Por
Fernanda Pires
Empresas
que atuam na navegação brasileira consideram positivas as novas regras da
Agência Nacional de Transportes Aquaviários (Antaq) para regular o afretamento
de embarcações estrangeiras. Concebida para coibir a "venda de
bandeiras" na cabotagem, a Resolução Normativa nº 1, publicada na
quarta-feira, endureceu os critérios para o aluguel de embarcações pelas
Empresas Brasileiras de Navegação (EBNs), que atuam no transporte aquaviário ou
operam no apoio marítimo ou portuário.
Uma das
principais motivações da nova norma foi fechar o cerco à "pirataria"
na navegação de cabotagem, tirando do mercado empresas que se valiam do então
elástico mecanismo de afretamento para vender a terceiros o direito de alugar
navios estrangeiros.
Agora,
com as novas regras, isso ficará mais difícil. Na cabotagem e no longo curso, a
empresa só poderá afretar um navio caso já possua uma "embarcação de tipo
semelhante" à que será alugada. "Antes, quem tinha uma barcaça estava
apto a ′vender bandeira′ de navio de contêiner e carga geral. Isso desestimula
o investimento da empresa que está construindo ou importando um navio",
afirma Mark Juzwiak, gerente de assuntos institucionais da Aliança, empresa que
detém a maior fatia da cabotagem de contêineres no Brasil.
"Esse
critério retoma o espírito da lei do transporte marítimo, de 1997, que foi
desvirtuada", afirma Nelson Carlini, presidente do conselho de
administração da Logz Logística e ex-diretor de companhias de navegação.
"Talvez
seja o maior dos mecanismos para que as empresas que venham transportar no
Brasil detenham de fato embarcações no tipo de transporte", afirma Felipe
Gurgel, gerente de projetos e relações institucionais da Log-In, outro armador
de cabotagem. Contudo, ele mantém ceticismo sobre se a norma será, sozinha,
suficiente para acabar com a pirataria. "Só teremos essa percepção à
medida que ela entrar em vigor".
Outra
mudança relevante na cabotagem - válida também para o apoio portuário - foi a
inclusão de limitações do afretamento por tonelagem de frota própria: o
quádruplo e o dobro, respectivamente. A meta da Antaq é garantir que o
afretamento permita uma "alavancagem aceitável da capacidade de transporte
no mercado em que a empresa já atua", e não uma mera oportunidade de
intermediação negocial.
A
agência reguladora estima que em 2013 a "venda de bandeiras"
correspondeu a algo entre 9% e 11% do total de gastos com afretamento. No ano
passado, esse indicador subiu para entre 14% e 16%. Segundo a Antaq, a
expectativa com as novas regras é que as empresas que atuam dessa maneira
passem a investir mais na aquisição de embarcações ou percam a capacidade de
"promover distorção concorrencial". Com os novos critérios, Juzwiak
entende que haverá um ambiente de concorrência menos assimétrico, mais propício
a investimentos na ampliação da frota no país.
Uma
primeira versão da norma colocada em discussão, ainda em 2014, acabou
prejudicando a indústria de apoio marítimo, cuja estrutura é extremamente
dependente de embarcações estrangeiras. O antigo texto unificava os critérios
para todos os tipos de navegação, o que gerou preocupação entre as empresas que
atuam no apoio às atividades offshore.
A norma
baixada na quarta-feira discriminou as regras por tipo de navegação, tornando
mais flexível, por exemplo, o afretamento de embarcação para apoio marítimo ao
retirar o limite de tonelagem, entre outros. "Numa primeira análise,
parece-nos que os principais pedidos feitos pela indústria offshore foram
atendidos", afirmam Ana Karina Esteves de Souza e Pedro Henrique
Jardim, respectivamente sócia e advogado do Machado, Meyer, Sendacz e
Opice Advogados na área de infraestrutura.
O
advogado Osvaldo Agripino, especialista em regulação de transportes, entende
que a resolução da Antaq é um paliativo para tentar reduzir o que chama de
"abusos" existentes pela falta de uma política de Estado de Marinha
Mercante própria de longo prazo, que evitasse a "sangria" gasta com
os afretamentos e fomentasse a indústria nacional.
Em 2013
foram gastos U$ 6,5 bilhões com afretamentos, metade com supridores de
plataformas marítimas. "Quantas embarcações novas e usadas poderiam ser
importadas pelas EBN′s anualmente? Em dez anos quantos embarcações as EBNS
teriam? Centenas. Dessa forma, teríamos esses recursos aqui mesmo e com navios
de EBN′s no longo curso gerando receitas para o Brasil em moeda forte",
defende Agripino.
Valor Econômico - p. B2