Os bancos estrangeiros não precisam mais de autorização do Conselho de Segurança Nacional para aceitar terras em área de fronteira como garantia. A desburocratização do processo para a concessão de crédito, que veio com a edição da Lei nº 13.097, publicada no dia 19, era uma demanda antiga dessas instituições financeiras, de acordo com a Associação Brasileira de Bancos Internacionais (ABBI).

O processo para a obtenção da autorização era moroso, segundo advogados da área imobiliária, e chegava a inviabilizar as operações. Agora, com a edição da lei, a ABBI projeta aumento de competição entre os bancos e, consequentemente, melhores condições na oferta de crédito.

Embora a constituição de garantia real sobre imóvel rural localizado em faixa de fronteira não fosse proibida, as partes nem sempre estavam dispostas a esperar a tramitação dos processos perante o Conselho de Segurança Nacional e arcar com os custos adicionais, segundo Renato Maggio, sócio da área Financeira do escritório Machado, Meyer, Sendacz e Opice Advogados.

A necessidade de autorização estava prevista na Lei nº 6.634, de 1979, que dispõe sobre a faixa de fronteira. Pela norma, transações com imóvel rural, que implicassem na obtenção, por estrangeiro, do domínio, da posse ou de qualquer direito real sobre o imóvel nessa faixa precisavam de anuência prévia do Conselho de Segurança Nacional.

"Se estava em faixa de fronteira, aconselhávamos a não fazer a operação", afirma Fátima Rombola Fonseca, advogada da área de Imobiliário do Machado, Meyer. No ano passado, a advogada atendeu a cerca de 50 consultas sobre esse tema. Um dos problemas é que há uma grande faixa de fronteira no Brasil corresponde a 150 quilômetros para dentro. No caso de alguns Estados, engloba grande parte das terras.

Os advogados buscavam, até então, alternativas para evitar discussões judiciais. Em um dos casos orientados pelo escritório Machado Meyer, a solução foi adotar garantias não reais e substituir os sete imóveis rurais e um total de 27 dados em garantia por outros não sujeitos a restrições ou procedimentos específicos.

"A operação morria na origem quando dependia de aprovação do Conselho de Segurança Nacional. Um pedido poderia durar até um ano", diz Luciano Garcia Rossi, sócio do Pinheiro Neto Advogados e especialista em direito imobiliário. "O procedimento era demorado e exigia muita documentação."

De acordo com o presidente do comitê legal da ABBI, Christian Squassoni, da forma como a lei estava redigida, as instituições brasileiras estavam em situação de vantagem perante as estrangeiras. "Era interesse de todos os bancos de capital estrangeiro. Achamos que as instituições financeiras têm que operar com igualdade no Brasil", afirma Squassoni, acrescentando que, com a mudança, mais bancos atuarão no mercado de crédito e que a maior concorrência poderá resultar em redução de juros.

O principal argumento da ABBI na discussão era a de que os bancos não podem manter a posse dessas terras ou imóveis, a menos que seja para uso próprio. Portanto, não haveria ameaça à soberania. A Lei nº 4.595, de 1964, veda às instituições financeiras adquirir bens imóveis não destinados ao próprio uso, salvo os recebidos em liquidação de empréstimos de difícil solução. Mas, nesse caso, os bancos têm um ano para vender o bem, prorrogável até duas vezes, a critério do Banco Central.

Hoje, porém, os bancos estrangeiros também enfrentam obstáculos com operações com terras rurais fora de faixas de fronteira, segundo Wagner Garcia Botelha, sócio da área imobiliária e de agronegócio do escritório Azevedo Sette Advogados. "Não há impedimento legal para os bancos internacionais tomarem essas áreas como garantia. Mas as restrições para aquisição de terras por estrangeiros acabam, na prática, complicando a execução dessas garantias", diz.

Uma decisão do Supremo Tribunal Federal (STF) poderia resolver a situação, segundo advogados. Na Ação Cível Originária nº 2.463, o Incra e a União questionam um parecer do Estado de São Paulo que dispensaria os cartórios de seguirem as determinações da Lei nº 5.709, de 1971, que regulamenta a aquisição de imóvel rural por estrangeiros. A ação tem como relator o ministro Marco Aurélio.

Mesmo sem um posicionamentro do Supremo, alguns advogados entendem que a determinação da Lei nº 13.097 para as áreas de fronteira já é um forte argumento. "A lei não trata dos imóveis rurais em geral, ficou esse ponto nebuloso. Mas vai ser um argumento, por analogia. Se pode em faixa de fronteira, os demais também poderiam", afirma Diogo Moure dos Reis Vieira, sócio de imobiliário do escritório Bichara Advogados.

Para Ivandro Ristum Trevelim, sócio da área imobiliária do escritório Campos Mello Advogados, falta a edição de um marco regulatório para abrigar essas orientações de forma completa. "Enquanto não existir, vai reinar a insegurança jurídica", diz Trevelim, acrescentando que são comuns as consultas das empresas sobre esse tipo de garantia e que ainda há muitas dúvidas sobre o assunto.

Valor Econômico - 05.02.2015, p. E1