O Brasil caiu 15 posições no ranking Doing Business em 2020, passando a ocupar o 124º lugar de uma lista de 190 países.[1] No levantamento feito anualmente, o Banco Mundial analisa e classifica diversos aspectos relacionados à regulação da atividade empresarial e ao ambiente de negócios dessas nações. A queda do Brasil foi motivo de preocupação e ensejou a edição da Medida Provisória n° 1.040/21, de 29 de março. Conhecido como MP do Ambiente de Negócios, o texto tem como objetivo principal melhorar a posição do país, elevando sua pontuação em determinados indicadores, como abertura de empresas, obtenção de eletricidade, proteção a minoritários, pagamento de impostos e comércio internacional.

Dentre as medidas de proteção aos acionistas minoritários, destacam-se as seguintes alterações na Lei nº 6.404/76:

  • necessidade de deliberação em assembleia geral sobre alienação ou contribuição para outra empresa de ativos, caso o valor da operação corresponda a mais de 50% do valor dos ativos totais da companhia constantes do último balanço aprovado, e a celebração de transações com partes relacionadas que atendam aos critérios de relevância a serem definidos pela CVM;
  • alteração do prazo mínimo para convocação de assembleias gerais em companhias abertas, que passa a ser de 30 dias;
  • proibição de acumulação de cargos de presidente do conselho de administração e diretor presidente ou principal executivo da companhia; e
  • participação de conselheiros independentes na composição dos conselhos de administração das companhias abertas.

Foram apresentadas centenas de emendas à MP, entre as quais se destaca a de n° 17, que prevê a inclusão de dispositivos na Lei nº 6.404/76 a fim de permitir o voto plural, matéria que não estava prevista na redação original da MP. O voto plural consiste na atribuição de mais de um voto por ação de determinada classe do capital social de uma sociedade anônima. Atualmente, ele é expressamente vedado na legislação brasileira, que prevê a regra de “uma ação, um voto”, conforme disposto no art. 110 da Lei nº  6.404/76, assegurando certa proporcionalidade entre a participação no capital social e os direitos políticos atrelados a ela.

De modo geral, o voto plural é um tema bastante discutido e controverso no direito societário. Por meio dele, assegura-se ao seu titular uma influência nas decisões da companhia maior do que a sua efetiva contribuição ao capital. É preciso reconhecer, porém, que esse instrumento pode ser importante para conciliar o exercício do controle da companhia com a captação de recursos para o desenvolvimento das atividades, especialmente em companhias mais novatas, em que a figura do acionista fundador e controlador está intimamente ligada ao seu valor de mercado. Além disso, a vedação ao voto plural no Brasil é considerada uma das razões pelas quais algumas empresas acabam por abrir capital em outros mercados que permitem esse instrumento. Portanto, sua adoção poderia acarretar retenção de investimentos no país e maior competitividade de nossa bolsa de valores. 

Em relação à emenda n° 17, ressaltamos as seguintes disposições acerca do voto plural:

  • Características gerais: passa a ser permitida a criação de uma ou mais classes de ações ordinárias com voto plural, observada a limitação de dez votos por ação, tanto na companhia fechada quanto em companhias abertas, desde que a criação da classe seja implementada antes da negociação de ações e valores mobiliários em mercado organizado. Ou seja, o voto plural não será permitido a empresas que já tenham registro como companhias abertas na CVM.
  • Quórum para criação das ações com voto plural e direito de recesso: a criação das ações com voto plural dependeria do voto favorável de acionistas representando, no mínimo, metade dos votos conferidos (a) pelas ações com direito a voto e (b) pelas ações preferenciais sem direito a voto ou com voto restrito, em assembleia especial, sendo assegurado aos acionistas dissidentes o direito de retirada mediante reembolso de suas ações.
  • Prazo (sunset clause): o voto plural teria o limite máximo de sete anos, prorrogável uma única vez por período igual ou inferior, mediante aprovação dos acionistas. O quórum da prorrogação seria o mesmo da criação das ações com voto plural, sendo excluídos das votações os titulares das ações cujo voto plural se pretende prorrogar.
  • Conversão das ações com voto plural em ações ordinárias sem voto plural: hipótese aplicável em caso de transferência a terceiros, exceto nos casos em que (a) haja celebração com terceiros de acordo sobre exercício conjunto de direito de voto, (b) o alienante permaneça como titular indireto das ações e no controle dos direitos políticos, (c) o terceiro seja titular da mesma classe de ações com voto plural ou (d) a transferência ocorra no regime de titularidade fiduciária.
  • Operações vedadas: (a) incorporação, incorporação de ações e fusão de companhia aberta que não adote voto plural em companhia que adote o voto plural e (b) cisão de companhia aberta sem voto plural para constituição de companhia com voto plural ou incorporação da parcela cindida para companhia com voto plural.
  • Deliberações em que não será adotado o voto plural: remuneração dos administradores e celebração de transações com partes relacionadas, conforme critérios estabelecidos pela CVM.

Os pareceres entregues pelo deputado federal Marco Bertaiolli acolheram sugestões das emendas para assegurar maior transparência aos minoritários, incluindo:

  • Permissão para substituição dos livros em companhias fechadas por sistemas mecanizados ou eletrônicos (emenda n° 5);
  • Redução do prazo de convocação de assembleia geral de 30 para 21 dias, em primeira convocação (emenda n° 163); e
  • Inclusão da CVM como legitimado para a propositura de ações civis públicas por danos a investidores (emenda n° 211).

Além disso, a redação incorporou o voto plural, substancialmente nos termos da emenda n° 17, incluindo as limitações de dez votos por ação e a regra que permite às companhias abertas criar ações com voto plural somente antes da abertura do capital. De acordo com o parecer, o voto plural teria prazo inicial de sete anos, podendo ser prorrogado por qualquer prazo, desde que observada a aprovação pelo mesmo quórum de criação das ações com voto plural, excluídos os titulares das ações cujo voto plural se pretende prorrogar. Seria ainda assegurado o direito de retirada aos acionistas que divergirem da deliberação de prorrogação de prazo.

As disposições sobre voto plural não seriam aplicáveis às empresas públicas, sociedades de economia mista, suas subsidiárias e controladas, direta ou indiretamente, pelo poder público.

O parecer foi aprovado pela Câmara dos Deputados na noite de 23/06/2021 e segue para apreciação do Senado.

Sem a pretensão de detalhar as discussões sobre as vantagens e desvantagens da adoção do voto plural no direito brasileiro e as demais mudanças propostas na redação da MP 1.040, é preciso refletir se:

  • a lei societária deveria ser alterada exclusivamente para melhorar a classificação do país no ranking Doing Business;
  • tais mudanças, em especial aquelas de natureza estrutural, deveriam ser implementadas via medida provisória, sem um amplo debate com os agentes de mercado e ainda, no caso do voto plural; e
  • caberia à lei regular temas, como o número de votos permitido por ação, o prazo de duração e a sua intransferibilidade.

 


[1] As questões analisadas pelo relatório incluem dados sobre o grau de dificuldade para (i) abertura das empresas, incluindo a contratação de empregados; (ii) instalação da empresa em um determinado local (além do acesso às licenças aplicáveis, ao registro de propriedade e à obtenção de energia elétrica); (iii) acesso a recursos financeiros, incluindo obtenção de crédito e proteção aos acionistas minoritários; (iv) operação do dia a dia, como o pagamento de impostos, comércio internacional e contratação com governo; e (v) operação dos negócios, incluindo o enforcement de contratos e o tratamento de situações de insolvência.