A Lei da Arbitragem (LArb), em seu artigo 33, parágrafo 1º, estipula que a parte interessada pode pleitear ação anulatória de sentença arbitral, parcial ou final no prazo decadencial de 90 dias.
Apesar de essa disposição ser objetiva, seus desdobramentos têm sido debatidos há algum tempo no Poder Judiciário. Recentemente, o STJ proferiu uma importante decisão sobre o tema no Recurso Especial 2.179.459/GO.[1]
No caso em questão, discutia-se o termo inicial para a contagem do prazo decadencial de 90 dias quando uma das partes apresenta pedido de esclarecimentos à sentença arbitral.
O recorrente defendia que a data inicial deveria ser a da decisão sobre o pedido de esclarecimentos que alterasse o laudo arbitral de forma substancial. Já o recorrido sustentava que não seria necessário haver alteração substancial. O prazo se iniciaria da decisão sobre o pedido de esclarecimentos, mesmo que esse pedido fosse integralmente rejeitado.
A tese do recorrente levaria à perda do direito por decurso de tempo para propositura da ação, enquanto a posição da recorrida afastaria a decadência. O STJ acabou adotando esse último entendimento, isto é, de que “o prazo decadencial de 90 dias para eventual anulação da sentença arbitral é interrompido e reinicia-se a partir da notificação da decisão do árbitro sobre tal pedido de esclarecimentos”.
A Corte Superior reforçou que, se tratando de complemento à sentença arbitral, não há necessidade de modificação do teor da sentença complementada para constituir o início do prazo.
Essa decisão se soma a outras do STJ sobre o prazo para impugnação da sentença arbitral.
No Recurso Especial 1.900.136/SP,[2] o STJ discutiu a aplicação desse prazo decadencial de 90 dias para impugnar o cumprimento de sentença arbitral. Isso porque, o parágrafo 3º do artigo 33 da LArb estipula que a nulidade da sentença também pode ser suscitada por meio de impugnação ao cumprimento de sentença arbitral, sem esclarecer o prazo para exercício desse direito.
Para esse caso específico, a Terceira Turma decidiu que, além dos 15 dias designados pelo Código de Processo Civil (CPC) para impugnação ao cumprimento de sentença – contados da intimação sobre o cumprimento –, também seria preciso respeitar o prazo decadencial de 90 dias – contado da intimação da sentença arbitral.
Ou seja, o primeiro prazo, preclusivo, se refere ao exercício do direito processual de impugnação ao cumprimento de sentença – que pode ter diversos objetos, como o excesso de execução. Já o prazo decadencial de 90 dias tem a função de limitar a invocação de nulidade como defesa, com base nas matérias definidas no artigo 32 da LArb.
O efeito prático é que, se a impugnação ao cumprimento de sentença for apresentada depois do prazo decadencial, apenas restarão as matérias delimitadas pelo artigo 525, parágrafo 1º, do CPC para fundamentar a impugnação.
Já no Recurso Especial 1.519.041/RJ,[3] o STJ analisou se o prazo para impugnação da sentença arbitral se aplicava da mesma maneira às sentenças parciais. A Corte Superior entendeu que os termos “parcial” e “definitivo” são definições que surgem como decorrência do julgamento fatiado da causa.
Ou seja, a sentença arbitral parcial nada mais faz do que resolver uma parte dos pedidos submetidos à jurisdição arbitral, inclusive de mérito. Diante disso, concluiu-se que o prazo decadencial de 90 dias se inicia da ciência da sentença arbitral parcial. É inadmissível, portanto, que a anulação da sentença arbitral parcial seja pleiteada somente quando ocorrer a sentença arbitral final.
Consequentemente, com base nas decisões do STJ, é possível traçar o seguinte panorama sobre o prazo decadencial de 90 dias para postular a nulidade da sentença arbitral:
- Se aplica também às sentenças arbitrais parciais. O prazo para essas sentenças será contado individualmente a partir da intimação sobre elas;
- Se houver pedido de esclarecimentos da sentença, parcial ou final, o prazo começa a correr a partir da intimação da decisão sobre o último pedido de esclarecimentos, independentemente de modificação do teor da sentença arbitral; e
- O direito de alegar a nulidade da sentença arbitral (parcial ou final) em impugnação de sentença também decai no mesmo prazo de 90 dias contados da ciência da sentença arbitral, ainda que o cumprimento de sentença se inicie depois desse prazo.
Depreende-se, portanto, que a parte interessada em postular a nulidade da sentença arbitral não pode se manter inerte pelo fato de a sentença ser parcial, ou, ainda, da contraparte não ter iniciado o cumprimento de sentença. É preciso alegar a nulidade da sentença arbitral em 90 dias da decisão sobre o último pedido de esclarecimentos, independentemente de:
- haver outras matérias ainda a serem decididas na arbitragem; ou
- ser ajuizado cumprimento da sentença arbitral.
Uma discussão interessante poderá surgir nos casos em que os pedidos de esclarecimentos forem considerados intempestivos. Se o Poder Judiciário fizer interpretação similar aos embargos de declaração intempestivos no processo civil – que não interrompem o prazo recursal – então, da mesma forma, não haverá interrupção do prazo decadencial para postular a nulidade da sentença arbitral. Ocorre que o próprio STJ reconhece, de forma reiterada, que as regras do CPC não se aplicam à arbitragem, sendo preciso enfrentar a matéria à luz da LArb e dos princípios processuais aplicáveis à arbitragem.
Outro tema interessante sobre o qual o STJ ainda não se debruçou refere-se à obtenção de informações que possam fundamentar a nulidade da sentença arbitral após o prazo decadencial de 90 dias.
O TJSP,[4] por exemplo, rechaçou a utilização de fundamentos obtidos após esse prazo, reconhecendo a decadência do pedido de nulidade da sentença arbitral. Entretanto, no caso em que essa decisão foi proferida, a ação anulatória já havia sido ajuizada anteriormente e se considerou que os fatos em questão eram de fácil constatação. Isso leva a concluir que ainda não foram testadas todas as variáveis que podem influir na conclusão sobre esse tema.
O STJ tem dado relevantes passos para consolidar a interpretação sobre o termo inicial e a incidência do prazo decadencial de 90 dias para pleitear a nulidade da sentença arbitral. Construiu-se um arcabouço robusto que confere segurança jurídica às partes em diversos cenários. Porém, há ainda hipóteses que precisam ser enfrentadas e consolidadas.
[1] STJ, Recurso 2.179.459/GO, Terceira Turma, ministra Nancy Andrighi, julgado em 22/04/2025.
[2] STJ, Recurso 1.900.136/SP, Terceira Turma, ministra Nancy Andrighi, julgado em 06/04/2021.
[3] STJ, Recurso 1.519.041/RJ, Terceira Turma, ministro Marco Aurélio Bellizze, julgado em 01/09/2015.
[4] TJSP, Apelação Cível 1097621-39.2021.8.26.0100, 2ª Câmara Reservada de Direito Empresarial, desembargador Jorge Tosta, julgado em 22/11/2022.