Por Hyndara Freitas
Profissionais apontam falta de objetividade nos critérios, cabendo a cada ministro definir se há transcendência
Uma das mudanças processuais trazidas pela Lei 13.467/2017, que instituiu a reforma trabalhista, foi a definição dos critérios de transcendência para aceitação de recurso de revista no Tribunal Superior do Trabalho (TST). Com um ano de vigência da nova regra, ainda é difícil analisar seus resultados – mas a cláusula já mexe com os ânimos dos advogados que atuam na corte superior.
Entre os advogados ouvidos pelo JOTA, a principal queixa é a falta de objetividade nos critérios, cabendo a cada ministro definir se os casos têm ou não transcendência. O próprio presidente do TST, o ministro Brito Pereira, corrobora com esse pensamento. Em entrevista ao JOTA, Brito antecipou que o tema deve ser regulamentado internamente em breve, seja por instrução normativa, mudança no regimento interno ou projeto de lei, a fim de diminuir a subjetividade que ronda o assunto.
Com a nova lei, só devem ser aceitos no TST os recursos de revista cujos temas ultrapassem o interesse particular das partes. Os critérios são expostos na nova edição do artigo 896-A da CLT, e são eles: econômico (elevado valor da causa); político (desrespeito da instância recorrida à jurisprudência sumulada no TST ou do STF); social (postulação de direito social assegurado pela Constituição) e jurídico (questão nova em torno da interpretação da legislação trabalhista). Os ministros podem se recusar a receber um recurso de revista baseado na falta de transcendência.
Regulamentação
Ministros do TST já vinham avaliando a importância das causas para além do processo em si há anos, só que ainda não havia critérios estabelecidos. O tema surgiu em 2001, por meio da Medida Provisória 2226.
A MP acrescentou o artigo 896-A à CLT, que dizia que “o TST examinará previamente se a causa oferece transcendência com relação aos reflexos gerais de natureza econômica, política, social ou jurídica”, e estabelecia que a norma seria regulada pela corte em regimento interno. A regulamentação nunca foi feita e, em 2017, os critérios foram especificados pela reforma.
O novo regimento interno do TST, publicado em 24 de novembro de 2017, traz regras para a aplicação dos indicadores de transcendência citados na CLT. No artigo 246, o texto esclarece que estes critérios só valem para os recursos interpostos contra decisões dos Tribunais Regionais do Trabalho (TRTs) publicadas a partir de 11 de novembro daquele ano, data em que a reforma trabalhista entrou em vigor.
“Era uma questão polêmica até vir a lei porque nós já vivíamos essa ideia há muitos anos. É que depende muito do relator do processo, é ele que tem que aferir se a questão tem importância jurídica, econômica ou social, é do relator e exclusivamente dele o juízo de avaliação. Por isso, cada um deve dizer o que pensa”, disse o ministro Brito Pereira, presidente do TST, no início do mês.
Na prática, os critérios trazidos pela reforma são pouco taxativos e a decisão, que é monocrática, fica a cargo de cada um dos ministros – essa subjetividade é o centro do debate que divide opiniões de advogados. Enquanto alguns profissionais que atuam no Tribunal Superior do Trabalho ouvidos pelo JOTA dizem que ainda é muito cedo para analisar os efeitos da nova regra, outros afirmam que já se sentem prejudicados e que isso pode até cercear o direito de defesa
O incisos 2 e 3 do artigo 896-A dizem que o recorrente poderá entrar com um agravo de instrumento contra a decisão que negou a análise de um recurso pelo TST. Ainda, a parte poderá realizar sustentação oral durante cinco minutos em sessão, somente sobre a questão da transcendência.
Para o advogado Solón Cunha, do escritório Mattos Filho, a mudança é positiva e ainda é muito cedo para avaliar seus resultados na prática. “Vejo isso com bons olhos, acredito que os ministros do TST têm toda a condição de analisar essas questões. Isso vai tornar o trabalho mais estratégico porque, ao analisar matérias que são transcendentes e comuns a outros processos, pode-se criar precedentes”, diz.
Subjetividade
Como a transcendência deve ser analisada no caso concreto, por enquanto, a principal queixa é a falta de objetividade dos critérios “A redação da lei deixa muito aberto o conceito dos indicadores de transcendência. Acredito que deixa uma subjetividade exagerada para que o ministro possa analisar”, opina o advogado Augusto Alcântara, do escritório Ferrareze & Freitas Advogados, ponderando que a Lei ainda não surtiu o efeito esperado neste sentido. “Poucos ministros do TST têm aplicado o instituto”, diz.
A advogada Caroline Marchi, do escritório Machado Meyer, diz que acha “grave” a maneira como o tema foi trazido pela reforma. “Não sabemos ainda como será, pois tem pouco tempo e a aplicação ainda é ínfima, mas o grau de subjetividade é muito preocupante. Não deu para estabelecer quais são os parâmetros que os ministros usam para analisar a transcendência”, opina.
A questão da subjetividade é admitida pelo próprio presidente do TST. Em entrevista ao JOTA ele afirmou que por conta do pouco tempo de vigência da Lei e, consequentemente, da aplicação dos critérios, ainda não há regulamentação interna sobre o tema e que os entendimentos dos membros do TST podem ser divergentes.
“As ações se repetem. Por exemplo, 30 trabalhadores foram despedidos porque a empresa desativou o setor. Esses 30 empregados podem entrar com 30 ações trabalhistas, com pedidos iguais. Os mais variados ministros recebem situações do mesmo modo, e um pode dizer que não há transcendência e o outro não”, exemplifica o ministro Brito Pereira, destacando que é uma situação nova e que, no futuro, há a possibilidade de criar critérios mais objetivos. “Não estamos tratando disso agora, mas penso que a transcendência é tão importante que talvez mereça um estudo aprofundado no futuro”, diz.
Um dos indicadores questionados pelos advogados é o da transcendência econômica. “O que é um elevado valor da causa? Um valor que é alto para um trabalhador, e que pode significar uma mudança na vida dele, pode não ter grande significado para a empresa”, diz Monya Tavares, do escritório Mauro Menezes e Advogados. A advogada acredita que ainda levará tempo para que os critérios sejam absorvidos. “A uniformização da jurisprudência e dos critérios que serão adotados ainda vai demorar. Não há como prever as matérias”, comenta.
Na visão do advogado Carlos Eduardo Ambiel, sócio do escritório Ambiel Manssur Belfiore & Malta Advogados, é um processo normal a falta de critérios objetivos neste tema no TST, e o tempo vai resolver a questão. Ele acredita que é positiva a mudança para reduzir o número de processos na corte superior e que a análise do mérito dos casos deve se concentrar nas 1ª e 2ª instâncias.
“Com tantos casos que são levadas aos superiores, você acaba tendo muitos julgamentos, não sempre de casos relevantes. A transcendência é mais um filtro para casos com repercussão maior. Já era uma tendência que, agora regulamentado, é um processo de acomodação até se tornar uma regra conhecida”, diz.
O que se percebe é que, entre os advogados, há o receio da insegurança jurídica com a falta de objetividade nos critérios. Para Alcântara, cabe à advocacia se debruçar sobre o tema e instigar o judiciário a consolidar entendimentos. “É assim que a gente vai tentando fazer com que a jurisprudência se altere ao longo do tempo, buscando um meio termo. Tem sido difícil, toda mudança traz desconhecimento, e a gente precisa discutir e buscar a solução para manter a segurança jurídica”, opina.
“É perigoso ter seu recurso conhecido ou não a depender de quem julga. O quanto antes houver essa consolidação dos critérios no TST, melhor”, alerta Ambiel.
JOTA
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(Notícia na Íntegra)