A Medida Provisória (MP) 936, que permite suspensão de contratos de trabalho e redução de salários e jornadas de trabalho por acordo individual durante a pandemia do novo coronavírus, tem gerado insegurança aos trabalhadores com carteira assinada. Eles temem ficar sem rendimentos por quase um mês. Na prática, os empregadores terão dez dias para comunicar ao Ministério da Economia sobre as assinaturas dos acordos. O governo, por sua vez, terá 30 dias para pagar o auxílio emergencial.

O governo já recebeu cerca de três milhões de acordos firmados entre patrões e empregados, segundo a Secretaria Especial de Previdência e Trabalho. Com o objetivo de evitar demissões durante a crise, a MP cria o Benefício Emergencial de Preservação do Emprego e da Renda para os trabalhadores que tiverem jornadas e salários reduzidos ou contratos suspensos.

Mãe de dois filhos e grávida de quatro meses, a manicure Betânia do Nascimento Coelho, de 35 anos, teve o contrato de trabalho suspenso no salão onde trabalhava. Ela, agora, está preocupada com o prazo para receber o auxílio.

- Não tive alternativa. O salão está fechado. Eu mandei os documentos para contadora, e eles vão entrar em contato para saber como vou fazer. Estou esperando este auxílio para ter um suporte - conta Betânia.

A redução de salário poderá valer por três meses e a suspensão do contrato, por até dois meses. O valor do benefício terá como base de cálculo a parcela mensal do seguro-desemprego a que o empregado teria direito. O governo vai pagar para o trabalhador um percentual do seguro-desemprego em proporção igual ao corte salarial. Já no caso da suspensão, as parcelas vão variar entre R$ 1.045 e R$ 1.813.

- Entendo que governo tem o prazo de 30 dias contado a partir da assinatura do acordo, mesmo que a comunicação seja feita depois - diz Flavio Aldred, sócio do escritório Chediak Advogados.

Outra manicure, que preferiu não se identificar, conta já estar sem ganhos há duas quinzenas, periodicidade com a qual costumava ser paga:

- O salão em que eu trabalhava fechou por conta desse vírus, e eu, que recebia quinzenalmente, já estou há duas quinzenas sem receber. A contadora está formalizando o processo de suspensão do contrato das manicures e outros profissionais, que têm carteira assinada, para termos o pagamento do governo. Pois eles não têm dinheiro. Mas, neste mês em que fiquei parada, de quarentena, já criei dívida. Minha conta do cartão chegou, e não consegui pagar. A sorte é que ainda moro com meus pais e, mesmo com meu pai desempregado há cinco anos, ainda tenho a minha mãe aposentada como empregada doméstica para me ajudar. Se não fosse ela, eu estaria ferrada. A ajuda que eu dava em casa agora não tem mais e, se esse dinheiro não vier logo, as faturas de casa também vão ficar pendentes.


Categorias se mobilizam

Diversas categorias, entre elas as de trabalhadores de restaurantes, do turismo e da construção civil, têm celebrado acordos coletivos para a suspensão de contratos ou a redução de jornadas e salários. Segundo o presidente da Associação Brasileira de Bares e Restaurantes (Abrasel-RJ), Pedro Hermeto, a estimativa é que 70% dos contratos sejam suspensos ou reduzidos no setor, que emprega cerca de 160 mil trabalhadores diretos no estado.

O SindHotéis-RJ informou que as empresas optaram prioritariamente por adotar o banco de horas e dar adiantamento de férias individuais e coletivas, mas a maioria faz ou fará uso da MP e da convenção coletiva para manter empregos.

As negociações individuais valem, segundo a MP, para os empregados que ganham até três salários mínimos (R$ 3.135) ou para o trabalhador de nível superior que receba mais de R$ 12.202,12, o dobro do teto da Previdência Social, nos percentuais estabelecidos de redução de jornada e de salário de 25%, 50% e 70%. Se o salário do funcionário estiver neste intervalo, o pacto individual vale no percentual de 25%. Para outros casos, a negociação terá que ser estabelecida por meio de convenção ou acordo coletivo.


Desacordo pode ir à Justiça

Uma professora de Inglês, que preferiu não ter o nome divulgado, contou que teve sua jornada e salário reduzidos pelo curso no qual trabalha com carteira assinada. Em uma mensagem encaminhada ao corpo docente, a direção informou que os profissionais que trabalhavam 19h24, presencialmente, passariam a cumprir jornada de 15 horas em aulas online. E aqueles que trabalhavam 21h34 passariam a cumprir 17 horas.

- Não foi uma decisão dos professores. Fomos apenas avisados - afirma ela.

Segundo o Advogado André Pessoa, sócio do escritório Pessoa & Pessoa Advogados e professor de Direito do Trabalho, no entanto, a redução de jornada com a correspondente redução salarial, deve ser resultado de um acordo bilateral, com a expressa concordância das partes:

- As quais, juntas, entendem que, nesse momento, a medida é necessária para que a empresa mantenha sua capacidade de funcionar e, consequentemente, possa manter os empregos dos seus trabalhadores. Em não havendo a concordância dos trabalhadores, mesmo via acordo individual, este não pode ser celebrado - diz.

Trabalhadores que não concordarem com a medida podem, portanto, fazer uma reclamação trabalhista, ainda empregada ou depois.

- Para fins de demonstrar a ilicitude dessa redução, recomendamos que ela deva manifestar, expressamente, a sua discordância, de preferência por escrito, para que eventual acordo assinado por ela não seja entendido como a expressão da sua real manifestação de vontade.


Supremo reconhece validade da MP

O plenário do Supremo Tribunal Federal (STF) manteve a validade da medida provisória 936 que flexibiliza normas trabalhistas durante a pandemia do coronavírus. A decisão reconhece a legitimidade dos acordos individuais entre funcionários e os patrões para reduzir salários e jornadas, ou para suspender temporariamente contratos de trabalho, sem a participação de sindicatos.

Na semana passada, o ministro Ricardo Lewandowski, relator, deu liminar determinando que, se o sindicato promovesse uma negociação coletiva mais vantajosa para o trabalhador em dez dias, o acordo individual perderia a validade. A maioria dos ministros, no entanto, derrubou o entendimento.


Conheça seus direitos

FGTS - Em caso de suspensão de contratos, não há recolhimento de FGTS enquanto a medida durar. Já no caso de redução de jornadas e de salário, o FGTS deve ser recolhido, mas calculado sobre o valor do salário que for pago pelo empregador (por exemplo, se a redução é de 25%, a empresa paga 75% do salário; e o FGTS a ser recolhido será calculado em 75%).

Benefícios mantidos - Plano de saúde e odontológico são benefícios do trabalhador que devem ser mantidos nos casos de redução de jornadas e de salários ou de suspensão de contratos. O mesmo vale para auxílio creche, previdência privada e auxílio funeral.

Benefícios em cheque - Em relação ao vale refeição, no entanto, não há consenso entre advogados, porque alguns consideram o benefício como verba paga a quem está trabalhando. E se não houver deslocamento do empregado para trabalhar, não é devido o vale transporte.

Férias - O empregador pode suspender as férias marcadas de um funcionário ou, por outro lado, antecipá-las por conta da pandemia (como permitiu a MP 927, mantendo neste caso o pagamento do adicional de 1/3). Já se optar agora pela suspensão do contrato de um funcionário, o tempo de contagem para as férias para. E se optar pela redução de jornadas e salários prevista na MP 936, o direito às férias do empregado não será afetado. Neste caso, o adicional de 1/3 deverá ser pago normalmente.

13º salário - Durante o período de suspensão do contrato de trabalho, a contagem da proporcionalidade do 13º salário fica interrompida, logo, o 13º salário não deverá considerar os meses de suspensão. Mas o fato de o empregado ter tido o seu salário reduzido durante um período do ano, a rigor, não irá interferir no valor a ser recebido a título de 13º salário, já que o cálculo do 13º salário continuará sendo pago com base no último salário recebido pelo empregado quando do recebimento do valor.

Antecipação do 13º - Não há consenso sobre a permanência do direito de antecipação do 13º salário para quem tira férias. Alguns advogados acreditam que as empresas poderão postergar esse pagamento.

Licença - Os empregados em licença médica e aqueles afastados pelo INSS em virtude de auxílio-doença ou aposentadoria por invalidez não poderão ter seus contratos de trabalho suspensos durante este período. Apenas quando voltarem com a alta médica poderão ter o contrato reduzido ou suspenso. A mesma lógica vale para mulheres em licença-maternidade.

Gestantes - Gestantes podem ter o contrato suspenso ou reduzido, como qualquer outro empregado. Mas vale lembrar que não podem ser demitidas sem justa causa, pois têm estabilidade.

Fontes: Colaboraram para o tira-dúvidas: André Pessoa, sócio do escritório Pessoa & Pessoa Advogados e professor de Direito do Trabalho; Time Trabalhista do Tauil & Chequer Advogados; Caroline Marchi, sócia trabalhista do Machado Meyer Flavio Aldred Ramacciotti e especialista em direito do trabalho do Chediak Advogados; e Luiz Calixto, sócio Kincaid Mendes Vianna.


Jornalista: VELOSO, Ana Clara; BRÊTAS, Pollyanna


(Extra - 20.04.2020)