Em decisão de um Agravo de Instrumento, desembargadores federais da Quarta Turma do Tribunal Regional Federal da 3ª Região entenderam que sócios de uma empresa não podem ser responsabilizados por dívidas com INSS decorrentes do insucesso comercial da sociedade. O resultado negativo é uma das possibilidades do processo econômico na livre iniciativa e deve ser assumido no limite da Pessoa Jurídica. Por Andréa Háfez Não são poucos os argumentos que têm sido utilizados para impedir que se quebre a barreira que separa a responsabilidade das empresas da de seus sócios e administradores. Com a aplicação, muitas vezes indiscriminada, da chamada Desconsideração da Personalidade Jurídica, o debate em torno dos limites para o uso deste instituto continua. Uma decisão recente dada pela Quarta Turma do Tribunal Regional Federal da 3ª Região colabora com o entendimento de que este procedimento não deve ser utilizado fora do caráter excepcional, com a finalidade de apenas suprir o pagamento de dívidas de empresas. Seu uso não deve ocorrer, principalmente, se a impossibilidade da quitação aconteceu por conta do mau desempenho econômico da companhia. De acordo com o voto do Desembargador Federal Fábio Prieto de Souza, relator da decisão dada no Agravo de Instrumento nº 269638, em um processo envolvendo a empresa MetalDente e a Fazenda Nacional, o princípio constitucional da livre iniciativa impediu a Desconsideração da Personalidade Jurídica Segundo a fundamentação, o deslocamento da responsabilidade por dívida da empresa para o sócio da mesma não deve ocorrer quando o não pagamento do tributo foi ocasionado pela falta de êxito da sociedade. “O princípio da livre iniciativa considera que existe o risco da atividade econômica e este risco só pode ser suportado pela Pessoa Jurídica e nunca pela pessoa física”, afirma a advogada Ana Cláudia Queiroz, Coodenadora Geral da Área Tributária do escritório Maluly Jr. Advogados, que representou os sócios da empresa MetalDente no processo de execução fiscal, promovido pela Procuradoria da Fazenda em razão de débitos tributários da companhia com o Instituto Nacional de Seguridade Social (INSS). Segundo ela, a empresa havia paralisado as suas atividades e, depois de uma certidão do Oficial de Justiça com informações sobre o não funcionamento da mesma nos locais indicados, a Procuradoria da Fazenda pediu a inclusão dos sócios no pólo passivo da execução fiscal. Com a inclusão aceita pelo juiz em primeira instância, foi apresentado o recurso de agravo de instrumento e a antecipação de tutela foi concedida a favor dos empresários. No final do ano de 2006, saiu a decisão com o entendimento da Quarta Turma do Tribunal Federal Regional da 3ª Região. Para Paulo Sigaud, sócio na área tributária do escritório Felsberg Associados, a decisão dada pelo Tribunal traz uma interpretação mais moderna sobre o papel das empresas e a sociedade. Alinhada com a nova Lei de Falência e Recuperação Judicial, este entendimento dos desembargadores federais demonstra a compreensão de que não adianta sufocar a empresa ou seus sócios e administradores. “O fundamental é dar condições para uma retomada da atividade econômica para que possa haver o retorno de mais postos de trabalho e uma nova arrecadação”. A tentativa de redirecionamento na cobrança de dívidas das empresas para o patrimônio de seus sócios já não tem tido sucesso em boa parte da jurisprudência, principalmente, junto ao Superior Tribunal de Justiça (STJ). No entanto, a base para impedir a Desconsideração da Personalidade Jurídica tem sido o argumento de que não havendo a comprovação de fraude, não deve ser adotado o uso dos bens dos sócios para cobrir dívidas da companhia. De acordo com Sigaud, será interessante que o novo entendimento, com consideração do risco da livre iniciativa, seja levado à avaliação desta Corte para que ela também se manifeste sob este novo ângulo. A Fazenda e o INSS têm adotado como prática usual a colocação da pessoa dos sócios de empresas no pólo passivo em execuções fiscais de empresas. Este redirecionamento serve como uma forma de pressão fiscal sobre as empresas e seus sócios e, apesar das decisões do STJ terem um orientação mais clara para limitar o uso deste procedimento, a postura de parte do Tribunais ainda preocupa. Daniela Zagari, sócia do escritório Machado, Meyer, afirma que ainda é freqüente em alguns tribunais primeiro a determinação do bloqueio de bens dos sócios e administradores para que depois ocorra a discussão sobre se houve fraude ou algum tipo de abuso por parte dos sócios e administradores. “É uma inversão proposta pela Procuradoria da Fazenda e do INSS que precisa ser barrada pelo Judiciário”, diz. Uma postura invertida de ônus da prova, com a estipulação por parte do Judiciário do bloqueio de bens e contas bancárias de sócios e administradores, antes de detectar a ocorrência dos pressupostos exigidos para a Desconsideração da Personalidade Jurídica, pode trazer mais insegurança aos investidores e empresários. “A lei é clara sobre as premissas necessárias para o redirecionamento da cobrança das dívidas das empresas para os bens de seus sócios e administradores. Se há uma deturpação e o instituto passa a ser usado de maneira indiscriminada, dificilmente haverá interesse em investir em empresas brasileiras pois o risco é potencializado”, comenta Zagari. A responsabilidade de sócios de forma pessoal pelos débitos contraídos pela Pessoa Jurídica está prevista no artigo 135 do Código Tributário Nacional (CTN): “São pessoalmente responsáveis pelos créditos correspondentes a obrigações tributárias resultantes de atos praticados com excesso de poderes ou infração de lei, contrato social ou estatutos: .... III – os diretores, gerentes ou representantes de pessoas jurídicas de direito privado”. Desta maneira, segundo a advogada Ana Cláudia Queiroz, os sócios só podem ser responsabilizados pelos débitos tributários da empresa, nos casos de comprovado ato de infração à lei, estatuto ou contrato social. No entanto, surge o debate, que ainda não tem jurisprudência uniformizada no STJ, para definir se a simples inadimplência fiscal é fraude à lei ou não, ou se a dissolução irregular é fraude ou não à lei. “Há turmas do STJ que entendem que sim e outras que não, ainda não há uma definição”, afirma. (Algumas decisões dadas no Superior Tribunal de Justiça) Além disso, pelo artigo 13 da Lei nº 8.620 de 05/01/1993, o titular da firma individual e os sócios das empresas por cotas de responsabilidade limitada respondem solidariamente, com seus bens pessoais, pelos débitos junto à Seguridade Social. Em seu parágrafo único está também previsto que os acionistas controladores, os administradores, os gerentes e os diretores respondem solidariamente e subsidiariamente, com seus bens pessoais, quanto ao inadimplemento das obrigações para com a Seguridade Social, por dolo ou culpa. No entanto, há o entendimento por parte de alguns de que esta extensão de responsabilidade é inconstitucional. A Lei nº 8.620, enquanto ordinária, não poderia ampliar os termos previstos no CTN, que se trata de lei complementar. Com isso, a Condeferação Nacional das Indústrias (CNI) propôs a Ação Direta de Inconstitucionalidade ( nº 3672) contra para a suspensão deste dispositivo legal. Até agora, porém, não houve uma decisão por parte do Supremo Tribunal Federal, mas, segundo a advogada Ana Cláudia Queiroz, a sinalização é para que o Supremo aceite a tese da inconstitucionalidade. Mercado aguarda nova legislação Mesmo com o entendimento cada vez mais tranqüilo da jurisprudência no sentido de limitar o uso da Desconsideração da Personalidade Jurídica, alguns operadores do Direito e do mercado vêm trabalhando na elaboração de uma legislação que dê mais clareza a esta aplicação. O Código Civil Brasileiro em vigor, em seu art. 50, prevê expressamente o uso do redirecionamento da responsabilidade da Pessoa Jurídica de empresas para a figura de seus sócios e administradores, com o alcance de bens particulares dos mesmos, sempre que tiver havido uso abusivo da empresa, caracterizado pelo desvio de finalidade ou pela confusão patrimonial. O Código do Consumidor (Lei nº 8.708, de 11.9.1990), em seu artigo 28, bem como a Lei 9.605/98, que regulamenta os crimes contra o meio ambiente, e o próprio Código Tributário Nacional, em seu artigo 135, têm disposições relacionadas ao tema. No entanto, ainda parece faltar um rito procedimental que assegure inclusive o exercício do contraditório, para que seja evitada a aplicação desmedida do instituto da Desconsideração da Personalidade Jurídica. Já existe hoje em tramitação na Câmara Federal um projeto de lei (PL nº 2.426/03), de autoria do falecido Deputado Ricardo Fiúza, que trata da matéria. Foi tomando por base esse texto original que as entidades integrantes do Plano Diretor do Mercado de Capitais, por meio de um grupo de trabalho especialmente constituído para essa finalidade, elaborou a sugestão de susbtitutivo. A proposta chegou a ser encaminhada ao novo relator do projeto, o Deputado José Eduardo Martins Cardozo, em 2006. Com a mudança da legislatura, porém, será necessário verificar se a relatoria do projeto permanecerá com o Deputado Martins Cardozo e quais serão as próximas etapas em sua discusão. (A.H.). (Notícia na íntegra) Espaço Jurídico BOVESPA 12.01.2007

Fonte: http://www.bovespa.com.br/Investidor/Juridico/070112NotA.asp

Data de Inclusão: 16/01/07