Luciana Collet

A completa liberação para que o capital estrangeiro assuma o controle de companhias aéreas brasileiras pode atrair um maior volume de capital estrangeiro e aumentar o estímulo a operações de fusão e aquisição no Brasil, na avaliação de especialistas e representantes do setor ouvidos pelo Broadcast. O sócio da área de Infraestrutura do escritório Machado Meyer, Fabio Falkenburger, lembra que hoje os estrangeiros que participam do capital das aéreas brasileiras, como a Delta Airlines, na Gol, e a United Airlines na Azul, atuam como meros investidores, e a mudança aprovada pelos deputados abre caminho para um novo tipo investidor, que se interesse em efetivamente gerir a companhia. "Essa mudança abre espaço para estrangeiras que queiram se estabelecer no mercado independente de ter um sócio brasileiro", diz, considerando a alteração uma mudança de paradigma. Leonardo Freitas, sócio fundador da Hayman-Woodward, empresa sediada nos EUA e especializada em desenvolvimento de negócios globais, também observou que a MP 714, se permanecer como foi aprovada hoje na Câmara, pode trazer mais investimentos, além de contribuir para a expansão da malha aérea e ampliar a concorrência no setor. "Em um momento em que a economia brasileira necessita de novos investimentos e em setores fundamentais, as novas regras devem permitir a melhoria na qualidade dos serviços, a expansão na oferta de rotas e a geração de empregos relacionados com toda a cadeia do segmento da aviação civil", acrescentou. "Essa é mais uma tentativa de aquecer a economia, é uma mudança positiva, o governo que assumiu está sinalizando no sentido de estimular a economia e essa aprovação vem na esteira de algumas medidas que já vieram e de outras que virão", disse o sócio da área de infraestrutura do escritório L.O. Baptista-SVMFA, Fernando Marcondes. Ele lembrou que a restrição existente até agora, de até 20% de participação, vem de uma época em que se considerava a aviação civil um assunto estratégico de defesa. "Vem do militarismo, isso não tem mais razão de ser. Esse tipo de protecionismo não é considerado atual. A presença de estrangeiros no controle é salutar, não vejo problemas, porque eles pagarão tributos e gerarão empregos locais, operando dentro das nossas regras", acrescentou. A permissão para que qualquer empresa estrangeira possa assumir até 100% do controle de aéreas brasileiras foi aprovada hoje pela Câmara dos Deputados, em uma emenda à Medida Provisória 714, que autoriza o aumento do limite de capital estrangeiro nas companhias aéreas nacionais. O assunto ainda precisa ser apreciado pelo Senado, antes de ser encaminhado para sanção presidencial. A liberação completa era defendida pela cúpula do governo Temer, mas havia sido rejeitada pela comissão mista que avaliava a MP. Divergências  Entre as aéreas, a liberação completa divide opiniões. A Latam, por exemplo, disse ser favorável ao capital estrangeiro nas companhias aéreas, sem entrar no mérito do montante da participação. "Esse é um setor que exige capital intensivo, e essa medida estimula o crescimento, gerando riqueza para o nosso País", declarou a companhia. Já a Azul defende o aumento de participação original proposto na Medida Provisória, de até 49%. Por dividir opiniões, a Associação Brasileira das Companhias Aéreas (Abear) se posiciona seguindo o consenso de suas associadas de defesa à elevação do limite para até 49%. "Para trazer ganhos efetivos, a facilitação do acesso aos capitais globais precisa ser acompanhada da eliminação das distorções competitivas existentes no País, o que inclui aspectos de custos e de produtividade", afirmou a entidade, ao defender que a discussão sobre a participação do capital estrangeiro em companhias aéreas deve ser parte de um debate amplo, de alinhamento da regulação da aviação civil no Brasil aos parâmetros predominantes mundialmente. O temor de parte dos agentes seria de que a liberação completa de estrangeiros para atuar no mercado doméstico brasileiro poderia levar aéreas internacionais a optar por se instalar de maneira independente no País, elevando a competição no mercado e não resultando em um dos potenciais objetivos da medida original, o de colaborar na recuperação de empresas aéreas brasileiras que enfrentam dificuldades financeiras. Falkenburger minimiza isso. "De fato a liberação vai abrir a possibilidade de novos entrantes, mais capitalizados, com situação financeira mais estável, que poderiam ocupar espaço das companhias brasileiras, mas pelo fato de as empresas já estarem estabelecidas, o potencial maior é para que elas atraiam investimentos do que um estrangeiro comece do zero visando entrar para competir de frente", avaliou, lembrando que a estrutura das empresas já existente e as restrições de ampliação de oferta de voos nos aeroportos mais rentáveis acabariam levando o investidor a buscar uma companhia estabelecida. Ajuda financeira  O potencial aumento da participação de estrangeiros nas aéreas brasileiras é uma demanda antiga do setor, mas a discussão foi retomada, a partir da publicação da MP, em um momento em que algumas empresas do País atravessam um cenário delicado, combinando demanda em queda e dólar mais caro. Mas especialistas ainda questionam sobre o efetivo interesse do estrangeiro no curto prazo. "Eu sou cético com uma operação no curto prazo", diz um analista de mercado que acompanha o setor aéreo e falou na condição de anonimato. "Uma empresa estrangeira pode até se interessar pelo mercado brasileiro e querer comprar uma companhia para aproveitar a malha aérea, mas o ponto é que as empresas estão endividadas, será que o interesse permanece depois de ver o passivo?", questiona. Marcondes também lembra que historicamente as aéreas brasileiras operam no vermelho, o que pode acabar afastando o potencial investidor. "Nosso mercado tem lá sua atratividade, mas é um mercado complicado", disse. Ele também lembrou que o setor aéreo mundial não passa por seu melhor momento, com as empresas buscando parcerias e ganhos de eficiência para garantir suas operações. "O setor como um todo está em retração e no Brasil está mais grave em função da crise", comentou. De qualquer forma, o mercado financeiro considera que pelo menos os atuais acionistas podem acabar elevando suas participações nas aéreas nacionais. A Delta Air Lines possui atualmente 9,48% de participação na GOL, parcela obtida no ano passado após um acordo para o aporte de até US$ 56 milhões por meio da compra de ações. A empresa brasileira ainda busca a reestruturação de dívidas, por isso, recorrentemente se especula sobre a possibilidade de novas negociações envolvendo novos aportes. Ontem o vice-presidente Financeiro da companhia, Edmar Lopes, reiterou que não havia negociações em andamento.

(Agência Estado - 21.06.2016)

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