A Comissão de Valores Mobiliários (CVM) abriu a Consulta Pública SDM 05/25 para reformar a Resolução CVM 88/22. Essa resolução instituiu o regime de ofertas públicas com dispensa de registro por meio de plataformas eletrônicas de investimento participativo (plataformas de crowdfunding).
O texto proposto criará um novo marco legal para esse tema, substituindo a norma em vigor. Entre as inovações sugeridas estão a ampliação do rol de emissores elegíveis; a atualização dos limites de captação e de investimento; os ajustes no regime informacional e a introdução de mecanismos para aumentar a capilaridade das ofertas e a liquidez subsequente.
Contexto e objetivo da proposta
Desde 2023, a dinâmica das ofertas públicas sob o regime de crowdfunding foi muito influenciada por interpretações da CVM, que viabilizaram a oferta, nesse rito, de tokens representativos de títulos de securitização emitidos por securitizadoras de capital fechado sem registro na CVM.
O movimento impulsionou volumes e número de ofertas e atraiu novos perfis de emissores e investidores para esse tipo de oferta. Paralelamente, o agronegócio ampliou sua participação no mercado de capitais e surgiram demandas por instrumentos simples e ágeis de financiamento a produtores e cooperativas.
Diante desse cenário, a CVM busca nesse momento:
- consolidar e dar segurança jurídica a práticas que se tornaram relevantes (como a securitização por meio de plataformas de crowdfunding);
- expandir o acesso ao mercado a novos emissores (cooperativas e produtores rurais);
- reforçar a proteção e a educação do investidor, com informações comparáveis e indicadores de desempenho das plataformas; e
- harmonizar o crowdfunding com regimes adjacentes, em especial o Fácil, evitando assimetrias e eventual arbitragem regulatória.
Principais mudanças propostas
Emissores elegíveis e conceito de “emissor”: a minuta substitui o conceito de “sociedade empresária de pequeno porte” por “emissor”, permitindo calibrar regimes regulatórios por tipo de emissor. Passam a ser elegíveis como emissores:
- sociedades empresárias não registradas na CVM (com eliminação do atual limite de faturamento);
- companhias securitizadoras registradas na CVM (com regime de transição para quem já ofertou sob a Resolução CVM 88/22);
- produtores rurais pessoa natural (restritos à emissão de CPR-F com garantias, desde que obrigados à escrituração e entrega do Livro Caixa do Produtor Rural à Receita Federal, de acordo com a Instrução Normativa SRF 83/01); e
- cooperativas agropecuárias (restritas à emissão de CPR-F, CDCA e nota comercial).
- Limites de captação:
- sociedades não registradas e cooperativas: até R$ 25 milhões por oferta/ano-calendário;
- securitizadoras (por patrimônio em separado): até R$ 50 milhões por oferta; e
- produtor rural pessoa natural: até R$ 2,5 milhões por safra, com proibição a fazer várias ofertas sobre a mesma safra e limite de, no máximo, duas safras consecutivas por obrigação.
- Principais ajustes operacionais e de governança das ofertas:
- securitização: valor mínimo de captação definido no termo de securitização; auditoria das demonstrações financeiras apenas da securitizadora inicialmente e, após a constituição do patrimônio separado, da securitizadora e do patrimônio separado;
- sociedades empresárias: valor mínimo de captação de 50% do valor máximo e lote adicional de até 100% para títulos de participação.
- Limites de investimento e desistência:
- foram mantidos os patamares por investidor pessoa natural, mas o teto passa a ser por plataforma (e não global), com recomposição do limite pelo principal recebido em resgates no mesmo ano; e
- redução do período de desistência de cinco para dois dias após a confirmação do investimento.
- Transparência e regime informacional:
- anexos informacionais específicos por tipo de emissor (sociedade, securitizadora, produtor e cooperativa) com fatores de risco e dados padronizados aderentes à natureza do ativo/lastro;
- divulgação pública de lista de emissores inadimplentes não só em relação à informação contínua, mas também quanto a obrigações financeiras, com alerta na página da própria oferta.
- Distribuição por conta e ordem e liquidez subsequente:
- autoriza-se a distribuição por conta e ordem por intermediários do sistema de distribuição de valores mobiliários, por meio de integração sistêmica e divisão clara de responsabilidades;
- ampliado o acesso ao ambiente de transações subsequentes: elimina-se o conceito de “investidor ativo”; e
- permite-se recompra pelo emissor, desde que prevista no documento da oferta, com metodologia de preço objetiva e previamente divulgada, comunicação específica aos investidores e proibição em caso de informação relevante não divulgada.
- Tecnologia de registro distribuído (DLT) e tokenização: a norma não exige o uso de uma tecnologia específica e reafirma que o uso de DLT não altera obrigações ou responsabilidades das plataformas.
Relevância no cenário jurídico-regulatório
A proposta de alteração da Resolução CVM 88/22 reposiciona as ofertas via crowdfunding como elemento importante no mercado de capitais. Essas ofertas podem acomodar desde captações de sociedades em estágio inicial até operações de securitização e instrumentos do agronegócio, com salvaguardas proporcionais.
O texto reforça a complementaridade com o Fácil e indica que o regime não é mais um canal essencialmente voltado a startups. Ele passa a ser uma infraestrutura mais ampla de originação, distribuição e de mercado secundário assistido, com participação de intermediários tradicionais e métricas públicas de desempenho.
A consulta sinaliza maior previsibilidade e amplitude de uso do crowdfunding como via regulada de acesso a capital, ao mesmo tempo em que eleva exigências de governança e disclosure.
Como contribuir e próximos passos
A consulta pública receberá contribuições até 23 de dezembro. A participação qualificada do setor privado será fundamental para consolidar um regime que amplie o acesso a capital com proteção adequada aos investidores e mantenha o equilíbrio entre os diversos ritos regulatórios disponíveis.
O Machado Meyer está à disposição para auxiliar na avaliação de impactos dessas possíveis mudanças regulamentares e na elaboração de comentários à consulta. Também podemos ajudar nossos clientes a traçar um desenho de estruturas de captação nas ofertas via plataformas de crowdfunding, totalmente alinhado com as exigências regulatórias.