No contexto das ofertas públicas de ações, o prospecto é um documento obrigatório e seu conteúdo mínimo é estabelecido por regulamentação própria – art. 38 e art. 40 da Instrução Normativa (IN) 400.
Companhias que realizam sua 1.ª oferta pública de ações (IPO, na sigla em inglês) geralmente possuem poucas informações públicas sobre suas atividades. Para ilustrar a situação, pensemos na venda de um carro usado. O comprador possui uma desvantagem informacional se comparado ao vendedor. Caso o vendedor fale ao comprador sobre as reais condições do carro e suas passagens pela oficina, este se sentirá mais seguro e propenso a adquirir o bem. Da mesma forma, em um IPO, para instruir a decisão de investimento, a assimetria de informações, entre a companhia e seus potenciais investidores, deve ser minimizada. Por esse motivo, a IN 400 determina que cabe ao prospecto suprir parte dessa demanda. A forma como essa regulamentação influencia o conteúdo dos prospectos é o que discutiremos a seguir.
Ao nosso ver, a IN 400, em seu Anexo III, estabelece como conteúdo obrigatório do prospecto informações que podem ser consideradas relevantes por sua própria natureza. São informações basilares para a avaliação da companhia e do risco do investimento, das quais raramente cabe dúvida quanto à necessidade de sua divulgação. Dentre elas, podemos citar as demonstrações financeiras da companhia, a identificação de administradores e auditores, a composição do capital social etc. Outras disposições do Anexo III, entretanto, não são tão claras e merecem um julgamento dos administradores da companhia e coordenadores da oferta.
Os negócios da emissora ao serem descritos no prospecto, geralmente, dão margem a uma torrente de informações que podem obscurecer as que realmente importam. Assim como a linguagem clara é essencial, discernir qual dado deve constar no prospecto pode ser a diferença entre um documento eficiente e um calhamaço confuso.
Tomemos como exemplo as exigências de divulgação no prospecto de contratos e investimentos relevantes em outras sociedades. Levando-se em consideração que a companhia, enquanto atividade, é um feixe de contratos, a mera existência de um contrato não é motivo para sua menção no prospecto, pois ele pode ser celebrado e executado na condução regular dos negócios e sua relevância mitigada pela simplicidade com que poderia ser substituído. Por outro lado, pode ocorrer que um contrato seja relevante pelo simples fato de não estar relacionado às atividades regulares da companhia, visto que tal desvio pode ser um risco. Por isso, procurando decidir pela divulgação de detalhes ou informações adicionais, faz-se necessário o julgamento de sua relevância. Como sabemos, é vedado por lei omitir qualquer informação relevante no prospecto. Mas quem define o que é ou não relevante?
Um conceito que acreditamos estar concretizado é que quem melhor julga a relevância de qualquer informação são os administradores e acionistas da empresa. Seguindo essa linha, a IN 400 confere ao emissor o poder de julgar que tipo de informação adicional deve constar no prospecto. Corrobora com esse fato a responsabilização do ofertante pelas informações fornecidas ao mercado durante a distribuição pública. A IN 400 também prevê a responsabilidade do coordenador líder pelas informações do prospecto. Inclusive, a regulamentação exige que ambos declarem que o prospecto contém as informações relevantes aos investidores.
Não acreditamos que se trata aqui de responsabilidade objetiva do coordenador líder, mas sim da responsabilidade de indenizar prevista no Código Civil. Então, seria apenas o próprio ofertante e o coordenador, quem delimita com base na IN 400 as informações do prospecto? Nem sempre.
À CVM são reservados amplos poderes para regular a elaboração dos prospectos e o registro de distribuições públicas. Isso é evidenciado pelo art. 40 da IN 400, que permite a CVM adequar a exigência de conteúdo dos prospectos, por norma própria, de acordo com as características de cada operação. Além disso, a CVM pode exigir da emissora, para inclusão no prospecto, informações adicionais.
No entanto, o fato é que, em razão de sua natural limitação de acesso às informações, a CVM dificilmente terá as mesmas oportunidades para julgar relevância tal qual os envolvidos na distribuição. Diante disso, parece razoável que o papel da CVM esteja limitado à verificação de forma e consistência do prospecto. Em especial, é preciso ressaltar que a própria IN 400 exige a inclusão da seguinte ressalva na capa de todos os prospectos: “O registro da presente distribuição não implica, por parte da CVM, garantia de veracidade das informações prestadas ou julgamento sobre a qualidade da companhia emissora, bem como sobre os valores mobiliários a serem distribuídos”.
Feitas essas considerações, é digno de nota que, permeando todo julgamento de relevância, forma e consistência dos prospectos, deve-se sempre buscar evitar a banalização de informações.
*Daniel de Miranda Facó e Caio Gargione Habice Prado, advogados sócio e associado do Machado, Meyer, Sendacz e Opice.
Gazeta Mercantil - 20/09/07