Por Gabriela Falcão
Sócia do escritório
Vivemos no Brasil um momento de crise política, econômica e moral. Mas em momentos de crise surgem grandes oportunidades, e não é diferente para as operações de fusões e aquisições.
Quando há crescimento econômico e otimismo, são muitas as oportunidades de investimento. Nesse ambiente, é mais fácil alinhar expectativas e interesses de compradores e vendedores. O que se espera do advogado corporativo é agilidade: fechar a operação com a maior brevidade possível para que se possa partir para um novo negócio.
Em momentos de crise econômica e incerteza, os ativos sofrem grandes descontos em seu valor real. Quanto maior a incerteza, maior o desconto que o comprador irá impor ao ativo objeto da negociação e mais difícil será a obtenção de um preço justo para o investimento.
Ativos em liquidação caracterizam boas oportunidades de investimento. Neste ambiente, cada cláusula do Contrato de Compra e Venda de ativos exige uma intensa negociação. O grande desafio passa a ser diminuir incertezas e alinhar expectativas e interesses de compradores e vendedores.
A importância do advogado corporativo nessa conjuntura é exatamente a de conseguir identificar os riscos que constituem um obstáculo para o negócio, e contratualmente endereçar esses riscos, dando o conforto àquela parte que irá arcar com risco caso a operação seja concluída. Em muitos casos isso é possível através da redação das cláusulas de declarações e garantias seguidas de indenização pelo descumprimento das mesmas.
Atualmente um dos gargalos nas operações de fusões e aquisições está na negociação das cláusulas anticorrupção. Em um passado recente estas cláusulas não demandavam qualquer discussão, eram copiadas de contratos americanos ou ingleses. Isso mudou com a adoção de leis mais rigorosas para combater a corrupção e expôs investimentos, e por consequência as operações de aquisições no pais, a uma série de novos riscos advindo da prática de atos de corrupção, fraude, formação de carteis dentre outros, que agora são de responsabilidade objetiva da empresa envolvida.
Hoje a redação das cláusulas anticorrupção é bastante complexa com uma extensa lista de declarações em relação a (i) interação com autoridades governamentais; (ii) processo de obtenção de licenças operacionais do negócio, e (iii) estrito cumprimento e observância das leis anticorrupção, lavagem de dinheiro e concorrência.
Outro grande desafio relacionado a este tema é a negociação da indenização por descumprimento dessas declarações e garantias. Compradores têm dificuldade em aceitar qualquer limitação, já que a nova legislação ainda está em teste no Brasil, enquanto os vendedores, pelo mesmo motivo, não estão dispostos a dar uma indenização ilimitada.
Encontrar o ponto de equilíbrio demanda muita perícia e negociação e é na redação dessas cláusulas que o bom advogado corporativo consegue agregar valor ao negócio. Entender a preocupação do comprador e até onde o vendedor está disposto a contratualmente garantir esse risco é essencial para o sucesso do fechamento da transação, obtendo um preço justo pelo ativo em questão.
Cláusulas de pagamento são um ótimo recurso para alinhamento de interesses e expectativas entre compradores e vendedores. Retenção de parte do preço para garantia de passivos não materializados, atribuição de prêmio caso potenciais contingências não se materializem num determinado espaço de tempo, são alguns dos recursos que contratualmente podem minimizar os riscos do negócio.
Para estimar e contratualmente tratar esses novos riscos é essencial investigar a empresa alvo da negociação, não somente quanto aos passivos materializados, mas também quanto aos passivos não materializados relacionados aos atos de corrupção.
Assim o processo de auditoria legal nas aquisições tem se modificado e incorporado as ABC Due Diligences (Anti Bribery and Corruption Due Diligences). Elas têm como objetivo identificar se a empresa alvo e o valor dos ativos estão superavaliados por riscos não materializados. A investigação nesse caso, vai além da simples análise legal de documentos, contratos e ações existentes. Analisa-se o risco de exposição da empresa alvo levando em consideração sua indústria e grau de interação com o governo. Faz-se uma investigação independente comparando informações públicas com aquelas fornecidas pelo vendedor. Entrevistam-se executivos, fornecedores e prestadores de serviço estratégicos para uma análise das práticas internas da empresa alvo. Investigam-se com muito cuidado doações para políticos feitas no passado e processo de obtenção das licenças operacionais. Tudo com vistas a apontar pontos de atenção ("red flags") que indiquem incremento dos riscos relacionados às legislações anticorrupção.
Uma ABC Due Diligence feita por profissionais especializados permite uma avaliação mais aprofundada sobre a percepção de risco da empresa avaliada vis-à-vis as práticas coibidas pelas legislações anticorrupção nacionais e estrangeiras. Faz se ainda a análise e adequação dos instrumentos de prevenção que essa empresa adotou (programa de compliance). Tal prática não é apenas importante para estimar o impacto desses riscos no valor do negócio, mas é também vital para que o comprador tenha clareza das responsabilidades que serão assumidas na qualidade de sucessor.
A Lei 12.846/2013 (Lei Anticorrupção Brasileira ou Lei da Empresa Limpa), em vigor desde janeiro de 2014, reserva um artigo específico para tratar das responsabilidades do sucessor quando da aquisição de uma empresa envolvida em atos lesivos sujeitos a essa lei, incluindo a obrigação de reparar qualquer prejuízo causado pelo ato e ter de arcar com o pagamento de multas que podem chegar a 20% do faturamento bruto anual da empresa, além, é claro, do profundo dano reputacional que pode sofrer.
Além disso, tais medidas de cautela ganham especial relevância quando analisadas do ponto de vista da própria viabilidade do negócio. Por exemplo, uma empresa alvo que obtém licenças e conquista contratos com base no pagamento de suborno pode simplesmente não parar de pé se tais práticas ilícitas forem descontinuadas pelo comprador.
Apesar do Brasil ter uma legislação de combate à corrupção e lavagem de dinheiro ainda em evolução, já podemos notar uma mudança significativa nos procedimentos adotados em operações de fusões e aquisições. Novas práticas acontecem não só na maneira como os Contratos de Compra e Venda estão sendo redigidos e negociados, mas também na forma como a empresa alvo passou a ser auditada.
Assim, a crise traz um novo contexto, que exige do advogado corporativo mais do que agilidade. O sucesso no fechamento de uma operação de aquisição é um desafio que exige habilidade, profundo conhecimento técnico e muita criatividade para alinhamento dos interesses e expectativas de compradores e vendedores.
(Jota - BR - 05.05.2016)
(Notícia na íntegra)