Por Bruno RacyRoberto Kerr Cavalcante Bonometti e Frederico Antelo

 O setor do agronegócio e as alternativas de financiamento para a cadeia do agronegócio foram objeto de mudanças e aprimoramentos importantes no último ano. A conversão da Medida Provisória n° 897/19 (MP do Agro) na Lei nº 13.986/20 trouxe várias inovações que visam estimular o acesso ao crédito, especialmente por meio de captações no mercado de capitais. Entre elas, destacam-se:

  • a instituição do Fundo Garantidor Solidário;
  • a criação do Patrimônio Rural em Afetação;
  • a instituição da Cédula Imobiliária Rural (CIR);
  • a ampliação dos autorizados a emitir Cédula de Produto Rural (CPR) para incluir produtores rurais (sejam eles pessoas naturais ou jurídicas), cooperativas e associações de produtores que atuem na produção, comercialização e industrialização de produtos rurais, assim como a possibilidade de indexação do título à variação cambial; e
  • a possibilidade de constituir e excutir garantias reais sobre imóveis rurais, inclusive por meio de dação em pagamento ou de outra forma.

Tais avanços repercutiram no mercado de Certificado de Recebíveis do Agronegócio (CRA), que esteve bastante aquecido no último ano. Segundo dados da Anbima (Associação Brasileira das Entidades dos Mercados Financeiro e de Capitais), em 2020 foram realizadas 586 emissões com distribuição pública de CRA, que totalizaram aproximadamente R$ 95,8 bilhões. Isso corresponde a um aumento de 31% no volume de emissões e de 21% no número de emissões em relação a 2019.

CRAs são títulos de renda fixa emitidos por uma securitizadora e lastreados em recebíveis originados de negócios entre produtores rurais, ou suas cooperativas, e terceiros. Esses negócios incluem financiamentos ou empréstimos relacionados à produção, comercialização, beneficiamento ou industrialização de produtos, insumos agropecuários ou máquinas e implementos utilizados na produção agropecuária, conforme previsto no artigo 23, §1º da Lei nº 11.076/04.


O diagrama abaixo sintetiza a estrutura de uma emissão de CRA:

Artigo FHO anexo1

O art. 3º, §4º, da Instrução CVM nº 600 estabelece que podem ser considerados direitos creditórios para lastrear (ou securitizar) uma oferta de CRA aqueles constituídos: (i) diretamente por devedores ou credores originais caracterizados como produtores rurais ou suas cooperativas, independentemente da destinação a ser dada pelo devedor ou pelo cedente aos recursos; ou (ii) por títulos de dívida emitidos por terceiros vinculados a uma relação comercial existente entre o terceiro e produtores rurais ou suas cooperativas; ou (iii) títulos de dívida emitidos por produtores rurais ou suas cooperativas. Esse dispositivo da Instrução CVM nº 600 reflete vários precedentes da CVM sobre a Lei nº 11.076/04, por meio dos quais ampliou-se a interpretação dos créditos que podem lastrear ofertas de CRA, inclusive aqueles que estão na ponta final da cadeia produtiva do agronegócio.

Além da natureza indicada acima, esses direitos creditórios podem ser instrumentalizados de diversas formas, como duplicatas, Cédulas de Produto Rural (CPR), Notas Promissórias (NP), Certificados de Direitos Creditórios do Agronegócio (CDCA), debêntures, Notas de Crédito à Exportação (NCE), Cédulas de Crédito à Exportação (CCE), contratos de fornecimento ou Cédulas Imobiliárias Rurais (CIR).

O mercado de CRAs tende a ficar ainda mais atraente para os investidores após a criação do CRA Garantido, em 8 abril. Trata-se de um novo produto por meio do qual o Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES), atuará como prestador de garantia para investidores de uma emissão de CRA.

A operação que inaugurou esse produto foi a emissão de CRA da Ecoagro –securitizadora especializada no agronegócio – lastreada em direitos creditórios da Cotrijal Cooperativa Agropecuária e Industrial, com mais 7.700 cooperados.

No caso da emissão anunciada, o BNDES garantiu apenas os CRAs da primeira série (por meio de um aval do banco), que serão considerados seniores perante os CRAs das demais séries, de modo que terão prioridade (a) no recebimento da remuneração; (b) nos pagamentos decorrentes de amortização extraordinária e/ou resgate antecipado, conforme o caso; (c) no pagamento do valor nominal unitário; e (d) na hipótese de liquidação do patrimônio separado.

Em caso de atraso no pagamento, descumprimento de obrigações e/ou se for necessário recompor as contas vinculadas nas quais são depositados os direitos creditórios do agronegócio que lastrearam a emissão, o agente fiduciário (na qualidade de representante dos titulares dos CRAs da 1ª primeira série) ou a emissora poderão notificar o BNDES para que efetue o pagamento de principal e juros devidos.

A intenção do BNDES com esse novo produto é garantir o pagamento dos títulos aos investidores e, com isso, fomentar o acesso ao mercado de capitais por pequenos e médios produtores rurais. Com a participação inédita do BNDES como garantidor no âmbito das ofertas de CRA, a expectativa é que tal medida resulte em:

  • redução dos custos financeiros das operações para os produtores rurais e/ou suas cooperativas, dado que a garantia dada pelo BNDES mitiga o risco de inadimplência e, consequentemente, possibilita a atribuição de juros mais baixos aos títulos;
  • maior segurança para quem investe em CRAs e, consequentemente, mais interesse nesses títulos, visto que, diferentemente da LCA (outro instrumento de renda fixa utilizado para regular uma exposição ao setor do agronegócio), os CRAs não são garantidos pelo Fundo Garantidor de Crédito;
  • complementação das alternativas de fonte de financiamento dos produtores rurais, ou cooperativas, com mais incentivo para que realizem captações no mercado de capitais fora do sistema financeiro tradicional; e
  • maior rigor na observância de normas socioambientais, visto que se trata de requisito fundamental para a participação do BNDES.

Em linha com a crescente adesão de investidores e financiadores a análises ESG, outra estratégia para aumentar ainda mais a atratividade dos CRAs é a possibilidade de obtenção de certificações ambientais e sociais, como green bonds ou social bonds. Nesses casos, os CRAs passam por um processo de certificação por entidades como a Climate Bonds Initiative (CBI), que estabelecem os critérios para emissão dessas certificações. Por atraírem investidores que não estariam inicialmente interessados e aumentar a demanda por tais títulos, essas certificações também podem levar à redução dos custos financeiros da operação.

O constante crescimento do agronegócio, impulsionado, entre outros fatores, pelos diversos estímulos dados ao setor, e agora somado à atuação do BNDES como garantidor e à possibilidade de certificação dos CRAs como green bonds, torna a opção de financiamento por meio desses títulos uma alternativa cada vez mais interessante para os produtores rurais – dado que tais estruturas tendem a atrair mais investidores.