Fernanda Guimarães | São Paulo

A mudança das regras do Juros sobre Capital Próprio (JCP), proposta ontem pelo governo, desvirtuou as razões que motivaram a criação do mecanismo e sua menor atratividade poderá, no médio prazo, alterar a estrutura de capital das companhias e fazer com que os sócios prefiram emprestar para as empresas, procedimento adotado em ampla escala antes do surgimento do JCP. O motivo é o aumento da alíquota a ser paga pelo acionista que receber a JCP de 15% para 18%, sendo que no caso dos empréstimos dos sócios o porcentual do imposto, em caso de aplicação superior a de dois anos, é de 15%. Dessa forma, a percepção é de que essa alteração, que em uma primeira análise foi sutil, preceda sua extinção.

Ana Claudia Utumi, sócia responsável pela área Tributária de TozziniFreire Advogados, destaca que, com essa mudança de alíquota, as empresas com controladores brasileiros poderão ver vantagem em realizar o aporte na empresa via empréstimos, já que o imposto a ser pago, usando essa estrutura, será menor. "As regras de subcapitalização não se aplicam quando os sócios são brasileiros", explica. A subcapitalização ocorre quando uma sociedade tem um passivo excessivo frente ao seu capital, ou seja, uma desproporção entre seu capital e seu endividamento proveniente, principalmente, de sociedades do mesmo grupo econômico, geralmente, com a finalidade de diminuir a carga tributária. Para inibir essa prática em 2009 foram criadas normas tributárias, mas que inclui a pessoa jurídica domiciliada no exterior e sua subsidiária no Brasil.

O advogado tributário do L.O. Baptista-SVMFA, João Victor Guedes, explica que o JCP, quando criado em 1995, veio no sentido de incentivar os investimentos por meio de capital próprio, mediante o equilíbrio do tratamento tributário dado aos investimentos realizado por terceiros, ou seja, pela dívida. Antes, o uso de capital de terceiros proporcionava aos acionistas um melhor retorno sobre os investimentos em relação a uma empresa que optasse pelo capital próprio. "As empresas vão começar a analisar se vale a pena aumentar o capital e receber juros sobre capital próprio ou se é mais interessante fazer o mecanismo de se conceder empréstimos para a pessoa jurídica, come era feito há 20 anos", destaca o especialista.

Segundo o advogado, o maior benefício fiscal dado pelo financiamento pelos sócios para as empresas pode prevalecer em relação ao JCP, fato que pode deixar as empresas mais endividadas, em um momento em que se manter mais capital possa fazer mais sentido do ponto de vista operacional. Guides explica, ainda, que para que exista o benefício tributário nesse tipo de financiamento feito pelos sócios, o capital empregado precisa estar sujeito ao "risco do negócio".

Ana Claudia, do TozziniFreire Advogados, acredita, ainda, que o JCP está perto de seu fim. "Não senti na fala do ministro a percepção de que esse benefício irá ficar", disse. Segundo a especialista, além do Brasil, apenas na Bélgica existe o JCP, sendo que lá só há a dedução fiscal, sem o efetivo pagamento do benefício.

Outra mudança anunciada ontem pelo governo foi a imposição de um teto no uso do benefício pelas companhias, já que limitou a Taxa de Juros de Longo Prazo (TJLP) para o cálculo de JCP em 5%, em um momento em que a tendência dessa taxa é de ascensão, visto que seu cálculo leva em conta a meta de inflação mais um prêmio de risco. O sócio da área Tributária do Veirano Advogados, Marco Monteiro, explica que o anúncio do governo ocorre no sentido de estabelecer um teto para o uso desse benefício das empresa, tendo em vista exatamente a perspectiva de uma TJLP mais alta no ano que vem dado o atual ambiente econômico vivido pelo Brasil. O JCP é calculado pela multiplicação da TJLP pelo Patrimônio Líquido (PL) da companhia, ou seja, quanto maior a TJLP maior o JCP e, consequentemente, maior o benefício.

Isso porque o JCP possui uma vantagem do ponto de vista fiscal, já que ele é tratado pela companhia como uma despesa financeira, fato que acaba reduzindo o lucro tributável, diminuindo, dessa forma, o Imposto de Renda (IR) a ser pago pela empresa. A vantagem é que o IR e a Contribuição Social sobre o Lucro Líquido (CSLL) pagos pela empresa é de 34% e o JCP pago pelo investidor é hoje de 15% e subirá para 18% se as novas regras forem aprovadas.

A questão é que a TJLP já vem em trajetória ascendente. Nos últimos anos a taxa ficou estável em 5%, mas no primeiro trimestre de 2015 foi para 5,5%, indo para 6% no segundo trimestre e para 6,5% no intervalo de julho a setembro. A TJLP é fixada pelo Conselho Monetário Nacional e divulgada até o último dia útil do trimestre imediatamente anterior ao de sua vigência.

O sócio do Machado Meyer na área Tributária, Fernando Colucci, destaca que, para os investidores pessoas físicas e não residentes, o anúncio de ontem significa aumento de impostos, mas destaca que o JCP segue atrativo quando comprado ao dividendo, porque na prática o porcentual a ser pago é menor. Colucci explica que, quando a empresa opta em pagar o dividendo, outra forma de se distribuir proventos aos acionistas, a companhia tem tributado seu lucro pelo IR e CSLL em 34% e apenas após essa incidência é que haverá a base para cálculo do dividendo. "O dividendo não tem IR na fonte, mas ele também não é dedutível", afirma. Já o JCP é dedutível, mas pago na fonte. Na prática, destaca, há uma troca de um imposto mais alto por um mais baixo. Além disso, lembra o advogado, o investidor também se beneficia pelo fato da empresa, na qual é acionista, pagar menos imposto quando se utiliza do JCP. (Fernanda Guimarães - Este endereço de email está sendo protegido de spambots. Você precisa do JavaScript ativado para vê-lo.)

(Agência Estado - 15.09.2015)

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