Estabelecer regras para a participação dos herdeiros na empresa — tanto os do fundador como os dos seus sócios — é fundamental para garantir uma transição tranquila e a continuidade da operaçãoPor Nelson RoccoQuando criou a Abecom em 1963, no bairro do Brás, em São Paulo, Antonio de Jesus Rodrigues não tinha ideia do tamanho que a distribuidora de rolamentos e artigos de borracha viria a alcançar. Em 50 anos de história, a empresa abriu filiais em Campinas, Curitiba e Rio de Janeiro e alcançou um faturamento de R$ 60 milhões por ano. Para garantir que o negócio continuasse crescendo, Antonio, 72 anos, decidiu transferir parte da companhia para o filho Rogério, de 39 anos. “ Ele começou a trabalhar no negócio ainda adolescente. Quando terminou o curso de Administração, eu disse que ele tinha a opção de procurar emprego em outro lugar, se quisesse. Rogério decidiu ficar. Para mim foi bom, porque ele tem muito potencial ” , diz. Aos poucos, o filho foi assumindo responsabilidades na empresa. “ Hoje, a Abecom está praticamente nas mãos dele, apesar de eu ter o controle percentual ” , diz Antonio. “ Como é filho único, a sucessão fica mais fácil. ” O processo começou há quatro anos. O primeiro passo foi dividir as funções dentro da companhia: o pai, como presidente, ficou responsável pela administração geral e financeira. Coube ao filho a área comercial. “ Começamos a fazer um organograma de fato. Foi o início da profissionalização ” , afirma Rogério. A medida seguinte foi estabelecer normas de recursos humanos e “ ir deixando a administração redonda ” , nas suas palavras. O grande salto ocorreu no início deste ano, com a entrada de um novo sócio. Frederico Ripke, ex-executivo da Siemens, comprou 1% do capital da Abecom e passou a ser responsável pela gestão e pela área financeira. “ Fizemos a alteração no contrato social para a entrada do Fred. Ele comprou uma participação e pode assinar livremente documentos financeiros até um determinado limite ” , diz o herdeiro. A maior parte do capital da Abecom está nas mãos de Antonio, com 69%. Rogério detém 30%, e o novo sócio, 1%. O pai não quer mais se ocupar da rotina da companhia. Por isso, já consta no estatuto que, na ausência de Antonio, Rogério se tornará majoritário. A mãe ficará com 34,5%, e ele, com 64,5%. “ A família fez um curso sobre sucessão em empresas familiares e vimos que precisávamos tomar providências ” , diz o filho. CUIDADOS E DEFINIÇÕES Não existe uma cartilha sobre o processo de sucessão. “ Depende da composição da família e do número de filhos, entre vários pontos ” , afirma José Samurai Saiani, sócio do escritório Machado, Meyer, Sendacz e Opice Advogados. Se houvesse uma cartilha, a Abecom poderia ser citada como exemplo de sucessão tranquila. São comuns casos de empreendedores que criam uma empresa bem-sucedida, para depois vê-la desaparecer nas mãos dos herdeiros. Também é frequente a divergência entre os novos donos, que pode terminar no tribunal. Para evitar traumas, o fundador deve tomar alguns cuidados antes de deixar o negócio. Pela legislação, ao abrir uma empresa, o empreendedor tem de ter um sócio, mesmo que seja figurativo, com apenas 1% das quotas, se o formato jurídico de constituição for definido por quotas de responsabilidade limitada. Caso opte por uma sociedade anônima (S.A.), também tem de ter pelo menos um sócio. “ O empresário precisa decidir se quer vir a trabalhar com os herdeiros dos sócios e se os seus filhos querem vir a tocar a empresa junto com seu sócio. Ou ainda se não é melhor trazer profissionais de mercado ” , diz Antonio Morello, sócio do escritório Pinheiro Neto Advogados. No caso de filhos do fundador ou de filhos de sócios virem a assumir a companhia, é preciso estabelecer regras e incluí-las no contrato social. Deve-se definir, por exemplo, o papel de cada um e os procedimentos para avaliar a empresa ou para deixar a sociedade. “ Caso os herdeiros dos sócios não sejam admitidos na companhia, é necessário esclarecer como será paga a parte deles ” , diz Morello. Todas as empresas têm um valor, mas a partilha não pode ser feita apenas pelo valor contábil, sem levar em conta aspectos como a marca, a tradição conquistada e a carteira de clientes. O sócio do escritório Pinheiro Neto sugere que o empresário recorra a uma consultoria especializada para chegar ao seu valor de mercado, como na preparação para formar uma joint venture. “ Para um negócio pequeno, essa avaliação é mais difícil e pode ser cara. Mas é menos que aquilo que se gasta em um processo judicial. ” Outro cuidado é escolher uma câmara de arbitragem à qual recorrer para dirimir divergências entre sócios ou herdeiros. Desde a criação da Lei da Arbitragem, que completa 15 anos, diversas disputas empresariais foram resolvidas por meio da atuação dessas câmaras. Elas são compostas por peritos em questões empresariais, que procuram uma solução consensual entre as partes. Apenas como exemplo, a Federação das Indústrias do Estado de São Paulo (Fiesp) tem uma delas, a Câmara de Comércio Brasil Canadá tem a sua, e a Bolsa de Valores, também. Cada tipo de empresa pode procurar uma câmara mais adequada ao seu perfil. “ De imediato, um processo de arbitragem tem preço elevado, mas o trâmite leva mais ou menos um ano e meio. Se compararmos com um processo judicial, que dura entre sete e dez anos, o custo é menor ” , diz Morello. Fazer um testamento que estabeleça quem vai cuidar da empresa e quem ficará com cada um dos bens é uma medida prudente. O consultor Wagner Luiz Teixeira, sócio da consultoria Höft, especializada em sucessão familiar, lembra que o dono de uma companhia, se for casado, pode des-tinar 50% dos seus bens em um testamento — os outros 50% são da mulher, a não ser em caso de regime de separação total ou parcial de bens. De qualquer modo, a elaboração do testamento deve ser discutida com toda a família, para que ninguém se sinta prejudicado no futuro. Teixeira chama a atenção para um fato comum, mas que deve ser discutido às claras: a surpresa com a existência de um filho fora do casamento. “ Nesses casos é preciso reconhecer esse filho, porque isso é incontestável e anula qualquer testamento ” , diz. OPERAÇÃO PRESERVADA Para que o dia a dia não seja afetado por divergências entre os sócios, Saiani, do escritório Machado, Meyer, Sendacz e Opice Advogados sugere que o fundador reorganize o negócio e crie uma empresa para cada filho e outra para a parte operacional da companhia. Entre a operacional e as empresas dos herdeiros deve haver uma holding, controlada pelas firmas dos filhos em partes iguais. “ Se houver briga, a produção estará protegida ” , diz. O consultor Fernando José Barbim Laurindo, da Fundação Vanzolini, >Como alternativa, as famílias devem formar potenciais sucessores ao longo dos anos, estimulando os herdeiros a estudar e a trabalhar em diversas áreas da empresa. “ Dessa forma, o herdeiro vai formando uma visão mais profissional do negócio ” , diz. Rogério Rodrigues trabalha na empresa do pai, a Abecom, desde os 13 anos. “ Já passei por todas as funções dentro da companhia ” , diz o herdeiro. Exatamente como estaria escrito na cartilha.(Pequenas Empresas & Grandes Negócios - http://pegntv.globo.com/Pegn 07.11.2011)(Notícia na Íntegra)