Novas regras para as normas de prevenção

A Comissão de Valores Mobiliários (CVM) submeteu à audiência pública, no último dia 17/11/2016, minuta de instrução que visa alterar as normas de prevenção à lavagem de dinheiro e financiamento ao terrorismo (PLDFT) no âmbito do mercado de valores mobiliários, atualmente contidas na Instrução CVM nº. 301/1999 e posteriores alterações.

Tal proposta busca alinhar a regulamentação vigente às práticas já implementadas mundialmente, aí incluídas as orientações do Grupo de Ação Financeira contra a Lavagem de Dinheiro e o Financiamento ao Terrorismo (GAFI/FATF), principal órgão internacional propositor de políticas de PLDFT.

A minuta de instrução apresenta uma série de inovações, dentre as quais merecem destaque as seguintes:

Adoção de modelo de regulamentação ABR (Abordagem Baseada em Risco)

O modelo de regulamentação ABR consiste em um conjunto de obrigações que determinam a criação de políticas internas de risco, com o intuito de otimizar os recursos humanos, materiais e informações dos entes regulados, possibilitando um gerenciamento mais eficaz dos processos de identificação, monitoramento, análise e mitigação dos riscos relacionados à LD/FT.

Por esta razão, a minuta de instrução da CVM estabelece que as instituições atuantes no mercado de valores mobiliários deverão adotar procedimentos de mitigação dos riscos de LD/FT inerentes às suas atividades, a fim de reduzir a ocorrência de riscos prudenciais, legais e reputacionais, por exemplo.

Neste sentido, a nova proposta de instrução propõe a elaboração de dois documentos internos pelos entes regulados. O primeiro é intitulado “Avaliação Interna de Riscos”, e tem por finalidade identificar os diferentes riscos aos quais a instituição está exposta em relação aos clientes ativos, tendo em vista características como operações, produtos, serviços, entre outras.

Já o segundo documento tem por objetivo definir as diretrizes elaboradas pela alta administração que servirão como referenciais mitigantes à implementação dessas medidas pelas áreas operacionais.

Aspectos adicionais de governança corporativa dos entes regulados

Devido à complexidade do modelo ABR, a nova proposta de instrução estabelece que as instituições designem dois diretores distintos para a observância das obrigações oriundas de tal regra. Desta forma, um diretor será responsável pelo cumprimento de determinadas obrigações, e o outro será responsável por fazer a supervisão dos procedimentos exigidos.

Adicionalmente, a minuta de instrução estabelece que o diretor responsável pelo cumprimento das obrigações contidas na norma poderá cumular tal função com quaisquer outras funções por ele já desempenhadas na instituição (excetuadas, por óbvio, aquelas que exijam dedicação exclusiva). O diretor responsável por supervisionar os procedimentos também poderá cumular tal responsabilidade com eventuais outras funções já desempenhadas na instituição, salvo se este atuar como o responsável pela mesa de operações (excetuadas, por óbvio, aquelas que exijam dedicação exclusiva). No entanto, tal vedação se aplica apenas às pessoas jurídicas que tenham, em caráter permanente ou eventual, como atividade principal ou acessória, a emissão, distribuição, custódia, intermediação, consultoria ou a administração de carteiras de valores mobiliários.

Processo de identificação de clientes e beneficiários finais

A nova proposta da CVM pretende modificar o procedimento correntemente adotado para atualização cadastral de acordo com o risco do cliente. Assim, os clientes em situação de menor risco poderão ter seu cadastro atualizado em periodicidade maior, comparativamente ao prazo dos clientes em situação de maior risco.

Outra novidade diz respeito ao conceito de “beneficiário final” das operações, que visa aprimorar o processo de identificação dos destinatários de recursos. Tal controle é reforçado pela nova proposta de instrução que estabelece diligências específicas para a implementação de políticas de “conheça o seu cliente” (KYC).

Comunicação de operações suspeitas

A Instrução CVM nº. 301/1999 já classifica as hipóteses de transações suspeitas, replicando o rol descrito na Lei nº. 9.613/1998 (Lei de Combate à LD). No entanto, além de também replicar o rol da Lei de Combate à LD, a minuta de instrução acrescenta algumas outras hipóteses de monitoramento e comunicação que deverão ser observadas pelas instituições, a saber: (i) operações incompatíveis com sua atividade econômica, objeto social ou faturamento, conforme informações cadastrais, com relação a clientes de mesmo perfil; (ii) operações com grau de complexidade e risco incompatíveis com o seu perfil (ou de seus representantes), porte e objeto social; (iii) operações realizadas fora do preço de mercado; (iv) situações relacionadas a pessoas suspeitas de envolvimento em atos terroristas (situações exemplificativas são indicadas no artigo 23, inciso III, da minuta de instrução); e (v) operações envolvendo pessoas naturais ou entidades constituídas em países, jurisdições, dependências ou locais onde seja contumaz a prática de crimes de LD ou que possua tributação favorecida e regimes fiscais privilegiados, de acordo com as normas da Receita Federal do Brasil.

Análise

De acordo com a minuta de instrução, os entes regulados deverão implementar procedimentos para análise de operações suspeitas de forma individual ou conjunta, visando identificar atividades de LD/FT. Adicionalmente, as instituições que não possuam relacionamento direto com investidores deverão criar mecanismos que permitam o cumprimento deste requisito pelas instituições responsáveis por tal relacionamento.

Reporte de operações ao COAF

Nos termos da nova proposta de instrução, a CVM estabelece as informações mínimas que devem ser reportadas ao COAF (Conselho de Controle de Atividades Financeiras), em até 24 horas da conclusão da análise que deliberar pelo reporte. As instituições deverão se certificar que as informações constantes de tal comunicação sejam consistentes e suficientes para embasar o reporte.

Previsões decorrentes das Leis nº. 13.170/2015 e 13.260/2016

A minuta de instrução contempla ainda alguns procedimentos e controles no tocante à mitigação dos riscos relacionados às atividades de financiamento ao terrorismo, como decorrência da edição das Leis nº. 13.170/2015 e 13.260/2016.

Como resultado, a proposta de alteração pretende reforçar as disposições da Instrução CVM nº. 301/1999 que demandam especial atenção às operações envolvendo determinadas pessoas, tais como investidores não residentes constituídos sob a forma de trusts ou com títulos ao portador, do segmento private banking e pessoas politicamente expostas (PPEs). Consequentemente, o monitoramento de operações que envolvam clientes e/ou beneficiários finais enquadrados em tal categoria passará a ser substancialmente mais criterioso.

Em linha com o disposto na Lei nº. 13.260/2016, tal modelo mais rigoroso de procedimentos e controles internos será igualmente aplicado às seguintes hipóteses: (i) operações envolvendo pessoas que tenham cometido ou intentado cometer atos terroristas, ou deles participado ou facilitado, e (ii) operações ou movimentações financeiras com indícios de financiamento ao terrorismo.

Além disso, a proposta de instrução busca efetivar, no âmbito do mercado de valores mobiliários, as regras aplicáveis à indisponibilidade de bens, direitos ou valores em decorrência de Resolução do Conselho de Segurança das Nações Unidas (CSNU), de demandas de cooperação jurídica internacional advindas de outras jurisdições em conformidade com a legislação nacional, bem como de sentenças condenatórias relacionadas à prática de atos terroristas e demais previsões legais advindas da Lei nº. 13.170/2015.

Cabe salientar, por fim, que algumas das medidas acima mencionadas já haviam sido antecipadas pela CVM nos Ofícios Circulares CVM/SMI/SIN nºs. 004 e 005, mas somente com a efetiva entrada em vigor da nova instrução aqui tratada é que estas medidas passarão a ter força normativa sobre os entes regulados, tendo em vista ainda eventual prazo de adaptação a eles concedido pela CVM.

As eventuais sugestões e comentários à minuta de instrução deverão ser submetidos à análise da Superintendência de Desenvolvimento de Mercado (SDM), por escrito, até o dia 16 de janeiro de 2017.

Nei Schilling Zelmanovits - sócio da área Financeira do Machado Meyer

Rodrigo Nogueira de Souza Júnior - advogado da área Financeira do Machado Meyer

(Jota-BR)

(Notícia na íntegra)