Empresas têm buscado escritórios de advocacia para se preservarem de possíveis problemas com a Justiça Eleitoral. Querem evitar tanto riscos de um contencioso judicial como qualquer abalo à sua reputação. Desde redução do valor da empresa em IPO (abertura de capital) por causa de rumores de doação de pessoa jurídica disfarçada de doação por pessoa física, passando por acusação de assédio eleitoral por funcionários até investigação de violação da Lei Geral de Proteção de Dados (LGPD).
"Cada vez mais a Justiça Eleitoral tem se atentado a temas bilaterais relacionados à campanha. Os cuidados, portanto, devem aumentar a cada eleição", diz o advogado Thiago Sombra, sócio do Mattos Filho especialista em Compliance e Tecnologia. Desde 2016, as empresas não podem mais doar recursos para campanhas eleitorais, partidos ou candidatos. Assim decidiu o Supremo Tribunal Federal (STF) ao julgar inconstitucional lei que autorizava a medida (ADI 4.650). Mas há um prazo para a abertura de investigação judicial para apurar condutas ilegais sobre arrecadação e gastos de recursos. Este ano, por causa do adiamento das eleições decorrente da pandemia, temia-se uma brecha para a infração. Contudo, a Emenda Constitucional nº 107, de 2 de julho, adiou o prazo da lei eleitoral (artigo 30-A da Lei nº 9.504, de 1997), permitindo a propositura de representação até 1º de março de 2021. O artigo 30-A da Lei nº 9.504, de 1997, já foi base para a condenação pelo Tribunal Superior Eleitoral (TSE) do uso de pessoas físicas para a doação disfarçada de pessoas jurídicas a campanhas eleitorais (processo nº 0600140-15.2019.6.00.0000). Advogados alertam que pode comprometer operações de IPO ou M&A (fusões e aquisições), tão comuns atualmente para a captação de recursos financeiros, caso a doação de um diretor para um candidato, por exemplo, não esteja registrada corretamente ou não tenha sido feita de forma transparente. "Pode parecer uma doação de pessoa física com o intuito de se obter benefício para a pessoa jurídica", diz Sombra. Além disso, só partidos, candidatos ou coligações podem contratar plataformas de internet para propaganda eleitoral ou para impulsionar conteúdo (aumentar a audiência), lembra o advogado André Giacchetta, sócio da área de Tecnologia do Pinheiro Neto Advogados. "Não é qualquer cidadão que pode contratar essas empresas e deve ficar claro que todo conteúdo que pede voto a favor de alguém pode ser considerado propaganda eleitoral", afirma. Mas, de acordo com Giacchetta, a preocupação das plataformas de internet é grande não só em atender as regras eleitorais. "Assessoramos as empresas a moldar ferramentas, por exemplo, para a denúncia de propaganda irregular. Assim, elas mostram ter bom compliance, que estão comprometidas em oferecer transparência para um ambiente eleitoral salutar", diz. As eleições deste ano também são as primeiras em que é vedado o disparo em massa de mensagens instantâneas para campanha política, conforme regulamentado pela Resolução nº 23.610, do Tribunal Superior Eleitoral (TSE). "Candidatos só poderão enviar mensagens por meio desses aplicativos para quem já for seu contato, consentir e deve ser possível se descadastrar", afirma Giacchetta. Mas a mais nova barreira às empresas em época de eleições é a proteção da LGPD (Lei nº 13.709, de 2018), que entrou em vigor recentemente. "As empresas têm um banco de dados pessoais valioso de funcionários, clientes e colaboradores. Agora só podem usar ou ceder essas informações se tiverem consentimento dos titulares desses dados, para uma finalidade específica e que pode ser revogado a qualquer tempo", afirma Daniel Guariento, sócio da área de Contencioso do Machado Meyer. "Vai ficar mais difícil o assédio eleitoral acontecer", acrescenta. Embora ainda não tenha sido criada a Autoridade Nacional de Proteção de Dados (ANPD) para fiscalizar o cumprimento da LGPD, Guariento lembra que os juízos eleitorais e o Ministério Público devem aplicar a norma. Quanto às pessoas físicas, Lucas Sant'Anna, sócio da área de Direito Público do Machado Meyer, lembra que a Resolução nº 23.607, do TSE, limita a doação a no máximo 10% da receita bruta declarada no Imposto de Renda (IRPF). "Para a política de compliance das empresas orientamos que funcionários comuniquem a intenção de fazer a doação. E que diretores ou acionistas façam a doação de maneira que fique claro, caso haja alguma investigação, que aquilo nada tem a ver com a empresa", diz.Jornalista: IGNACIO, Laura
(Valor Econômico - 16.10.2020, p. E1)