Por Beatriz Olivon

Apesar de haver súmula contrária do Tribunal Superior do Trabalho (TST), os bancos ainda enfrentam uma tese que tem gerado pedidos bilionários na Justiça. Em ações, ex-empregados pedem a correção de verbas trabalhistas pela mesma taxa de juros cobrada dos clientes - muito superior à praticada pela esfera trabalhista.

Em setembro, o Itaú, por exemplo, conseguiu fechar acordo em uma dessas ações, que se arrastava desde 2009. O pedido era de R$ 16 bilhões. O valor acordado em audiência na 1ª Vara do Trabalho de Osasco (SP), porém, foi muito menor, de R$ 382 mil. A negociação demorou cerca de três horas (processo nº 7213.61.2012.5.02. 0000). Mesmo considerando a chance de perda remota, o banco indicava o processo em suas demonstrações financeiras.

Os pedidos tentam aplicar os artigos 402 e 1.216 do Código Civil à seara trabalhista. O primeiro afirma que perdas e danos devidas a credor abrangem, além do que efetivamente perdeu, o que deixou de lucrar. O outro prevê que pessoa que se apossar indevidamente de um bem deve responder pelos "frutos" colhidos no período da posse.

Com base nos dispositivos, os trabalhadores alegam nos processos que os bancos teriam se apossado de recursos que seriam deles e obtido rendimentos com o não pagamento de verbas trabalhistas - ao emprestar o dinheiro e obter retorno com altas taxas de juros.

Em 2013, a questão foi definida pelo TST, por meio da edição da Súmula 445. O texto afirma que "a indenização por frutos percebidos pela posse de má-fé, prevista no artigo 1.216 do Código Civil, por tratar-se de regra afeta a direitos reais, mostra-se incompatível com o direito do trabalho, não sendo devida no caso de inadimplemento de verbas trabalhistas". Decisões do TST e advogados indicam que a súmula também é aplicada a pedidos com base no artigo 402, que não consta explicitamente no texto.

Apesar da jurisprudência ser favorável, os grandes bancos ainda enfrentam a tese, segundo o advogado do Itaú no processo, Estevão Mallet, sócio do escritório Mallet Advogados Associados. Há decisões deste ano do TST sobre o tema, mesmo com súmula editada há quatro anos.

Nos processos, de acordo com Mallet, os trabalhadores alegam que os bancos usaram os recursos das verbas trabalhistas para realizar empréstimos a taxas elevadas. "Parte-se da ideia [a tese] de que todos os recursos são emprestados com taxa de juros mais alta, o que não é verdade. Há créditos muito mais baixos e muitas perdas", afirma.

Raramente os casos são resolvidos com acordos entre empresas e trabalhadores, segundo Mallet. No caso do Itaú, acordou-se o pagamento das verbas trabalhistas devidas com a correção habitual. Com a taxa de juros praticada para empréstimos de maior risco, o valor alcançaria os R$ 16 bilhões. "Isso gera uma distorção gigantesca do crédito", diz o advogado.

Na Justiça do Trabalho, o pagamento de verbas trabalhistas é sujeito a correção monetária e juros de mora de 1% ao mês, como explica o advogado Rodrigo Takano, sócio da área trabalhista do escritório Machado Meyer Advogados. De acordo com o advogado, a correção das verbas trabalhistas não deve ser confundida com reparação de danos.

Os processos que deram origem à súmula são de 2005 e 2006 em sua maioria, mas ainda há pedidos do tipo sendo ajuizados, segundo o advogado. Mas a expectativa é que sejam negados pela Justiça do Trabalho.

"É uma tese bastante criativa", afirma o professor da FGV Direito Rio, Luiz Guilherme Migliora. De acordo com ele, a súmula 445 também se aplica a pedidos que têm base no artigo 402. "Isso está resolvido e sedimentado no TST. Mas é claro que o direito do trabalho é volátil."

Para o professor, decisões que permitem a correção pleiteada pelos empregados são uma forma de punir os bancos. "Isso parece dano moral de caráter punitivo travestido de lucros cessantes", diz Migliora, acrescentando que a indenização por lucros cessantes depende do que a pessoa deixaria de ganhar se o direito dela não tivesse sido violado e, nesses casos, o que os empregados fariam com o dinheiro é uma especulação. "E não teriam rendimento como o do banco."

Os trabalhadores, em geral, já não especificam esse pedido de correção em pleitos de verbas trabalhistas, segundo Akira Sassaki, do escritório Adib Abdouni Advogados, que atua na defesa de trabalhadores. "A maioria pede juros e correção monetária na forma da lei", diz. Contudo, acrescenta, alguns advogados que fazem reclamações trabalhistas contra bancos ainda desenvolvem essa tese.

O Itaú ainda tem outra ação sobre o assunto, que está no TST (nº 0044700.03.2008.5.2.66). Nesse, o pedido das verbas trabalhistas chega a R$ 4 bilhões. O processo foi sobrestado para aguardar o julgamento de um processo repetitivo sobre outro ponto discutido no mérito - a majoração do valor do repouso semanal remunerado decorrente da integração das horas extras habituais e se ela deve repercutir no cálculo das demais parcelas salariais.

Em nota, o Itaú afirma que os pedidos iniciais de aplicação de juros moratórios nos moldes da taxa de cheque especial e de forma capitalizada são destoantes da prática e da legislação trabalhista. O banco diz acreditar, tanto com base na lei quanto na jurisprudência, que os pedidos não se sustentam e indica que obteve decisão favorável no TST no caso em que foi firmado acordo. Os valores em discussão não foram provisionados pois, segundo o banco, a probabilidade de perda é remota.


Valor Econômico
http://www1.valor.com.br/legislacao/5199707/acordo-reduz-processo-bilionario-contra-o-itau

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