Em meio a um cenário de constantes mudanças normativas, o governo do estado de São Paulo promoveu importantes ajustes no regime especial de ICMS conferido à indústria de informática pelo Decreto 51.624/07. As alterações ocorreram por meio da publicação de dois decretos: o Decreto 69.756/25, de 30 de julho, e o Decreto 69.763/25, de 7 de agosto.
As novidades, especialmente as previstas pelo Decreto 69.756/25, exigem atenção redobrada dos contribuintes, pois ampliam a vedação não aproveitamento de créditos regulares de ICMS e podem produzir efeitos desde 1º de julho de 2025 – sem respeitar os princípios constitucionais da anterioridade e da irretroatividade.
O regime especial de ICMS da indústria de informática
Desde 2007, o Decreto 51.624/07 concede às empresas fabricantes de determinados produtos de informática a possibilidade de aproveitar crédito outorgado de ICMS nas operações de saída, para dentro ou fora do estado, em substituição ao aproveitamento dos créditos regulares de ICMS (decorrentes das aquisições de insumos, energia, serviços de transporte etc.).
Em 2019, houve a primeira remodelação do regime, por meio dos decretos 64.628/19 e 64.805/20, que trouxeram como principais mudanças:
- a vedação do uso do crédito outorgado de ICMS nas saídas destinadas a estabelecimento do mesmo titular do estabelecimento fabricante; estabelecimento de empresa com a qual o estabelecimento fabricante mantivesse relação de interdependência; ou estabelecimento encomendante;
- a autorização, por meio de regime especial, para que o crédito outorgado de ICMS fosse deslocado para esses estabelecimentos (filiais comerciais, empresas interdependentes, encomendante), prevendo-se o diferimento do ICMS devido pelo fabricante até a subsequente saída promovida pelo novo titular do crédito; e
- a atribuição ao estabelecimento beneficiário (e não mais ao fabricante) da condição de substituto tributário e responsável pelo recolhimento do ICMS-ST.
A redação então em vigor, porém, não deixava claro se a vedação n de aproveitar créditos regulares atingia apenas o estabelecimento que efetivamente utilizasse o crédito outorgado ou se alcançava, igualmente, o fabricante que não mais empregava o benefício em suas próprias saídas.
Diante da incerteza da legislação, a Secretaria da Fazenda e Planejamento do Estado de São Paulo (Sefaz/SP) publicou Respostas a Consultas nas quais indicou que a restrição ao aproveitamento de créditos regulares deveria se limitar ao estabelecimento que se utilizasse do crédito outorgado. Preservava-se assim o direito do fabricante de se creditar normalmente das entradas relativas aos produtos incentivados.
O que muda com a publicação dos dois novos decretos
O Decreto 51.624/07 passa, agora, por uma nova remodelação, com a edição dos decretos 69.756/25 e 69.763/25.
Em essência, são três grupos de mudanças:
- Atualização do rol de produtos incentivados e prorrogação do incentivo até 2026
Além de excluir e atualizar descritivos e códigos da Nomenclatura Comum do Mercosul (NCM) das mercadorias beneficiadas listadas (como determinados monitores, HDDs, terminais de pagamento, etc.), o governo estendeu a vigência do benefício até 31 de dezembro de 2026. - Redução de base de cálculo nas saídas internas
Foi instituída carga tributária de 12% nas saídas internas realizadas por fabricantes ou atacadistas, com exceções para operações com contribuintes do Simples Nacional e consumidores finais. Para determinados telefones celulares, a redução também se estende às saídas subsequentes. - Nova vedação expressa de estabelecimentos fabricantes aproveitarem créditos regulares de ICMS
A alteração mais sensível consiste na inclusão de trecho final da previsão do item 3 do § 7º do art. 1º do Decreto 51.624/07 (com nova redação dada pelo Decreto 69.756/25), de que “o estabelecimento fabricante não poderá se aproveitar do crédito previsto neste artigo nem de quaisquer outros créditos relativos aos produtos relacionados no caput”.
Agora, de forma inequívoca e sem ressalvas, o estabelecimento fabricante não pode aproveitar quaisquer créditos de ICMS das entradas de mercadorias vinculadas aos produtos incentivados, independentemente de quem faça uso do crédito outorgado.
Resultado prático: se o fabricante optou pelo deslocamento do crédito outorgado para a filial ou empresa interdependente, nenhum deles poderá mais se creditar do ICMS incidente nas entradas de mercadorias vinculadas aos produtos listados – ainda que o crédito outorgado só seja aproveitado na etapa seguinte.
Produção de efeitos das alterações e possíveis inconstitucionalidades
Um ponto importante nas mudanças feitas no Decreto 51.624/07 é que elas trazem novas limitações de aproveitamento de crédito de ICMS pelos fabricantes. Como disposto no artigo 4º do Decreto 69.756/25, a nova regra passa a valer a partir de 1º de julho de 2025 – apesar de o decreto só ter sido publicado em 30 de julho de 2025.
Com isso, os estabelecimentos fabricantes que se apropriaram de créditos regulares de ICMS em julho na entrada de mercadorias/insumos vinculados aos produtos beneficiados teriam que estornar esses valores, mesmo que o fato gerador dos créditos (a entrada das mercadorias no estabelecimento fabricante) já tenha ocorrido. Isso representa uma clara violação do direito ao crédito dos contribuintes.
Em nossa avaliação, porém, há espaço para discutir se essa retroatividade de um mês afronta os seguintes princípios:
- Princípio da irretroatividade tributária (art. 150, III, “a”, da Constituição Federal – CF);
- Princípios da anterioridade anual e nonagesimal (art. 150, III, “b” e art. 150, § 6º combinado com art. 155, § 2º, XII, “c”, da CF), pois a restrição eleva indiretamente a carga tributária.
- Princípio da não cumulatividade (art. 155, §2º, I, da CF), ao impedir o contribuinte de creditar o imposto pago em etapas anteriores sem outorgar benefício equivalente.
Recomendações e providências possíveis
Diante desse novo cenário, é fundamental que os contribuintes da indústria de informática revisem seus procedimentos fiscais e avaliem os impactos das alterações trazidas pelo Decreto 69.756/25.
Recomenda-se, ainda, analisar a necessidade e a viabilidade de medidas judiciais para resguardar o direito ao crédito de ICMS, especialmente em relação à vedação retroativa e à observância dos princípios constitucionais aplicáveis.
O Machado Meyer permanece à disposição para discutir os desdobramentos dessas alterações e assessorar empresas do setor na adoção de estratégias que visem mitigar eventuais efeitos negativos decorrentes dos novos procedimentos.