Por Lucas Sant´Anna, José Alexandre Sanches e Bruno Lauer

Corte irá prestigiar a segurança jurídica ao promover mais unidade e coerência em matéria de regulação econômica

No último dia 6 de dezembro, o plenário do Supremo Tribunal Federal (STF) se reuniu para julgar dois processos que versam sobre o alcance da competência regulatória dos municípios em matéria de transporte privado individual de passageiros; aqueles realizados por meio motoristas particulares por meio de aplicativos de agenciamento como UBER, CABIFY e 99.

O primeiro refere-se a uma arguição de descumprimento de preceito constitucional (ADPF 449) proposta pelo Partido Social Liberal (PSL) em face de lei do município de Fortaleza (CE) que, embora não estabeleça uma proibição expressa, vem sendo utilizada pelo Município para fundamentar a proibição, fiscalização e aplicação de penalidades, como apreensão de veículos, aos prestadores do serviço de transporte privado individual.

O segundo se trata de um recurso extraordinário (RE 1054110), interposto pela Câmara Municipal de São Paulo, visando a reformar o acórdão do Tribunal de Justiça de São Paulo que julgou procedente a ação direta de inconstitucionalidade proposta pela Confederação Nacional de Serviços – CNS tendo por objeto a Lei Municipal nº 16.279/2015. A referida lei paulistana proibiu que motoristas profissionais exerçam a atividade de transporte privado individual de passageiros, proibindo também que empresas de tecnologia prestem os serviços de agenciamento entre motoristas e potenciais passageiros.

Para entender a importância do julgamento do STF, convém fazer um breve retrospecto sobre a matéria.

Em março de 2018 foi aprovado a Lei nº 13.640 que promoveu alterações na política nacional de mobilidade urbana (Lei nº 12.587/2012) para regulamentar a figura do transporte privado individual de passageiros. Antes da Lei nº 13.640/2018, existia uma discussão sobre a legitimidade do transporte individual de passageiros realizados por motoristas cadastrados em aplicativos. Os taxistas se posicionaram veementemente contrários à existência de uma modalidade de transporte individual que pudesse competir com o serviço que até então era prestado apenas por eles. A Lei nº 13.640/2018 coloca fim a essa discussão ao reconhecer a legitimidade do transporte privado individual, trazendo uma distinção bastante das duas atividades.

Após a Lei nº 13.640/2018, a política nacional de mobilidade urbana passou a trazer as seguintes definições: a) transporte público individual: serviço remunerado de transporte de passageiros aberto ao público, por intermédio de veículos de aluguel, para a realização de viagens individualizadas (artigo 4º, inciso VIII); e b) transporte remunerado privado individual de passageiros: serviço remunerado de transporte de passageiros, não aberto ao público, para a realização de viagens individualizadas ou compartilhadas solicitadas exclusivamente por usuários previamente cadastrados em aplicativos ou outras plataformas de comunicação em rede (artigo 4º, inciso X).

Nota-se que o critério da abrangência é utilizado para diferenciar o transporte privado individual, prestado por motoristas particulares, do transporte público individual exercido privativamente pelos taxistas. A definição de que o transporte privado individual será necessariamente viabilizado por aplicativos ou outras plataformas de comunicação em rede aparece como um critério para identificar e segregar a atuação dos motoristas particulares em relação aos serviços realizados pelos taxistas. Os motoristas particulares poderão prestar serviços apenas aos usuários previamente cadastrados, enquanto que os taxistas poderão oferecer seus serviços a qualquer potencial passageiro.

Além de reconhecer a legitimidade do transporte privado individual, a Lei 13.640/2018 atribuiu competência para que os Municípios exerçam regulamentação e fiscalização visando a garantir a eficiência, a eficácia, a segurança e a efetividade na prestação do serviço.

A Lei 13.640/2018 ainda traz um rol de condições que deverão ser pelo interessado para que que seja autorizado o exercício da atividade pelo município: I – possuir Carteira Nacional de Habilitação na categoria B ou superior que contenha a informação de que exerce atividade remunerada; II – conduzir veículo que atenda aos requisitos de idade máxima e às características exigidas pela autoridade de trânsito e pelo poder público municipal e do Distrito Federal; III – emitir e manter o Certificado de Registro e Licenciamento de Veículo (CRLV); IV – apresentar certidão negativa de antecedentes criminais.

Após a expedição da Lei nº 13.640/2018, deixou de ser possível a proibição pura e simples do exercício do transporte privado individual. No entanto, isso não impediu que Municípios sensíveis à pressão de movimentos contrários ao transporte privado individual expedissem regulamentações com caráter proibitivo baseados em uma interpretação extensiva da competência atribuída pela Lei nº 13.640/2018.

A decisão do STF é importante justamente porque estabelecerá qual o limite de atuação dos municípios na regulamentação do transporte privado individual de passageiros.

Na sessão realizada no dia 06 de dezembro, após o Ministro Luiz Fux proferir voto pela procedência da ADPF reconhecendo a natureza essencialmente econômica e privada da atividade dos motoristas que oferecem o serviço de transporte individual de passageiros através das plataformas de agenciamento, o Ministro Luís Roberto Barroso (Relator do RE 105411) proferiu voto no sentido de que o rol previsto no artigo 11 da Lei nº 13.640/2018 é taxativo, ou seja, o Município não poderá estabelecer qualquer requisito de entrada ou permanência que não esteja previamente determinado pela lei federal. Esse voto é significativo porque promove mais segurança jurídica ao modelo de transportes baseados em aplicativos, possibilitando o desenvolvimento do setor e a melhoria da mobilidade urbana no país.

A posição que está sendo adotada pelo STF traz outros benefícios não ligados diretamente ao setor de mobilidade urbana. O STF irá prestigiar a segurança jurídica ao adotar uma postura que promova mais unidade e coerência em matéria de regulação econômica. É essencial que a regulamentação de atividades econômicas seja feita de forma uniforme em todo território nacional, evitando o surgimento de feudos normativos que disciplinam como bem entendam as atividades exercidas em seus territórios.

Dessa forma, caso o voto do Ministro Luís Roberto Barroso seja acompanhado pelos demais, o STF terá prestigiado, a um só tempo, o ambiente regulatório como um todo e o setor de mobilidade urbana, em particular.

JOTA
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(Notícia na Íntegra)