A Comissão de Valores Mobiliários (CVM) abriu ontem uma audiência pública para regular a realização de assembleias digitais, uma forma de tornar viáveis os encontros de acionistas em meio às restrições de mobilidade e aglomerações durante a pandemia de covid-19. O objetivo é implementar a regra até 20 de abril. Pelos termos da proposta do regulador, as companhias terão que assegurar, por exemplo, a certificação do voto, a participação dos acionistas e a confirmação de presença nas reuniões.

A audiência pública da CVM, que vai durar sete dias, ocorre na esteira da edição da Medida Provisória (MP) 931, na semana passada, que previu normatização do assunto pelo regulador. A mesma MP adiou a realização dos conclaves por até sete meses. Desde 2015, é possível realizar assembleias híbridas, ou seja, presencialmente ou a distância. As companhias abertas vêm optando pelo meio presencial e a participação remota fica restrita ao boletim de voto a distância, enviado antes da assembleia. "Estamos trazendo para a nossa regulação, por força de alteração da MP 931, uma possibilidade que ainda não existia. E estamos tentando refletir na regulação de forma não muito prescritiva e não muito detalhada", disse o presidente da CVM, Marcelo Barbosa, ao Valor. Segundo ele não podem ser criados "danos irrazoáveis" para as companhias ou reduzir as possibilidade de participação dos acionistas. Mas ainda é cedo para saber se a participação dos acionistas vai aumentar com as reuniões virtuais. "O grande papel cabe às companhias e acionistas para tornar as assembleias em uma instância que conte com mais participação da base acionária." As mudanças propostas na audiência pública não especificaram as condições de acesso e o modo de funcionamento das ferramentas que serão utilizadas pelas companhias abertas para realizar as assembleias digitais. Se admitida a participação a distância, a convocação deve detalhar como os acionistas podem participar e votar, e se a assembleia será realizada parcial ou exclusivamente por meio digital, propõe o edital da audiência pública. "Nos preocupamos em dar às companhias liberdade para escolher as ferramentas tecnológicas que entendam mais adequadas para realizar as assembleias digitais, desde que as faculdades previstas sejam cumpridas. Essa decisão está em linha com a regulação de outros países", disse o diretor da CVM Gustavo Gonzalez. Se o sistema atender integralmente os requisitos, a assembleia digital poderá ser realizada. Assim, deverá assegurar a possibilidade de manifestação e visualização dos documentos apresentados, a autenticidade e a segurança das comunicações. Também tem que garantir a manifestação dos acionistas, além dos registros de presença e dos votos e a gravação da reunião. "O principal desafio é atender aquilo que a CVM estabelece: assegurar o registro do acionista e do seu voto", afirmou o sócio do Bocater Advogados, João Laudo de Camargo. Segundo ele, que também é coordenador do Instituto Brasileiro de Governança Corporativa (IBGC), no Rio, a tecnologia disponível no mercado já oferece segurança para isso. Uma das preocupações das companhias e advogados são eventuais problemas técnicos ou de conexão de acionistas. "A participação virtual é um benefício, mas também submete a um nível de risco. A modelagem ideal é o sistema semi-presencial. Se o acionista é relevante e não quer ter problemas, o ideal é comparecer na assembleia", disse o ex-diretor da CVM Gustavo Borba. Na visão do professor da USP e sócio do escritório PG Law advogados, Carlos Portugal Gouvêa, a assembleia digital deve tentar reproduzir ao máximo a experiência física. Ele lembra que as reuniões de acionistas não são públicas e não é qualquer um que pode participar. "É preciso ter um controle disso. As questões discutidas em uma assembleia não devem ser anunciadas ao mercado simultaneamente à sua realização. Deve ser dada à companhia a possibilidade de eventualmente fazer um fato relevante e transmitir as informações de maneira uniforme", disse.

 

Jornalista: SCHINCARIOL, Juliana


(Valor Econômico - 07.04.2020, p. B2)