Nova súmula do STJ consolida entendimento de que o dever de reparação cabe primeiro ao poluidor direto, mesmo na hipótese de responsabilidade solidária

O Superior Tribunal de Justiça (STJ) publicou, em 6 de dezembro de 2021, a Súmula 652, fixando o entendimento do tribunal sobre a responsabilidade civil da Administração Pública por danos ambientais em casos de omissão (“responsabilidade civil da Administração Pública por danos ao meio ambiente, decorrente de sua omissão no dever de fiscalização, é de caráter solidário, mas de execução subsidiária”).[1]

Súmulas são definidas como enunciados que resumem os entendimentos consolidados nas decisões proferidas pelo STJ e servem como diretrizes para orientação da comunidade jurídica e para a unificação da interpretação das leis federais.

Nos termos da Política Nacional do Meio Ambiente, instituída pela Lei Federal 6.938/81, a responsabilidade ambiental civil é objetiva e independe da aferição de culpa. Para que seja configurada a obrigação de reparação ambiental, basta comprovar o dano e seu nexo de causalidade com a atividade desenvolvida por uma parte. O artigo 225[2] da Constituição Federal também estabelece a obrigação de reparação dos danos causados ao meio ambiente, independentemente de outras sanções.

A União Federal, os estados, o Distrito Federal e os municípios têm competência concorrente para fiscalização e licenciamento de atividades potencialmente poluidoras ou que utilizem recursos naturais (artigo 23, inciso VI, da Constituição Federal). O modo de exercer essa competência está detalhado na Lei Complementar 140/11, com a delimitação das hipóteses de licenciamento por ente federal, estadual ou municipal – destaque-se que o licenciamento ambiental deve ser realizado perante um único ente – no artigo 13 da Lei Complementar 140/11. Dessa forma, o Poder Público, assim como o particular, é titular de deveres e obrigações relacionados à defesa e à preservação do meio ambiente. Em tese, é possível responsabilizá-lo por eventual dano ambiental, especialmente nos casos em que deveria ter agido para evitar um resultado, mas se omitiu de seu dever de fiscalização.

A legislação ambiental também prevê a responsabilidade solidária entre os poluidores.[3] Isso significa que a vítima do dano ambiental, ou quem a lei autorizar, não está obrigada a processar todos os poluidores em uma mesma ação, podendo escolher um entre todos os poluidores.

Apresentado o contexto da responsabilidade civil ambiental, voltamos ao tema da edição da Súmula 652, a qual foi baseada em alguns precedentes originários, entre os quais destacamos:

“[...] DANO AO MEIO AMBIENTE. RESPONSABILIDADE CIVIL DO ESTADO POR OMISSÃO. ARTS. 3º, IV, C/C 14, § 1º, DA LEI 6.938/81. DEVER DE CONTROLE E FISCALIZAÇÃO. [...] A jurisprudência Predominante no STJ é no sentido de que, em matéria de proteção ambiental, há responsabilidade civil do Estado quando a omissão de cumprimento adequado do seu dever de fiscalizar for determinante para a concretização ou o agravamento do dano causado pelo seu causador direto. Trata-se, todavia, de responsabilidade subsidiária, cuja execução poderá ser promovida caso o degradador direto não cumprir a obrigação, 'seja por total ou parcial exaurimento patrimonial ou insolvência, seja por impossibilidade ou incapacidade, por qualquer razão, inclusive técnica, de cumprimento da prestação judicialmente imposta,[4] assegurado, sempre, o direito de regresso (art. 934 do Código Civil), com a desconsideração da personalidade jurídica, conforme preceitua o art. 50 do Código Civil.” (REsp 1.071.741/SP, 2ª T., Min. Herman Benjamin, DJe de 16/12/2010).”[5]

“[...] DANO AMBIENTAL. RESPONSABILIDADE SOLIDÁRIA DE EXECUÇÃO SUBSIDIÁRIA. [...] A Responsabilidade do Estado por dano ao meio ambiente decorrente de sua omissão no dever de fiscalização é de caráter solidário, mas de execução subsidiária, na condição de devedor-reserva.[6] Precedentes.”[7]

Percebe-se a preocupação do STJ em responsabilizar o causador principal do dano no processo de execução, a fim de evitar a imposição indiscriminada de responsabilidade ao Estado por omissão, o que prejudicaria a sociedade como um todo. É o que se extrai, por exemplo, do seguinte trecho de um dos acórdãos:

“não se insere entre as aspirações da responsabilidade solidária e de execução subsidiária do Estado – sob pena de onerar duplamente a sociedade, romper a equação do princípio poluidor-pagador e inviabilizar a internalização das externalidades ambientais negativas [8] substituir, mitigar, postergar ou dificultar o dever, a cargo do degradador material ou principal,[9] de recuperação integral do meio ambiente afetado e de indenização pelos prejuízos causados”.[10]

Portanto, ainda que o Poder Público tenha concorrido para a ocorrência do dano por omissão no exercício de seu dever de fiscalização e prevenção, o STJ entende que o ônus decorrente de sua reparação não deve ser dividido de maneira igual entre os entes públicos e particulares.

É interessante mencionar também a decisão proferida pelo STJ no Recurso Especial 1.612.887-PR,[11] a qual fixou entendimento de que um erro do Poder Público na concessão das licenças não exime a empresa de responder pelos danos ambientais. Na decisão, reconheceu-se que a empresa envolvida havia construído um posto de combustíveis com base em licenças ambientais válidas e expedidas pelos órgãos ambientais. Ainda assim, ela foi condenada a pagar indenização pelo dano causado à vegetação de Mata Atlântica.

A edição da Súmula 652 do STJ consolida o entendimento do tribunal de que, mesmo na hipótese de responsabilidade solidária, o dever de reparação do dano ambiental deve ser direcionado primeiramente ao poluidor direto. O ônus da reparação somente poderá ser atribuído ao Estado na impossibilidade de o efetivo causador reparar o dano. Ainda que seja possível condenar solidariamente o Estado por omissão e não exercício de seu dever fiscalizatório, portanto, a execução das ações de reparação e/ou indenização pelo dano ambiental somente será redirecionada ao Estado quando exaurida a possibilidade de se exigir a reparação/indenização daquele que efetivamente provocou o dano ambiental.

 


[1] Súmula 652, Primeira Seção, julgado em 02/12/2021, DJe 06/12/2021.

[2] “Art. 225. Todos têm direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado, bem de uso comum do povo e essencial à sadia qualidade de vida, impondo-se ao Poder Público e à coletividade o dever de defendê-lo e preservá-lo para as presentes e futuras gerações.

(...)

  • 2º Aquele que explorar recursos minerais fica obrigado a recuperar o meio ambiente degradado, de acordo com solução técnica exigida pelo órgão público competente, na forma da lei.
  • 3º As condutas e atividades consideradas lesivas ao meio ambiente sujeitarão os infratores, pessoas físicas ou jurídicas, a sanções penais e administrativas, independentemente da obrigação de reparar os danos causados.”

[3] A Lei Federal n° 6.938/1981 define poluidor como “a pessoa física ou jurídica, de direito público ou privado, responsável, direta ou indiretamente, por atividade causadora de degradação ambiental”. Nesse sentido, a jurisprudência vem adotando o entendimento de que o poluidor é “quem faz, quem não faz quando deveria fazer, quem deixa fazer, quem não se importa que façam, quem financia para que façam, e quem se beneficia quando outros fazem”.

[4] Grifo nosso

[5] AGRESP 1001780 PR, rel. ministro Teori Albino Zavascki, Primeira Seção, julgado em 27/09/2011, DJe 04/10/2011

[6] Grifo nosso

[7] AIRESP 1362234 MS, rel. ministro Og Fernandes, Segunda Turma, julgado em 05/11/2019, DJe 11/11/2019

[8] Grifo nosso

[9] Grifo nosso

[10] RESP 1071741 SP, rel. ministro Herman Benjamin, Segunda Turma, julgado em 24/03/2009, DJe 16/12/2010

[11] STJ, 3ª T. REsp 1.612.887/PR, rel. min. Nancy Andrighi, j. 28/04/2020, DJe 07/05/2020