A partir de experiências recentes no mercado, a interpretação sobre disposição legal que determina a proposta obrigatória de compra de todas as ações ordinárias por quem adquire participações relevantes enfrenta a construção de novos conceitos. Depois de análises apresentadas por diretores da CVM em casos concretos de compras de participações, a definição de aquisição de controle em potencial se diferencia, com mais clareza, da efetiva titularidade do controle e do exercício do controle, segundo advogados. Um movimento que traz impactos às operações no mercado. Para uma situação de total segurança, a sugestão é o estabelecimento de um percentual fixo para esclarecer a transferência de controle.
Por Andréa Háfez
19|11|2009
Ao menos em um ponto há concordância entre os Operadores do Direito que atuam na área de mercado de capitais: a legislação brasileira de sociedades anônimas foi criada dentro de um cenário diferente do atual. Não foram estabelecidas especificidades sobre o que era controle, afinal, era difícil imaginar, na década de 70, companhias nas quais não existissem um acionista, ou bloco, detentor de mais de 50% do capital votante _ a definição tradicional de controle, sem ser preciso colocar em nenhum dispositivo legal.
Era simples saber quando o acionista minoritário teria garantido um mecanismo de saída da companhia, se houvesse a troca do controle. Quem quisesse adquirir mais de 50% do capital votante, concentrados nas mãos do controlador, teria que fazer a oferta de compra das ações ordinárias dos demais acionistas, por pelo menos 80% do valor que seria pago ao controlador. A chamada Oferta Pública de Ações (OPA) com o pagamento de Tag Along.
No entanto, a realidade mudou e trouxe para o mercado as situações de companhias sem acionistas detentores de mais de 50% do capital votante. Com bem menos que esse percentual do capital votante, em uma companhia com suas ações pulverizadas entre vários investidores, pode haver a detenção de controle ou o seu exercício. A partir daí, ficou mais difícil saber o contexto em que um comprador de parte da companhia será obrigado, ou não, a fazer a oferta de aquisição a todos os demais acionistas, com pagamento de tag along.
Nem sempre, ao adquirir as ações do atual controlador, detentor de menos de 50% do capital votante, estará ocorrendo a transferência efetiva desse poder, pois outros fatores podem interferir nesse potencial e impedir que exista o mesmo controle nas mãos de quem o adquiriu. Daí ser diferente: o exercício do controle e a titularidade do controle, conceitos diversos que resultam em impactos diferentes para quem participa do mercado.
O advogado Adriano Castello Branco, sócio do escritório Veirano Advogados, afirma que para haver a caracterização da alienação de controle, gerando a aplicação do art. 254-A da Lei das S.A., e com a obrigação de realizar a Oferta Pública de Ações com pagamento de tag along, é necessária a transferência de ações integrantes do bloco de controle. Mais que isso, é preciso que haja a titularidade do controle. “E, para determinar que um acionista ou grupo de acionistas seja considerado como titular do poder de controle, é necessário que o mesmo detenha ações representativas de mais de 50% do capital votante da companhia”, diz o advogado.
Segundo a sua análise, nas companhias abertas com o chamado controle minoritário, onde inexiste a titularidade do poder de controle dentro dessa definição, não há como aplicar a regra estabelecida pelo art. 254-A da Lei das S.A. Não basta o exercício do controle, com o qual o acionista, ou o bloco de acionistas, conseguem de modo permanente a maioria dos votos nas deliberações da assembléia-geral e o poder de eleger a maioria dos administradores da companhia, dirigindo as atividades da empresa e orientando o funcionamento de seus órgãos.
“O exercício de poder implica em assumir as responsabilidades do poder de controle, mas não significa que existe a titularidade do controle”, afirma. “Caso não seja titular do poder de controle, mas exerça o poder de controle, deverá cumprir o previsto nos artigos 116 e 117 da Lei das S.A., mas ao vender a sua participação, não será acionada a obrigação do artigo 254-A”. Para ele, essa interpretação confere uma maior segurança ao mercado, pois na realização de operações com esse perfil: alienação de um potencial poder de controle, inferior a 50% do capital votante, e não a sua titularidade, seria sempre necessária a análise caso a caso.
A discussão, porém, ainda está longe do fim. A própria Comissão de Valores Mobiliários tem sinalizado para essa necessidade: verificar se houve ou não a alienação de controle caso a caso, quando a compra não se refere a mais que 50% do capital votante, para saber se cabe ou não a realização da OPA. Enquanto não há um posicionamento mais claro, a cada operação de aquisição de participações com potencial de entendimento de transferência de controle, o mercado sofre o impacto. As ações podem ser manipuladas e quem deveria ganhar com o direito do tag along – os minoritários – podem justamente sair perdendo, com a falta de segurança jurídica.
Para o advogado Thiago Giantomassi, sócio do escritório Demarest Almeida, a legislação brasileira, no artigo 254-A, optou por seguir a definição genérica tanto de alienação como de controle, para determinar o disparo da oferta pública. Esse formato, típico da tradição jurídica nacional, busca justamente abraçar todas as situações, para que não ocorra, com a definição taxativa e específica de situações, o uso de ardis para evitar um ônus financeiro maior ao adquirente e o prejuízo aos minoritários. “Mas, nesses casos, a prática normalmente acaba por desafiar a definição genérica”, diz Giantomassi.
No entanto, buscar uma legislação que delimite explicitamente o que é a alienação de controle para a ocorrência de OPA, estipulando, por exemplo: que acontecerá a transferência de controle em operações que envolvam um determinado percentual capital votante, pode enrijecer demais.
Giantomassi opta por uma terceira via: manter a definição genérica e ao mesmo tempo estabelecer um parâmetro. “Estabelecer uma presunção de que, se a operação envolver 30% do capital votante, será considerado transferência de controle, é uma maneira de dar mais segurança sem enrijecer demais o conceito”.
De acordo com ele, hoje há situações semelhantes a essa nas quais se trabalha com uma presunção. “A própria ICVM 361 de 2002, segue esse formato de norma: nem genérica, nem específica. Se o controlador adquirir um terço do free float, segundo a norma, tem que realizar uma oferta de compra das ações dos demais acionistas. Mas, se houver uma redução significativa da liquidez _ mesmo que sem a aquisição de um terço do free float _ a CVM pode estabelecer que a oferta seja feita”, afirma Giantomassi.
Há um desconforto no mercado que sinaliza o desejo de algum esclarecimento que dê mais parâmetros. A advogada Adriana Pallis, sócia do escritório Machado, Meyer, Sendacz e Opice, avalia que, no momento, seria melhor o estabelecimento de um percentual fixo do capital para definir a ocorrência de transferência de controle que implicasse na realização de OPA. No entanto, na análise da advogada, é preciso verificar qual é a realidade do mercado, levantar dados, para estabelecer um percentual condizente com a situação de dispersão de capital das empresas brasileiras.
“A CVM passou a ter que lidar com a existência da indefinição do conceito de transferência de controle na lei. Como o controle pode ser estabelecido com pequenas participações e pode não ser permanente, acaba ocorrendo a necessidade de análise caso a caso”, afirma Adriana Pallis. “O que tem resultado em dificuldades até para orientação das empresas no momento da realização dos negócios. A própria CVM chega a resultados diferentes em processos semelhantes”, diz.
O advogado Luiz Felipe Duarte Martins Costa, do escritório Machado, Meyer, Sendacz e Opice, destaca que ficou evidente, a partir dos votos dados pelos diretores da CVM nos últimos julgados, que todos fazem questão de deixar claro que a obrigatoriedade ou não de realização de OPA depende da análise de cada caso. “A única aplicação tranquila do artigo 254-A é na aquisição de controle majoritário com mais de 50% do capital votante”.
O coordenador e professor dos Programas de LL.M. do Insper (ex-Ibmec São Paulo) André Antunes Soares de Camargo também concorda que os agentes do mercado têm sinalizado uma insatisfação com essa situação de indefinição, em razão de não haver segurança e previsibilidade. Daí a ideia do estabelecimento de um percentual fixo: haveria um critério claro para disparar a OPA, sem haver a discussão da operação.
Na Europa, de acordo com o coordenador do Insper, que possui mercados semelhantes ao brasileiro: com maior concentração de capital e empresas familiares, a maioria dos países acabou por optar pelo caminho do percentual fixo (30% do capital votante da companhia), até por conta da diretriz dada pela União Européia nesse sentido. Esse critério traz o benefício da segurança e previsibilidade, mas em contrapartida ignora o que a operação significa de fato para os envolvidos e para o mercado. “A métrica fixa dá proteção para a companhia e seus credores, mas é preciso mais: é necessário buscar a proteção do mercado e as partes envolvidas no negócio”.
O que exigiria, ao menos nessa fase do mercado brasileiro, segundo Soares de Camargo, uma análise mais multidisciplinar e ampla das operações. A disposição no sentido de que, a partir da aquisição de um percentual fixo do capital votante, o adquirente fosse obrigado a fazer a oferta de compra das demais ações, pode representar uma onerosidade excessiva à operação. “O que seria um impeditivo inclusive a investimentos que poderiam socorrer companhias em dificuldades. O efeito dessa medida poderá ser uma trava ao desenvolvimento do mercado”, afirma o professor. “Não há cientificidade na disposição de qualquer percentual no momento. Seria necessária uma análise mais ampla dos diversos pontos envolvidos nesse debate, além de um estudo, com a obtenção de dados sobre as operações ocorridas no mercado, para buscar a definição de uma métrica fixa”.
(Espaço Jurídico Bovespa 19.11.2009)
(Notícia na Íntegra)

