A Segunda Turma do Superior Tribunal de Justiça (STJ), por unanimidade, em 13 de maio, alterou o seu entendimento sobre o limite temporal para compensar créditos tributários reconhecidos judicialmente. A mudança ocorreu após o órgão colegiado dar provimento parcial ao Recurso Especial 2.178.201/RJ, interposto pela Fazenda Nacional, e causa surpresa e insegurança aos contribuintes.
Em sua decisão, a Segunda Turma reconheceu a prescrição de créditos indicados em declarações de compensação transmitidas após cinco anos do trânsito em julgado de decisão judicial que reconheceu o direito creditório de um contribuinte.
Trata-se de uma decisão importante, já que altera o posicionamento adotado há anos pela Segunda Turma do STJ.
Para a Receita Federal do Brasil (RFB), o contribuinte somente pode utilizar o crédito reconhecido em decisão judicial no prazo de até cinco anos, contado da data do trânsito em julgado. Esse entendimento foi formalizado no Parecer Normativo Cosit 11, de 19 de dezembro de 2014,[1] na Solução de Consulta Cosit 382, de 26 de dezembro de 2014,[2] e na Solução de Consulta Cosit 239, de 19 de agosto de 2019,[3] além de constar das próprias instruções normativas que regulamentam o procedimento de compensação – atualmente o artigo 106 da IN 2055/21.[4]
O entendimento até então consolidado pela Segunda Turma – e seguido pela maioria dos tribunais do país – afastava a posição da RFB e determinava que o prazo prescricional de cinco anos, contado do trânsito em julgado de decisão judicial que reconhece direito creditório, é para se pleitear a compensação, e não para realizá-la integralmente. Esse entendimento tinha como base o art. 165, III, combinado com o art. 168, ambos do Código Tributário Nacional (CTN).[5] Há decisões monocráticas recentes, inclusive de ministros da Primeira Turma do STJ, que seguem essa mesma linha.[6]
Essas decisões ressaltaram não haver na legislação determinação sobre o limite temporal para que o contribuinte utilize integralmente os créditos reconhecidos a seu favor.
Porém, no julgamento do Recurso Especial 2.178.201, embora reconhecesse que esse era o posicionamento consolidado pela Segunda Turma, o relator, ministro Francisco Falcão, afirmou que, recentemente, a Primeira Turma analisou a questão[7] e decidiu de forma diferente: a compensação deve ser realizada integralmente dentro do prazo prescricional de cinco anos.
Com base nessa decisão e em mais dois acórdãos também da Primeira Turma,[8] o relator propôs o overruling, ou seja, a modificação do entendimento até então adotado pela Segunda Turma. Como fundamento, afirmou que esse entendimento que estava em vigor tornava imprescritível o direito à repetição do indébito tributário.
Em seu voto, o relator afirma que todas as declarações de compensação (PER/DCOMP) precisam ser transmitidas dentro do prazo de cinco anos do trânsito em julgado, admitindo-se a suspensão do prazo prescricional apenas entre o pedido de habilitação e o seu deferimento, de acordo com artigo 82-A da Instrução Normativa 1.300/12.
O relator também refuta o posicionamento anterior da Segunda Turma, de modo especial o REsp 1.480.602/PR, e afirma que:
- não seria adequado atribuir à Administração Tributária o dever de verificar se houve ou não inércia do contribuinte ou impossibilidade de utilização de todo o crédito dentro do lapso prescricional;
- a imprescritibilidade de utilização do crédito incentivaria o contribuinte a retardar ao máximo o aproveitamento do indébito, corrigido pela Taxa Selic, cuja parcela não estaria sujeita à tributação, de acordo com o Tema 962 do STF;
- a Fazenda Pública não teria previsibilidade de quando o contribuinte aproveitaria o crédito; e
- caberia ao contribuinte avaliar as formas de restituição do indébito e suas respectivas limitações.
Ressalta ainda que a Instrução Normativa 1.300/12 e demais atos normativos subsequentes não alteram a ordem jurídica e nem extrapolam os limites do poder regulamentar, apenas refletem o disposto nos artigos 168 do CTN, 1º do Decreto 20.910/32 e 74 da Lei 9.430/96.
O entendimento do ministro foi acompanhado pelos ministros Marco Aurélio Bellizze, Maria Thereza de Assis Moura, Teodoro Silva Santos e Afrânio Vilela.
O contribuinte já opôs embargos de declaração, apontando omissão, obscuridade e contradição no julgado e postulou que seja atribuído efeito infringente para que se reconheça que “a prescrição estará sujeita à constatação, pelo órgão administrativo, de situação que não impedia/impeça o aproveitamento do crédito após o deferimento do pedido de habilitação”.
No AgInt no REsp 1.729.860/SC, citado na recente decisão da Segunda Turma para fundamentar o seu novo entendimento, a discussão central tratou de definir se o pedido de habilitação suspende ou interrompe a prescrição.[9] Cabe ressaltar que o contribuinte apresentou o primeiro pedido de compensação depois do prazo de cinco anos do trânsito em julgado.[10] Ou seja, pelo próprio entendimento anterior da Segunda Turma, o direito já estaria prescrito.
O julgado não trata da discussão sobre a necessidade de exaurir o crédito reconhecido judicialmente no prazo de cinco anos.
As outras duas decisões da Primeira Turma (AgInt no REsp 2.164.744/SP e AgInt nos EDcl no REsp 2.105.426/SC) mencionadas pela Segunda Turma ao tomar seu novo posicionamento, interpretaram equivocadamente o julgado anterior (AgInt no REsp 1.729.860/SC) e se contrapuseram à jurisprudência até então pacífica do STJ sobre o tema.
Com isso, afastaram o direito do contribuinte de transmitir PER/DCOMP após o prazo de cinco anos, ainda que a primeira declaração tenha sido transmitida dentro do prazo mencionado.
Os julgados da Primeira Turma valeram-se de precedente inaplicável para aplicar a prescrição nos casos concretos. Inclusive, no REsp 2.105.426, o contribuinte opôs embargos de divergência (antes da decisão da Segunda Turma no REsp 2.178.201) para que a “nova” interpretação da Primeira Turma (desfavorável aos contribuintes) fosse analisada com base na jurisprudência até então consolidada da Segunda Turma (favorável aos contribuintes). Requereu, ainda, a modulação de efeitos da decisão, caso fosse mantido o entendimento desfavorável.
Além disso, o STJ não analisou o artigo 74-A Lei 9.430/96,[11], que determina expressamente que apenas a primeira declaração de compensação deverá ser apresentada no prazo de até cinco anos, contado da data do trânsito em julgado da decisão que reconheceu o direito ao crédito ou da homologação da desistência da execução do título judicial.
Essa alteração legislativa é fruto da Lei 14.873/24, que limita a compensação tributária dos créditos decorrentes de decisões judiciais transitadas em julgado superiores a R$ 10 milhões.
A própria RFB, recentemente, na seção Perguntas e Respostas de seu site,[12] esclarece que o contribuinte pode realizar outras compensações após o prazo de cinco anos do trânsito em julgado, desde que a primeira declaração de compensação tenha sido realizada dentro do prazo prescricional.
As recentes decisões do STJ, portanto, contradizem a própria legislação em vigor e também o entendimento da RFB.
Espera-se que o STJ reexamine a questão de maneira aprofundada, considerando todos os seus aspectos e implicações, e não apenas responsabilize o contribuinte credor por suas escolhas.
É preciso considerar a morosidade e a burocracia no recebimento de valores por meio de precatório e a importância da compensação para o fluxo de caixa de empresas, que além de já estarem sobrecarregadas do ponto de vista fiscal, sofrem os ônus de pagamentos indevidos.
O que está em discussão são valores de titularidade do próprio contribuinte que foram apropriados indevidamente pelo poder público e cujo reconhecimento do indébito demandou anos de discussão no Poder Judiciário.
[1] “12.2. No caso de crédito decorrente de ação judicial, pode ocorrer a situação de um sujeito ter um débito em valor igual ou superior ao seu crédito, o que permite realizar a compensação em um único procedimento, ou o contrário, ter um crédito superior ao débito que vai demandar diversos procedimentos de compensação.
12.3. Nesse último caso, o prazo prescricional para apresentar a Dcomp apenas é interrompido com a efetiva
apresentação da Dcomp que extingue aquele valor. Por exemplo, se o sujeito passivo tiver de proceder a cinco compensações para ter o seu crédito com o Fisco quitado, o prazo da primeira Dcomp apenas é interrompido no valor nela declarado. Para o restante do seu crédito, o sujeito passivo continua tendo o prazo prescricional correndo contra si. Conforme decidido pelo CARF, “nos casos em que não existe pedido de restituição e sim pedido (sic) de compensação, envolvendo parte do crédito, em relação ao saldo não há interrupção da prescrição.” (4ª Câmara, 2ª Turma, Acórdão nº 1402-001.790, 27 de agosto de 2014). Ressalte-se que não obstante o acórdão falar equivocadamente em pedido de compensação, claro está pelo seu teor que se trata da Declaração de Compensação.
12.4. Note-se que tal raciocínio decorre da sistemática da Declaração de Compensação, em que o contribuinte já procede à compensação, tem seu benefício econômico imediato e a RFB a homologa ou não. O raciocínio de que uma primeira compensação já interromperia o prazo prescricional para o saldo iria de encontro a essa sistemática, pois somente seria possível se o procedimento de compensação tributária fosse realizado mediante pedido e dependesse do deferimento da autoridade fiscal.
12.5. Desta feita, o sujeito passivo, ao realizar a opção de compensar os seus créditos tributários decorrentes de ação judicial transitada em julgado, deve realizar um adequado planejamento para verificar se vai ter débito suficiente em tempo hábil para não ter parte do seu direito creditório fulminado pela prescrição.”
[2] “13.1 Ao contrário do defendido pela Consulente, o prazo para exercer seu direito perante a Fazenda não pode ser indeterminado, posto que o Sistema Tributário não se conforma com direitos imprescritíveis. Tendo o contribuinte optado por recorrer ao Poder Judiciário para obter o reconhecimento do indébito, certificado por uma decisão judicial transitada em julgado, cabe-lhe o ônus de novamente impulsionar a máquina pública, desta vez para obter a satisfação da obrigação. Tem ele a opção de fazê-lo perante o próprio Judiciário, submetendo-se à emissão de precatório ou de requisição de pequeno valor (RPV), mediante interposição de execução judicial contra a fazenda pública, ou de buscar a satisfação desse débito fiscal na via administrativa. Tanto uma quanto outra via deve ser percorrida pelo contribuinte e por ele impulsionada dentro de prazos certos. 13.2 Lembra a Consulente que o Supremo Tribunal Federal (STF), em sua Súmula de número 150, estabeleceu que “prescreve a execução no mesmo prazo de prescrição da ação”. Seria de todo incoerente que, desistindo o contribuinte de executar judicialmente a fazenda pública para obter a satisfação da obrigação, direito esse que feneceria dentro de prazo certo, passasse “magicamente” a dispor de um prazo imprescritível para obter tal satisfação na via administrativa. 13.3 O parecer Normativo RFB nº 11, de 19 de dezembro de 2014, publicado no Diário Oficial da União (D.O.U.) de 22 de dezembro de 2014, disciplinando a questão em âmbito administrativo e de forma vinculante, respondeu o questionamento (…).”
[3] “13. Pelo exposto, em resposta ao primeiro questionamento da consulente, acerca da possibilidade de continuar as compensações até o esgotamento integral na hipótese de não ocorrer o exaurimento do crédito oriundo de decisão judicial transitada em julgado no prazo previsto na legislação, tem-se que não há base legal para que se proceda à compensação além do prazo de cinco anos de que trata o art. 103 da IN RFB nº 1717, de 2017. A habilitação do crédito em seu montante integral não garante a entrega de Dcomp além do prazo de cinco anos estabelecido no citado art. 103.
(...)
13.1. Assim, findo esse prazo, ainda que tenha crédito habilitado perante a RFB, não é mais possível o sujeito passivo apresentar Dcomp e não há amparo nos arts. 68 ou 69 para a restituição de eventual saldo que não foi objeto de pedido de restituição, pois este não cabe na hipótese de crédito decorrente de decisão judicial transitada em julgado.”
[4] Art. 106. A declaração de compensação prevista no art. 102 poderá ser apresentada no prazo de até 5 (cinco) anos, contado da data do trânsito em julgado da decisão ou da homologação da desistência da execução do título judicial.
Parágrafo único. O prazo a que se refere o caput fica suspenso no período compreendido entre a data de protocolização do pedido de habilitação do crédito decorrente de ação judicial e a data da ciência do seu deferimento, observado o disposto no art. 5º do Decreto nº 20.910, de 1932.
[5] Precedentes: AgRg no REsp 1.469.926/PR, 2ª Turma, relator Humberto Martins, DJe 13/04/15; REsp 1.469.954/PR, Segunda Turma, relator Og Fernandes, DJe 28/08/15; REsp 1.480.602/PR, Segunda Turma, relator Herman Benjamin, DJe 31/10/14
[6] Decisões: REsp 2.134.782/CE, ministro Herman Benjamin, DJe de 02/05/2024; AgInt no REsp 2.105.433, ministro Sérgio Kukina, DJe de 19/09/2024; REsp 1.994.986, ministro Sérgio Kukina, DJe de 27/05/2022; REsp 2.105.430, ministro Sérgio Kukina, DJe de 18/03/2024; REsp 2.110.379, ministra Regina Helena Costa, DJe de 11/04/2024.
[7] AgInt no REsp 1.729.860/SC, relator ministro Paulo Sérgio Domingues, Primeira Turma, julgado em 23/4/24, DJe de 29/4/24
[8] AgInt no REsp 2.164.744/SP, relatora ministra Regina Helena Costa, Primeira Turma, julgado em 10/2/25, DJEN de 14/2/2025; e AgInt nos EDcl no REsp 2.105.426/SC, relator ministro Benedito Gonçalves, Primeira Turma, julgado em 10/2/25, DJEN de 14/2/25.
[9] “Considerada tal baliza, a questão que se coloca é: a fase prévia de habilitação administrativa do crédito, momento em que se faz a análise de requisitos essenciais para a efetiva compensação tributária, seria capaz de causar a interrupção do prazo prescricional? Penso que não.
(..)
Considerando todo o histórico normativo pertinente à controvérsia posta, não vejo motivos para o afastamento das disposições legais ali contidas, razão pela qual o pedido de habilitação de créditos apresentado ao fisco acarreta, de fato, a suspensão do prazo prescricional para o pleito compensatório.”
[10] “Na situação ora em julgamento, analisando o caderno processual, podemos extrair as seguintes informações acerca do direito creditório ora discutido, as quais, ressalto, não foram objeto de impugnação pela parte recorrente:
(a) 28/4/2006 – trânsito em julgado da decisão que reconheceu o direito;
(b) 20/4/2011 – pedido de habilitação (4 anos, 11 meses e 20 dias após o trânsito em julgado);
(c) 24/5/2011 – despacho favorável do fisco;
(d) 30/5/2011 – ciência da parte contribuinte;
(e) 20/5/2016 – tentativa rejeitada de transmissão da declaração eletrônica de compensação.
Delineado esse quadro fático pelo Tribunal de origem, não há como afastar a prescrição da pretensão compensatória postulada porque apresentada fora do prazo quinquenal estabelecido no art. 168 do CTN, quando somados os períodos que antecederam (28/4/2006 a 24/4/2011) e sucederam (30/5/2011 a 20/5/2016) tal pedido de habilitação.”
[11] Art. 74-A. A compensação de crédito decorrente de decisão judicial transitada em julgado observará o limite mensal estabelecido em ato do Ministro de Estado da Fazenda. (Incluído pela Lei 14.873/24)
- 1º O limite mensal a que se refere o caput deste artigo: (Incluído pela Lei 14.873/24)
I - será graduado em função do valor total do crédito decorrente de decisão judicial transitada em julgado; (Incluído pela Lei 14.873/24)
II - não poderá ser inferior a 1/60 (um sessenta avos) do valor total do crédito decorrente de decisão judicial transitada em julgado, demonstrado e atualizado na data da entrega da primeira declaração de compensação; e (Incluído pela Lei 14.873/24)
III - não poderá ser estabelecido para crédito decorrente de decisão judicial transitada em julgado cujo valor total seja inferior a R$ 10.000.000,00 (dez milhões de reais). (Incluído pela Lei 14.873/24)
- 2º Para fins do disposto neste artigo, a primeira declaração de compensação deverá ser apresentada no prazo de até 5 (cinco) anos, contado da data do trânsito em julgado da decisão ou da homologação da desistência da execução do título judicial. (Incluído pela Lei 14.873/24)
[12] "6. Em razão da limitação prevista pela legislação, o crédito que não puder ser utilizado em 5 (cinco) anos será perdido?
Os contribuintes que apurarem crédito igual ou maior que R$ 10.000.000,00 (Dez milhões de reais), assim considerado o valor atualizado indicado na primeira declaração de compensação entregue, estão potencialmente sujeitos à limitação do valor compensável em cada mês. É possível, em razão disso, que não seja possível o consumo do crédito no prazo de 5 (cinco) anos.
Por essa razão, para os créditos com essa característica (igual ou maior que 10 mi), a legislação passou a prever que, uma vez que o crédito total for demonstrado na primeira declaração de compensação, a ser entregue no prazo de 5 anos, as demais compensações poderão ser realizadas inclusive após 5 anos.
Disponível em: Receita Federal divulga Perguntas e Respostas sobre os limites para utilização de créditos decorrentes de decisão judicial transitada em julgado, criados pela Medida Provisória nº 1.202/2023 e Portaria Normativa MF nº 14/2024. Acesso em maio de 2025.