Diante das severas e persistentes dificuldades financeiras enfrentadas pela economia fluminense em 2017, o estado do Rio de Janeiro firmou o Regime de Recuperação Fiscal (RRF) com o governo federal. Aprovado pela Lei Complementar nº 159/17, o RRF foi instituído para dar aos estados em grave desequilíbrio financeiro instrumentos para ajustar suas contas. Dessa forma, o estado do Rio de Janeiro pôde ter acesso a instrumentos como:

  • Redução integral das prestações relativas aos contratos de dívidas administrados pelo Tesouro Nacional por até 36 meses;
  • Suspensão temporária dos requisitos legais para a contratação de operações de crédito, assim como das vedações e determinações aplicadas quando do descumprimento dos limites estabelecidos para despesas de pessoal e para a dívida consolidada. Em relação às despesas de pessoal, o prazo para que o estado volte a cumprir os limites legais passa a ser o do RRF;
  • Suspensão da necessidade de comprovação, para as transferências voluntárias, que o estado está em dia com o pagamento de tributos, empréstimos e financiamentos devidos à União, com a prestação de contas de recursos recebidos e da observância dos limites das dívidas consolidada e mobiliária, de operações de crédito, inclusive por antecipação de receita, de inscrição em Restos a Pagar e de despesa total com pessoal; e
  • Possibilidade de contratação de operações de crédito com garantia da União voltadas para o financiamento de programa de desligamento voluntário de pessoal.

Para ter seus planos de recuperação fiscal aprovados, os estados precisam assumir o compromisso de restringir o aumento de despesas e cumprir suas obrigações de acordo com as condicionantes estabelecidas na Lei Complementar nº 159/17, entre as quais se destacam a impossibilidade de:

a) concessão de reajustes a servidores e empregados públicos e militares além da revisão anual assegurada pela Constituição Federal;

b) criação de cargo, emprego ou função que implique aumento de despesa;

c) alteração de estrutura de carreira que implique aumento de despesa;

d) admissão ou a contratação de pessoal, ressalvadas as reposições de cargos de chefia e de direção que não acarretem aumento de despesa e as decorrentes de vacância de cargo efetivo ou vitalício;

e) realização de concurso público, ressalvadas as hipóteses de reposição de vacância;

f) criação ou a majoração de auxílios, vantagens, bônus, abonos, verbas de representação ou benefícios de qualquer natureza a servidores e empregados públicos e de militares;

g) criação de despesa obrigatória de caráter continuado;

h) reajuste de despesa obrigatória acima do IPCA ou da variação anual da receita corrente líquida;

i) concessão ou ampliação de incentivo ou benefício de natureza tributária da qual decorra renúncia de receita, ressalvados os concedidos nos termos do art. 155, §2º, inciso XII, alínea g, da Constituição Federal.

O estado postulante tem que apresentar seu Plano de Recuperação Fiscal, que, uma vez aprovado, formaliza a adesão ao regime. O propósito da apresentação do documento é buscar o reequilíbrio das contas públicas para atender às diretrizes da Lei de Responsabilidade Fiscal.

No caso específico do Plano de Recuperação Fiscal firmado pelo estado do Rio de Janeiro, a requisição foi feita em 2017 por três anos, prorrogáveis pelo mesmo período. Para aumentar receitas e reduzir despesas, o estado se obrigou a autorizar a privatização de empresas dos setores financeiros, de energia e de saneamento; instituir regime de previdência complementar; realizar reforma das pensões; rever os benefícios fiscais; e limitar o crescimento das despesas, entre outras medidas.

Antes mesmo da edição da Lei Complementar nº 159/17, que instituiu o RRF, os estados já haviam firmado, no âmbito do Confaz, o Convênio ICMS nº 42/16, que autoriza tanto os estados como o Distrito Federal a criar condições para aproveitar incentivos e benefícios relacionados ao ICMS ou reduzir seu montante.

Amparado nesse convênio, o estado do Rio de Janeiro editou a Lei nº 7.659/17 para impor aos contribuintes fluminenses que usufruíssem de benefício fiscal um depósito equivalente a 10% do benefício para o Fundo Estadual de Equilíbrio Fiscal (FEEF).

Expirado o prazo (31/12/2020) previsto para destinar 10% dos benefícios fiscais ao FEEF e diante do intenso contencioso tributário instaurado contra essa exigência, o estado do Rio de Janeiro, com base na Lei Complementar nº 159/17, editou a Lei nº 8.645/19 e criou o Fundo Orçamentário Temporário (FOT) que, na realidade, é basicamente o FEEF com algumas mudanças.

De acordo com o artigo 10 da Lei nº 8.645/19, a necessidade de contribuir para o FOT persistirá enquanto vigorar o Regime de Recuperação Fiscal do Estado do Rio de Janeiro:

“Art. 10 Esta lei entra em vigor:

I – a partir de 01 de janeiro de 2020 e produzirá efeitos enquanto estiver vigente o Regime de Recuperação Fiscal – RRF”

No entanto, sem prejuízo de sua adesão ao RRF e diante da sistemática dificuldade em cumprir as contrapartidas assumidas em seu plano, o estado do Rio de Janeiro requereu ao Supremo Tribunal Federal (STF), em meados de dezembro de 2020, a suspensão do seu RRF, o que veio a ser deferido pelo então ministro presidente do STF, Luiz Fux.

Devido a dificuldade generalizada de os estados que tiveram seus planos de recuperação fiscal aceitos pelo governo federal cumprirem as severas condicionantes, o Congresso Nacional editou a Lei Complementar nº 178/21, que implementou ajustes na regulamentação do RRF.

Em abril de 2021, o estado do Rio de Janeiro requereu ao STF que seu Regime de Recuperação Fiscal permanecesse suspenso até que houvesse a efetiva regulamentação do novo RRF em elaboração no governo federal, conforme estabelecido pela Lei Complementar nº 178/21.

O relator designado foi o ministro Dias Toffoli, que, baseado no federalismo cooperativo, autorizou o estado a suspender o pagamento da dívida com o governo federal até que o novo RRF seja efetivamente regulamentado:

"Tenho que o atual cenário da economia nacional necessita de um esforço ainda maior entre os entes da federação. Nunca esteve tão em voga o chamado 'federalismo cooperativo', e, sendo a União a competente para regulamentar os dispositivos trazidos pela Lei Complementar nº 178/21, não deve se esquivar de cumprir seu papel no intuito de que os planos e programas de recuperação oferecidos aos entes estatais sejam efetivos e possíveis, evitando assim, o colapso dos estados da federação." (Ação Cível Originária nº 3.457).

Em junho de 2021, o estado do Rio de Janeiro anunciou que aderiu ao novo RRF e, com isso, passou a ter até seis meses para apresentar um novo Plano de Recuperação Fiscal, que terá duração de dez anos. Com a adesão, o estado deixará de pagar as dívidas com a União e garantidas pelo governo federal nos primeiros 12 meses. Nos nove anos seguintes, as parcelas serão retomadas gradativamente até o retorno do valor integral no fim do plano.

Ou seja, desde dezembro de 2020, o estado do Rio de Janeiro está com seu RRF suspenso. Apesar disso, a contribuição para o FOT segue sendo exigida mensalmente, o que entendemos não ser condizente com os princípios da finalidade, da moralidade e da transparência, já que os depósitos para o FOT são destinados ao equilíbrio fiscal e só devem ser exigidos enquanto o RRF estiver em pleno vigor.

Como bem destaca Fernando Facury Scaff, os tributos que tenham arrecadação vinculada, a exemplo do depósito para o FOT, cuja arrecadação está relacionada ao equilíbrio fiscal, devem observar a vinculação entre suas receitas e correspondentes despesas: “Vincular decorre da existência de um liame jurídico entre receita e despesa, de forma que haja uma específica relação entre o que se arrecada e aquilo em que se gasta o montante arrecadado.”

Não se está aqui a sustentar a ilegitimidade da cobrança do depósito ao FOT em função da desvinculação do produto de sua arrecadação. Sabemos da decisão do STF no Tema 846 pela constitucionalidade da manutenção de contribuição social quando persista o objeto para a qual foi instituída.

A questão é que, sendo o depósito para o FOT um tributo de arrecadação vinculada à recuperação fiscal do estado, enquanto o motivo determinante de sua instituição – a existência do RRF em curso – estiver suspenso, seja por força de ordem judicial emitida pelo STF ou pela carência prevista pelo novo RRF, não há base legal nem motivo que justifique a cobrança do depósito. A imposição do FOT, portanto, deve ser igualmente suspensa, pois somente assim serão observados os princípios da finalidade, vinculação, moralidade, transparência e boa-fé com os contribuintes fluminenses.