A 2ª Seção do Superior Tribunal de Justiça (STJ) reafirmou o entendimento de que compete à Justiça comum julgar as demandas relativas a plano de saúde de autogestão empresarial, exceto quando o benefício for instituído em contrato de trabalho, convenção ou acordo coletivo de trabalho. Nessa hipótese, a competência será da Justiça do Trabalho, ainda que figure como parte do trabalhador aposentado ou dependente do trabalhador.

A questão foi analisada no Incidente de Assunção de Competência (IAC) nº 5/STJ e, por se tratar de precedente qualificado, irá orientar as instâncias ordinárias.

No julgamento, ficou vencido o relator, ministro Paulo de Tarso Sanseverino, que havia proposto a retomada da jurisprudência que prevaleceu no STJ até 2018, reconhecendo a competência da Justiça do Trabalho nas demandas em que o plano é operado pela própria empresa que contratou o trabalhador (autogestão empresarial), em razão do entendimento firmado pelo Supremo Tribunal Federal (STF), no julgamento RE nº 586.453/SE sob o regime da repercussão geral, versando acerca da competência da Justiça do Trabalho para demandas relativas à previdência complementar.

De acordo com o ministro relator, diante da ausência de uma norma análoga ao art. 202, §2º, da Constituição Federal – (que prevê a autonomia da previdência complementar em relação ao contrato de trabalho) para tratar especificamente de saúde complementar, não seria possível excluir a relação direta verificada entre o contrato de trabalho e o contrato de plano de saúde, sob a ótica do trabalhador e de seus dependentes, em atenção ao artigo 114, I e IX, da Constituição.

No entanto, prevaleceu a posição capitaneada pela ministra Nancy Andrighi pela manutenção da atual jurisprudência do STJ no sentido de que:

  • a competência da Justiça do Trabalho restringe-se às hipóteses em que o plano de saúde é de autogestão empresarial e instituído por meio de contrato de trabalho, convenção coletiva ou acordo coletivo de trabalho. Isso porque tal circunstância vincula o benefício ao contrato de trabalho e atrai a incidência dos artigos 114 da CF e 1º da Lei nº 8.984/95;
  • nas demais hipóteses, a competência será da Justiça comum.

 
A ministra Nancy Andrighi destaca que, assim como entendeu o STF com relação à previdência complementar, o fundamento central do atual entendimento do STJ é a autonomia do contrato de plano de saúde em relação ao contrato de trabalho tendo em vista a alta regulação do setor de saúde suplementar, o que não se adequa ao ramo do direito do trabalho, tampouco pode ser inserido em “outras controvérsias decorrentes da relação de trabalho”, nos termos do artigo 114, IX, da CF.

Portanto, não existindo discussão sobre o contrato de trabalho ou direitos trabalhistas, tem-se questão de natureza eminentemente civil do pedido, o que atrai a competência da Justiça comum, mesmo na hipótese de autogestão empresarial, modalidade em que a operação do plano de saúde é realizada pelo departamento de Recursos Humanos da própria empresa que contratou o trabalhador, em atenção ao artigo 2º, I, da Resolução Normativa nº 137/06 da Agência Nacional de Saúde Complementar (ANS).

O atual entendimento do STJ (agora em precedente qualificado) afirmando a competência da Justiça do Trabalho apenas nos conflitos em que as regras de assistência à saúde envolvam planos de autogestão empresarial e estejam previstas em contrato de trabalho, acordo ou convenção coletiva de trabalho, nos parece o mais acertado, seja por observar as competências constitucionais, seja por respeitar a autonomia da legislação que regulamenta os contratos de plano de saúde, dirimindo de uma vez por todas dúvidas sobre o juízo competente e trazendo segurança jurídica às empresas.

Além de orientar os tribunais estaduais, o precedente é relevante porque tende a eliminar o grande desperdício de tempo, causado pela repetição de atos processuais quando há declinação de competência para a Justiça do Trabalho em ação sobre plano de saúde que seria da competência da Justiça comum, especialmente por se tratar de um direito inerente à própria dignidade da pessoa humana, como é o de assistência à saúde.

Decisões que não observem o entendimento do STJ poderão ser questionadas diretamente no tribunal pela via da reclamação (artigo 988, IV, do Código de Processo Civil). Não será preciso aguardar a eventual suscitação de conflito de competência ou a subida de um recurso especial em agravo de instrumento, como ocorreu com o caso analisado.


*João Reis é sócio e Murilo Caldeira Germiniani e Janaína Castro são Advogados do Machado meyer Advogados.

(Portal LexLatin - 13/08/2020)