Laura
Ignacio | São Paulo
Advogados que representam empresas no Conselho
Administrativo de Recursos Fiscais (Carf) ficaram surpresos, inconformados e
preocupados com a instituição de uma remuneração mensal de até R$ 11.238,00
para os conselheiros do órgão - R$ 1.872,50 por sessão -, prevista no Decreto
nº 8.841, publicado na quinta-feira. Também causou indignação outro ponto da
norma: os julgadores ficam proibidos de atuar em processos contra a Fazenda
Nacional.
Para tributaristas, as novas regras vão esvaziar o conselho.
As "grandes cabeças" do Carf, segundo eles, não terão interesse em
trabalhar exclusivamente para o órgão, pelo valor determinado.
Consequentemente, a medida preocupa as empresas, com causas bilionárias em
tramitação no Carf.
O decreto é mais uma das medidas capitaneadas pelo Ministério
da Fazenda para aprimoramento do funcionamento do conselho, atualmente
investigado na Operação Zelotes - sobre a venda de votos dos conselheiros para
derrubar autuações fiscais. Hoje, termina o prazo para o envio de sugestões
pela sociedade à minuta do novo regimento do órgão.
Antes do decreto, os conselheiros recebiam apenas uma ajuda
de custo para pagar passagens aéreas e hotel em Brasília, onde está a sede do
Carf. Com a mudança, o Conselho Federal da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB)
decidiu debater o assunto na próxima sessão. Por nota, o presidente da Ordem,
Marcus Vinicius Furtado Coêlho, informou que, "com a previsão de
remuneração, o Estatuto da Advocacia proíbe o exercício profissional. Será caso
de impedimento total com a advocacia ou, no mínimo, de advogar contra a Fazenda
que a remunera".
O Movimento de Defesa da Advocacia (MDA) divulgará seu
posicionamento essa semana. "Porém, a primeira impressão sobre o decreto,
ao estipular remuneração, é que ele acaba por criar uma incompatibilidade em
relação ao exercício da advocacia em geral", afirma o presidente da
entidade, Marcelo Knopfelmacher. Há pelo menos dois pareceres do Conselho
Federal da OAB que consideram o fato de o profissional não receber remuneração
para autorizar a atuação do advogado em tribunais administrativos.
Em razão desse risco, advogados preocupam-se com os nomes
dos novos conselheiros e se será garantida a paridade do órgão - julgamentos
com representantes do Fisco e dos contribuintes. Se isso não ocorrer, eles
preveem um aumento de demandas no Judiciário. Por nota, o Ministério da Fazenda
diz que a paridade no Carf está mantida: "O decreto visa remunerar o
conselheiro, seguindo o Estatuto da Advocacia".
O Centro de Estudos das Sociedades de Advogados (Cesa)
também está examinando impactos do decreto. "Nossa preocupação é que o
órgão continue sendo formado pelas melhores cabeças para efetivamente
contribuir para o aprimoramento do processo tributário", diz a advogada
Daniella Zagari, do Machado Meyer Advogados e coordenadora no Cesa.
Para ela, passaria a ser vedado só o exercício da advocacia
contra a Fazenda Nacional. O profissional poderia atuar contra os Fiscos
estaduais e municipais. "Mas isso não deixa de ser uma restrição ao
exercício da profissão."
Grande parte dos conselheiros que atuam no Carf integra
escritórios de advocacia e muitos dos profissionais são sócios dessas bancas.
"O decreto causa grande insegurança. Além de vasto conhecimento teórico,
como têm os acadêmicos, por exemplo, os conselheiros atuais têm vivência das
questões complexas que são julgadas no Carf", afirma o advogado Caio
Taniguchi Marques, do Aidar SBZ.
A implementação de alterações e a discussão sobre a forma
das mudanças são importantes para Federação das Indústrias de São Paulo
(Fiesp). Mas o novo decreto é visto como um possível perigo para as empresas
pelo diretor jurídico da entidade, Helcio Honda. "Não nos parece que essa
remuneração vai atrair especialistas no direito administrativo tributário. A
remuneração pode levar o advogado a ter que suspender o exercício da
advocacia", diz.
Para Honda, só poderá ser positivo se melhorarem a qualidade
dos julgadores. "Por isso, queremos discutir com a Fazenda o aprimoramento
do processo de seleção, exigir provas, títulos, entre outros critérios objetivos",
afirma.
Segundo o conselheiro da 3ª Turma Ordinária da 4ª Câmara da
3ª Seção, Luiz Rogério Sawaya, cogita-se uma renúncia em conjunto de
conselheiros. "Ser conselheiro do Carf era uma missão, um prestígio de
elevar o nível da discussão tributária. Quem está lá, não está por remuneração,
mas pela experiência", diz. Para ele, a incompatibilidade de ser
conselheiro e advogar contra a Fazenda Nacional é ilegal e inconstitucional.
"Creio que isso será derrubado no Judiciário."
O jurista Paulo de Barros Carvalho renunciou à função no
Carf antes da publicação do decreto. Como representava a sociedade civil por
indicação do Ministério da Fazenda, preferiu deixar o cargo à disposição. Ele
também foi surpreendido pelas disposições da norma. "Essa incompatibilidade
em relação aos advogados me parece ser inconciliável com a concepção do Carf,
de ter os conselheiros mais credenciados possíveis, tanto na representação do
Fisco como da comunidade empresarial", diz. "É necessário manter a
equilibrada representação de ambas as partes e criar, sim, um sistema adequado
de controle."
Também na quinta-feira, foi publicada a Portaria nº 21, que
institui a Comissão de Ética do Conselho Administrativo de Recursos Fiscais e
seu Regimento Interno. A comissão atuará nos casos envolvendo conselheiros;
servidores, empregados de estatais e terceirizados e estagiários que prestem
serviço ao órgão. Ao denunciado será assegurado o direito de conhecer o teor da
acusação e ter cópias de documentos. A decisão final que resultar em sanção,
recomendação ou acordo será resumida e publicada, com a omissão dos nomes dos
envolvidos e dados que permitam sua identificação.
(Valor Econômico - 04.05.2015, p. E1)