Trabalhadores estão entrando com ações na Justiça para tentar a liberação de parte do saldo do Fundo de Garantia do Tempo de Serviço (FGTS) em meio à pandemia do novo coronavírus. Os pedidos se baseiam em um decreto de 2004 que prevê saques de até R$ 6.220 em situações de calamidade pública, provocadas por desastre natural. Com o país em calamidade pública reconhecida pelo Congresso, alguns juízes estão concedendo autorização imediata do saque, com a alegação de necessidade de uma "interpretação extensiva" do decreto "com base no princípio da razoabilidade".

- O decreto cita textualmente vendavais, tempestades, furacões, granizos, enchentes, alagamento, como desastres naturais, e não doenças. A regra foi criada para socorrer pessoas em situações como a do desastre de Brumadinho, que gerou um estado de calamidade e com isso o governo autoriza o saque do Fundo de Garantia. Mas alguns juizes estão concedendo pelo fato notório causado pela pandemia - explica Flavio Aldred Ramacciotti, especialista em direito do trabalho e sócio do Chediak Advogados.


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Muitos processos estão sendo direcionados à Justiça do Trabalho, embora grande parte dos juristas entenda que a questão deve ser analisada pela Justiça Federal já que trata-se de um pedido de liberação de recursos depositados em contas vinculadas de trabalhadores e administradas pela Caixa Econômica Federal. Nas ações em que o juiz reconhece o direito do trabalhador de sacar o dinheiro, a Caixa tem recorrido e tentado reformar a decisão.


Saque de R$ 1.045

Leonardo Carvalho, sócio das áreas trabalhista e previdenciária do BVA Advogados, lembra que o governo já autorizou saque de até R$ 1.045 através da Medida Provisória 946. A medida faz parte do pacote econômico emergencial por causa do avanço da pandemia. Serão aproximadamente R$ 34 bilhões. Carvalho afirma que, em algumas decisões, os juizes citam que o governo fez um estudo econômico e calculou o valor de saque que poderia ser liberado, sem comprometer a viabilidade do FGTS,
- Há processos em que o juiz de primeira instância concedeu o saque de R$ 6.220, mas no recurso da Caixa prevaleceu o entendimento de que o trabalhador deveria ter acesso ao valor correspondente a um salário mínimo, como já prevê a MP do governo - observa Leornado.

Para Maria Lúcia Benhame, sócia do escritório Benhame Sociedade de Advogados, juízes estão interpretando que a calamidade pública provocada pela pandemia do novo coronavírus pode ser semelhante à catástrofes naturais que estão descritas no decreto que autoriza a liberação do FGTS em casos excepcionais:
- A pandemia não é desastre natural, mas está havendo uma interpretação extensiva. Alguns juizes podem dar uma interpretação analógica extensiva sobre a questão da calamidade, considerando o avanço da doença. Mas esta interpretação pode gerar consequências coletivas que vão ser muito maiores se houver descapitalização do fundo - ressalta ela.

Nas contas do governo, se todos os trabalhadores pudessem sacar até esse limite, as retiradas do FGTS poderiam chegar a R$ 142,9 bilhões, o que supera a disponibilidade imediata de recursos do fundo (cerca de R$ 18 bilhões) e também a sua carteira de títulos públicos (cerca de R$ 80 bilhões) - que, neste caso, precisaria ser vendida. Os recursos do FGTS são usados para financiamento de habitação, infraestrutura e outros investimentos.

- As pessoas estão em situação de vulnerabilidade e pedem por assistência. Mas estamos em uma situação em que todos estão em situação de vulnerabilidade. O desastre natural não é situação de emergência coletiva nesse nível. Na aplicação de um sentido difuso, ou seja, estender o que a norma para alcançar a pandemia os juizes também estão olhando e pesando interesses públicos - explica Caroline Marchi, sócia da área trabalhista do Machado Meyer.


(Extra - 27.05.2020)