Por: Lucas Seabra e Anna Beatriz Savioli

Os direitos creditórios decorrentes dos contratos de concessão têm sido há muito utilizados pelas concessionárias de serviço público para garantia dos financiamentos contraídos no âmbito de referidas concessões. Com efeito, a Lei Federal nº 8.987/95 - Lei de Concessões, desde sua edição, já previa a possibilidade de as concessionárias garantirem suas obrigações perante as instituições financeiras por meio dos direitos emergentes da concessão, contanto que não se comprometesse a operacionalização e a continuidade da prestação dos serviços (art. 28).

Diante da redação legal, a doutrina administrativa entendia que a possibilidade de constituição de garantias se restringiria somente à parcela dos direitos emergentes atinentes ao lucro da concessionária e à amortização dos investimentos direcionados a bens reversíveis. Somente tais parcelas poderiam, de fato, ser dadas em garantia sem comprometer ou impactar de alguma forma a prestação dos serviços.

A definição, porém, do objeto de tal garantia se tornou mais complexa com a edição da Lei Federal nº 11.196/2005. Dentre outros objetivos, referida lei foi editada com vistas à adequação da Lei de Concessões ao regime aplicável às parcerias público-privadas. Inseriu-se, assim, a previsão da possibilidade de (i) inversão de fases na licitação, (ii) utilização da arbitragem e (iii) assunção de controle da sociedade de propósito específico pelos seus financiadores.

A Lei Federal nº 11.196/2005 incluiu, adicionalmente, o art. 28-A que estabeleceu determinadas restrições a serem observadas pelas concessionárias na hipótese de cessão, em caráter fiduciário, de parcela de seus créditos operacionais futuros para fins de garantia dos financiamentos.

Note-se que, diferentemente da previsão do art. 28 da Lei de Concessões, o legislador não utilizou a expressão “direitos emergentes da concessão”, fato esse que nos leva a crer que deve ser realizada uma distinção conceitual entre os dois termos.

Com efeito, por direitos emergentes deve-se compreender todos os direitos eventualmente atribuídos à concessionária em decorrência do vínculo concessório, englobando tanto direitos creditórios, como direitos reais advindos da concessão. Dentre os direitos creditórios, é possível distinguir duas possíveis categorias: (i) os direitos operacionais e (ii) os direitos não-operacionais.

Os direitos creditórios operacionais abrangem todas as receitas obtidas para fins de exploração das atividades concedidas. Assim, nas concessões comuns abrangem as tarifas e eventuais subsídios prestados pelos Poder Público; nas concessões patrocinadas abrangem as tarifas, o aporte, quando aplicável, e a contraprestação pública e nas concessões administrativas abrangem tão somente o aporte, quando aplicável, e a contraprestação pública.

Por sua vez, os direitos creditórios não operacionais envolveriam as receitas adquiridas a partir da exploração de atividades alternativas, complementares ou acessórias ou projetos associados ao objeto concedido. Note-se que a partir da arrecadação de receitas acessórias advém o dever de conversão de parcela dos recursos em prol da modicidade tarifária (art. 11 da Lei de Concessões), situação essa que tem por efeito transformar tal parcela em receitas tipicamente operacionais, uma vez que serão destinadas a remunerar a prestação dos serviços concedidos. Assim, entende-se que essa parcela não poderia ser dada em garantia. Não obstante a modicidade tarifária, é lícito que a concessionária obtenha determinado lucro a partir da exploração de tais receitas acessórias. Essa segunda parcela, porém, se caracterizaria como crédito não operacional.

A partir da distinção proposta acima, parece razoável interpretar que a previsão constante no artigo 28-A da Lei de Concessões, referente à cessão dos créditos operacionais futuros, tende a se restringir somente às receitas obtidas para fins de exploração do objeto concedido. Assim, para aplicação dos procedimentos previstos nos incisos do art. 28-A é necessário verificar uma conjugação de aspectos: (i) deve haver a utilização de receitas operacionais e (ii) a garantia deve ser constituída na forma de cessão fiduciária de direitos.

Com efeito, essa interpretação é corroborada pelos objetivos que permearam a inclusão dos dispositivos legais, quais sejam: resguardar a continuidade e qualidade na prestação dos serviços concedidos e fortalecer a possibilidade de garantia de tais receitas. Assim, ao prever que o Poder Concedente deverá ser notificado para validade do contrato de garantia e que as receitas excedentes, após o adimplemento integral do contrato, deverão ser devolvidas à concessionária, garante-se maior segurança aos financiadores quanto à parcela dos créditos operacionais cedidos (que deverá se restringir ao lucro da concessionária e aos investimentos em bens reversíveis) e, ao mesmo tempo, é assegurado o adequado prosseguimento na prestação dos serviços concedidos.

Resta claro, portanto, que a inclusão de um novo dispositivo na Lei de Concessões teve por objetivo distinguir as receitas ditas operacionais dos demais direitos creditórios emergentes da concessão e, especificamente com relação àquelas, proporcionar maior segurança aos instrumentos de garantia já celebrados até então.