Uma discussão antiga e até um pouco esquecida voltou a ser destaque nos últimos anos. Trata-se da limitação da base de cálculo das contribuições destinadas a outras entidades e fundos, comumente chamadas de contribuições de terceiros, entre eles Sesi, Senai, Sesc, Senac, Sebrae, Incra, Sescoop, Sest, Senat e FNDE (salário-educação).

O objeto da discussão é a vigência (ou não) do artigo 4º, parágrafo único, da Lei n° 6.950/81 – dispositivo que impunha uma limitação à base de cálculo das contribuições previdenciárias e das contribuições de terceiros, determinando que o salário de contribuição não poderia ultrapassar o limite de 20 vezes o maior salário mínimo vigente no país.

Isso porque o artigo 3º do Decreto-Lei nº 2.318/86 prescreveu que a “contribuição da empresa para a previdência social” não estaria sujeita “ao limite de vinte vezes o salário mínimo previsto pelo artigo 4º da Lei n° 6.950/81”.

Os contribuintes defendem que esse decreto teria revogado a aplicação do limite apenas para as contribuições destinadas à Previdência Social (a contribuição patronal de 20% sobre a folha) e não para as contribuições de terceiros (destinadas a outras entidades e fundos), mencionadas no parágrafo único do artigo 4º da Lei n° 6.950/81.

Considerando que o artigo 3º do Decreto-Lei nº 2.318/86 vedou a aplicação da limitação apenas à contribuição da empresa para a Previdência Social, defende-se a tese de que a limitação continua sendo aplicada às “contribuições parafiscais” destinadas a outras entidades e fundos.

Em nossa visão, o artigo 3º do Decreto-Lei nº 2.318/86 não teve por objetivo revogar o artigo 4º. Explica-se: a norma não revogou simplesmente o artigo 4º da Lei n° 6.950/1981, o que poderia levar à conclusão de que todo o dispositivo – inclusive o parágrafo único que trata do limite às contribuições de terceiros – estaria revogado.

O artigo 3º do Decreto-Lei nº 2.318/86 prescreveu que o cálculo da contribuição devida à Previdência Social (definida no caput do art. 4º da Lei nº 6.950/81) não está sujeito ao limite de vinte vezes o salário mínimo. Em nossa opinião, com a edição desse artigo, o limite correspondente a 20 vezes o maior salário mínimo vigente no país deixou de ser aplicável às contribuições devidas à Previdência Social (contribuições patronais).

Também entendemos que o Decreto-Lei nº 2.318/86 não vedou a aplicação do limite de 20 salários mínimos para as contribuições de terceiros, já que não dispôs sobre a revogação de tal limite, como previsto no parágrafo único do art. 4º da Lei nº 6.950/81.

Em outras palavras, a limitação prevista no parágrafo único do art. 4º da Lei nº 6.950/81 permaneceu inalterada: manteve-se a base de cálculo das contribuições devidas a outras entidades e fundos (parafiscais) vinculada à observância do limite de 20 salários mínimos.

De acordo com a Teoria Geral do Direito, uma lei é válida, vigente e eficaz até que seja revogada ou modificada por outra, o que, como nos parece, não ocorreu no presente caso. A revogação pela lei posterior poderá ocorrer nas seguintes modalidades: (i) revogação expressa (por declaração expressa) ou (ii) revogação tácita (quando a nova lei não for compatível com o conteúdo da lei antiga que trata da mesma matéria ou quando ela regule inteiramente a matéria de que tratava a lei anterior).

Entretanto, nenhuma dessas situações parece ter ocorrido em relação ao parágrafo único do art. 4º da Lei nº 6.950/81, pois: (i) não houve previsão de vigência temporária para o parágrafo único do art. 4º da Lei nº 6.950/81; (ii) não houve publicação de lei que expressamente tenha revogado o parágrafo único do art. 4º da Lei nº 6.950/81; (iii) não houve publicação de lei incompatível com a determinação compreendida no parágrafo único do art. 4º da Lei nº 6.950/81; e (iv) não houve publicação de lei regulamentando integralmente a matéria disciplinada pelo parágrafo único do art. 4º da Lei nº 6.950/81.

A União, por sua vez, tem defendido que a revogação do limite para as contribuições previdenciárias seria estendida à base de cálculo das contribuições sociais destinadas a outras entidades e fundos (as contribuições de terceiros). Segundo a União, não se poderia admitir a revogação apenas do caput do artigo 4º, mantendo-se isolado seu parágrafo único. Para a União, a revogação do caput do artigo 4º implicaria revogação automática do seu parágrafo único.

Em uma análise dos precedentes sobre a matéria, verifica-se que, no âmbito do Superior Tribunal de Justiça (STJ), a questão foi analisada no REsp nº 953.742 em 2008. O recurso foi julgado pela 1ª Turma da 1ª Seção do STJ favoravelmente aos contribuintes. Após esse julgamento, também é possível encontrar decisões monocráticas proferidas pelo STJ no mesmo sentido favorável aos contribuintes nos anos de 2014, 2017 e 2019. Nessas decisões, o STJ parece acatar os argumentos dos contribuintes, demonstrando que se filia ao entendimento de que o Decreto-Lei nº 2.318/86 teria revogado apenas a limitação para a contribuição devida à Previdência social (contribuição patronal incidente sobre a folha de pagamentos à alíquota de 20%) e não para as contribuições de terceiros, mencionadas no parágrafo único do artigo 4º da Lei n° 6.950/1981.

Mais recentemente, a 1ª Turma do STJ reafirmou esse entendimento no julgamento do AgInt no REsp 1.570.980/SP, causando expectativa positiva nos contribuintes, principalmente depois que o Supremo Tribunal Federal (STF) decidiu, em sede de repercussão geral, pela constitucionalidade da contribuição destinada ao Incra, de acordo com a Emenda Constitucional nº 33/01 – outro tema relacionado à legitimidade da incidência das contribuições de terceiros.

Mas mesmo com os precedentes até então proferidos pelo STJ majoritariamente favoráveis aos contribuintes, ainda não se pode afirmar que há uma jurisprudência firme em favor deles, seja pelo número reduzido de precedentes, seja pelo fato de que não há nenhum precedente derivado de julgamento de natureza vinculante.

Sensível à necessidade de unificação dos precedentes e, ainda, em razão do aumento considerável de casos envolvendo a matéria, o STJ, às vésperas do recesso do Poder Judiciário, afetou o Recurso Especial nº 1.898.532[1] à sistemática dos recursos repetitivos (tema repetitivo nº 1.079).

Isso significa que a 1ª Seção do STJ – órgão que reúne os ministros da 1ª e 2ª turmas e que trata de matéria tributária – analisará a questão e, em julgamento que terá caráter vinculante, deve resolver definitivamente a discussão.

De todo modo, diante do cenário ainda não definitivo da jurisprudência sobre a limitação imposta pelo artigo 4º, parágrafo único, da Lei n° 6.950/81 para determinação da base de cálculo das contribuições de terceiros e enquanto não julgado o Recurso Especial nº 1.898.532, é alta a chance de questionamento por parte das autoridades fiscais no caso de o contribuinte, por conta própria e sem o amparo de uma autorização judicial, calcular essas contribuições com base no referido limite e/ou se apropriar de créditos em relação a eventual indébito do passado.

A adoção de uma postura mais conservadora – a propositura de ação judicial, por exemplo – merece ser avaliada, principalmente considerando que os precedentes até então proferidos pelo STJ parecem ser favoráveis aos contribuintes.

Em nosso entender, isso pode ser relevante para uma eventual decisão dos órgãos do Poder Judiciário no sentido de conceder autorização judicial provisória ao contribuinte (via tutela de urgência ou medida liminar em mandado de segurança) que lhe permita apurar e recolher as contribuições de terceiros com base na aplicação do limite da base de cálculo ao valor de 20 salários mínimos.

A propositura de ação judicial também permitiria interromper o prazo prescricional, de modo que, ao final da ação e em caso de êxito, o contribuinte poderia alcançar o reconhecimento do direito à compensação/restituição do indébito relativo aos pagamentos indevidos realizados a partir do quinto ano anterior ao da data da propositura.


[1] Processual civil. Recurso especial. Código de processo civil de 2015. Aplicabilidade. Proposta de afetação como representativo da controvérsia. Tributário. "Contribuições parafiscais". Base de cálculo. Apuração. Aplicação do teto de 20 (vinte) salários mínimos. Lei nº 6.950/1981 e Decreto-Lei nº 2.318/1986.1. Delimitação da questão de direito controvertida: definir se o limite de 20 (vinte) salários mínimos é aplicável à apuração da base de cálculo de "contribuições parafiscais arrecadadas por conta de terceiros", nos termos do art. 4º da Lei nº 6.950/1981, com as alterações promovidas em seu texto pelos arts. 1º e 3º do Decreto-Lei nº 2.318/1986. 2. Recurso especial submetido à sistemática dos recursos repetitivos, em afetação conjunta com o REsp n. 1.905.870/PR. (ProAfR no REsp 1898532/CE, rel. ministra Regina Helena Costa, primeira seção, julgado em 15/12/2020, DJe 18/12/2020).