue acompanhando de perto os desdobramentos da reforma tributária e se coloca à disposição para auxiliar os contribuintes sobre o tema.