O Conselho Administrativo de Defesa Econômica (Cade) tem analisado a linha tênue entre práticas legítimas e anticompetitivas de inteligência de mercado e aprofundou a discussão sobre o assunto em uma investigação instaurada no dia 17 de março para apurar a troca de informações sensíveis na área de Recursos Humanos entre empresas que atuam na indústria de cuidados com a saúde (healthcare).

Essa é a primeira vez que o Cade examina o tema, que tem ganhado destaque no cenário internacional. Em 2016, órgãos de defesa da concorrência dos EUA publicaram um guia antitruste para profissionais de Recursos Humanos (Antitrust Guidance for HR Professionals); em 2018, as autoridades de defesa da concorrência do Japão e de Hong Kong divulgaram estudos que também buscavam oferecer parâmetros para a atuação de profissionais de Recursos Humanos (Report of the Study Group on Human Resource and Competition Policy e Competition Concerns Regarding Certain Practices in the Employment Marketplace in Relation to Hiring and Terms and Conditions of Employment); e, em 2019, a Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE) publicou uma nota sobre preocupações concorrenciais em mercados de trabalho (Competition Concerns in Labour Markets).

Segundo a Superintendência-Geral do Cade, haveria indícios de que empresas teriam trocado informações concorrencialmente sensíveis de modo sistemático sobre remunerações, reajustes salariais e benefícios oferecidos aos seus funcionários atuais e futuros. Além disso, teriam ocasionalmente fixado preços e condições comerciais com relação a condições de contratação de mão de obra e gestão de pessoas, salários e benefícios e reajustes salariais.

O órgão considerou que as empresas competem entre si pela contratação de funcionários e, assim, podem ser consideradas concorrentes em um mercado de contratação de mão de obra, ainda que não concorram quanto à fabricação de produtos ou à prestação de serviços.

Partindo dessa premissa, a troca de informações individualizadas (desagregadas) e relacionadas a intenções atuais e futuras que permitiria eliminar incertezas quanto ao comportamento estratégico dos concorrentes seria uma infração tão grave que deveria ter o mesmo tratamento dado ao cartel. Isso significa que estabelecer a responsabilização antitruste (e a consequente imposição de multa aos envolvidos) não dependeria de verificar o poder de mercado das empresas envolvidas ou os efeitos anticompetitivos da troca de informações concorrencialmente sensíveis. Bastaria provar que a prática efetivamente ocorreu.

A Superintendência-Geral do Cade foi clara ao apontar que a isenção antitruste conferida às negociações coletivas trabalhistas realizadas por meio de sindicatos em razão do seu objetivo social (melhorar as condições de trabalho) não confere salvo-conduto a práticas relacionadas às condições de contratação de mão de obra e gestão de pessoas, salários e benefícios e reajustes salariais.

Nesse sentido, as seguintes condutas envolvendo temas trabalhistas, quando praticadas por empresas concorrentes, podem ser consideradas ilícitas sob a ótica antitruste:

  • acordos de fixação de remuneração (wage fixing agreements);
  • acordos de não contratação de trabalhadores (no-poach agreements); e
  • trocas de informações trabalhistas concorrencialmente sensíveis.;

Se não há dúvida de que o mercado de trabalho está sujeito ao crivo antitruste, o debate sobre as repercussões concorrenciais de temas trabalhistas ainda está no começo. Como calcular a participação das empresas no mercado de contratação de mão de obra? Que tipos de trabalho e funções podem ser considerados substituíveis? A troca de informações sobre salários e benefícios em mercados nos quais qualificação profissional e investimentos na capacidade intelectual não são fatores relevantes confere algum tipo de vantagem competitiva? É possível falar em “precificação” do trabalho por parte das empresas diante dos efeitos concretos das negociações coletivas trabalhistas? Esses são exemplos de perguntas que precisam ser respondidas a partir de uma análise interdisciplinar que traga o direito trabalhista para o debate antitruste.