Na última semana, durante uma audiência ocorrida em Jacarepaguá/RJ, o juiz Aylton Cardoso, atuante na 2ª vara Criminal, ordenou a apreensão de uma gravação feita pelo advogado Cleydson Lopes. A ação foi motivada após a promotora de Justiça Ermínia Manso perceber que a audiência estava sendo gravada através de um celular, sem aviso prévio a todas as partes envolvidas.
A promotora Manso, ao confrontar o advogado sobre a gravação, questionou: "O senhor está gravando, doutor? Mas o senhor não avisou nem a testemunha nem a ninguém".
Diante da situação, Cleydson defendeu sua ação ao citar o artigo 367 do CPC, que, segundo ele, autorizaria a gravação. No entanto, a promotora argumentou contra a prática sem consentimento das partes envolvidas, invocando a LGPD, especialmente pela presença da voz da testemunha no arquivo gravado.
Para entender melhor as implicações deste episódio, conversamos com Maurício Tamer, especialista em Direito Digital, proteção de dados pessoais e propriedade intelectual do escritório Machado Meyer Advogados.
Ao ser questionado sobre a possibilidade de se invocar a LGPD, mesmo havendo uma previsão no CPC que autoriza a gravação, Tamer esclareceu que "a LGPD pode ser considerada em qualquer situação que envolva registro de conteúdo audiovisual de pessoas, incluindo imagens e sons presentes na gravação, que são considerados dados pessoais não sensíveis".
"A coleta de dados pessoais no curso de atos procedimentais, a exemplo das audiências, deve ser harmonizada com o que prevê a lei processual e a própria LGPD. A gravação poderá ocorrer se sua finalidade for legítima. Em procedimentos civis, em regra, a gravação por advogado pode ser considerada legítima, já que prevista nos §§5° e 6° do artigo 367 do CPC, observadas eventuais restrições de sigilo processual decorrentes do artigo 189 do mesmo Código."
E complementou:
"A gravação não depende necessariamente do consentimento dos gravados, a exemplo do mencionado durante o vídeo, de modo que pode ser realizada de acordo com outras bases legais da própria lei conforme o caso. A própria defesa de interesses em procedimentos judiciais é uma das hipóteses possíveis."
A discussão torna-se particularmente interessante em procedimentos penais, como apontado por Maurício:
"A um, porque a LGPD não é aplicável às atividades de investigação e repressão de infrações penais, o que poderia levar à discussão a invocação da LGPD por quaisquer dos sujeitos processuais durante uma audiência criminal. A dois, se fosse aplicável, não há precedentes sólidos sobre a aplicação analógica das previsões do artigo 367 do CPC ao processo penal, o que poderia tornar questionável a legitimidade da realização da gravação."
Sobre o questionamento de se a LGPD se aplica apenas a fins comerciais, Tamer foi enfático: "a LGPD é aplicável para todas as ações feitas com dados pessoais (coleta, gravação, deleção etc.), independentemente da finalidade. A LGPD só não será aplicada para uso de dados para fins exclusivamente pessoais (por exemplo, uma lista de contatos particular no telefone), para fins artísticos e jornalísticos, e para fins exclusivos de segurança pública, defesa nacional, segurança do Estado e atividades de investigação e repressão de infrações penais".
Nota de apoio
A AMPERJ - Associação do Ministério Público do Estado do Rio de Janeiro emitiu uma nota de apoio à promotora Ermínia Manso, destacando sua qualificação profissional e compromisso com a ética e a justiça.
Nota pública da AMPERJ
A Associação do Ministério Público do Estado de Rio de Janeiro (AMPERJ) presta irrestrito apoio e solidariedade à Promotora de Justiça Ermínia Manso Stivelman Oliveira de Sousa, tendo em vista a sua exposição (de nome e voz) sem autorização, em redes sociais e de comunicação, com texto misógino e ofensivo à sua honra, o que em nada contribui para a prestação jurisdicional e o interesse público.
A Promotora de Justiça Ermínia Manso Stivelman Oliveira de Sousa ingressou no Ministério Público em 1997, atuando na área criminal desde 2003. Atualmente é titular da Promotoria de Justiça junto à 2ª Vara Criminal de Jacarepaguá-RJ. Antes disso foi procuradora da Universidade do Estado do Rio de Janeiro (1995/1997). É Mestre em direito (LLM) por Monterey College of Law (2014).
É, portanto, profissional de vasta experiência e qualificação, tendo prestado relevantes serviços ao MPRJ, exercendo suas funções e pautando sua conduta pela ética, equilíbrio, imparcialidade e técnica jurídica.
No mais, reafirma-se o compromisso da AMPERJ (Associação do Ministério Público do Estado do Rio de Janeiro) com a defesa intransigente das prerrogativas dos membros da instituição, mantendo-se vigilante em relação a qualquer ato que possa vilipendiá-los física ou moralmente.
(Migalhas - 27.03.2024)