Originada da Medida Provisória 1.103/22, a Lei nº 14.430, sancionada em 3 de agosto de 2022, instituiu o Marco Legal das Securitizadoras e consolidou a legislação esparsa que disciplinava os Certificados de Recebíveis Imobiliários (CRI) e os Certificados de Recebíveis do Agronegócio (CRA).

Trata-se de uma importante norma legal que terá impacto significativo na expansão e consolidação do mercado de securitização no país, ao contribuir para a desintermediação financeira e a ampliação do mercado de capitais.

A lei uniformiza as regras gerais aplicáveis à securitização de direitos creditórios e emissão de certificados de recebíveis, estabelece definições importantes para o mercado, traz um conceito uniforme e abrangente de certificado de recebíveis, além de pacificar questões que geravam controvérsia jurídica ou oneravam a estruturação das operações.

O marco legal da securitização representa uma quebra de paradigma no mercado de crédito de recebíveis no país, já que permitirá a expansão das operações de securitização com intermediação de companhias securitizadoras para os mais diversos setores da economia.

Antes da edição da MP 1.103/22, as operações de securitização com a intermediação das companhias securitizadoras estavam restritas aos setores imobiliário, do agronegócio e financeiro.

Nos setores de educação e saneamento, por exemplo, há uma demanda por instrumentos de investimento privado via mercado de capitais, já manifestada em projetos de lei que tramitaram no Congresso Nacional, visando a criação de Certificados de Recebíveis Educacionais e Certificados de Recebíveis de Saneamento. Essas iniciativas normativas acabaram não evoluindo, mas, com a edição do Marco Legal da Securitização, essa demanda poderá ser atendida devido a criação do conceito amplo de “Certificado de Recebíveis”.

A reforma implementada pela Lei nº 14.430 se insere no amplo contexto de modernização das normas aplicáveis a companhias de securitização e ao mercado de securitização. No âmbito infralegal, destacamos a edição da Resolução CVM 60/21, que entrou em vigor em 2 de maio de 2022. A resolução da Comissão de Valores Mobiliários (CVM) complementa a lei recém-sancionada ao instituir um arcabouço regulatório para as securitizadoras e o mercado de securitização.

A norma infralegal compartilha da mesma visão do diploma legal. Ela foi idealizada para comportar um conceito abrangente de certificados de recebíveis, que permitirá a utilização desse instrumento em diversos setores econômicos. Esse alinhamento foi possível graças às discussões para a elaboração da lei, ocorridas entre entidades da administração pública e da iniciativa privada no âmbito da Iniciativa de Mercado de Capitais (IMK), uma ação estratégica liderada pelo Ministério da Economia, da qual a CVM participa.

A coordenação, supervisão e fiscalização do mercado de securitização e de seus participantes fica a cargo da Superintendência de Supervisão de Securitização da CVM criada em 2021.

Em relação às principais alterações trazidas pelo Marco Legal das Securitizadoras destacam-se:

  • A criação de definições legais fundamentais para o mercado de securitização, como “companhias securitizadoras” e “operações de securitização”;
  • A utilização de um conceito uniforme e abrangente de “certificados de recebíveis”;
  • A possibilidade de as companhias securitizadoras – inclusive as securitizadoras de créditos financeiros – utilizarem o regime fiduciário com constituição de patrimônio separado na emissão de quaisquer certificados de recebíveis e títulos e valores mobiliários representativos de operações de securitização;
  • A proteção do investidor em relação aos riscos de natureza fiscal, previdenciária ou trabalhista da companhia securitizadora, com afastamento da incidência do art. 76 da Medida Provisória 2.158-35;[1]
  • A possibilidade de chamadas de capital mediante a celebração de promessa de subscrição e integralização de certificados de recebíveis;
  • A extensão do mecanismo de revolvência – antes restrito aos créditos do agronegócio – para operações de securitização envolvendo recebíveis de qualquer natureza, com implementação sujeita a ajuste na Resolução CVM 60, que atualmente veda a revolvência em operações de securitização imobiliária;
  • A previsão de recomposição do lastro da operação com outros direitos creditórios diante da insuficiência do patrimônio separado;
  • A previsão de dação em pagamento de direitos creditórios para os investidores em situações de liquidação de emissões decorrentes de insolvência da securitizadora ou insuficiência de ativos do patrimônio separado, sem acordo entre os investidores ou quórum em assembleia; e
  • A extensão da cláusula de correção pela variação cambial para certificados de recebíveis de qualquer natureza, antes restrita aos CRA, desde que observados os requisitos da norma e do Conselho Monetário Nacional.

A isenção de imposto de renda dos rendimentos pagos à pessoa física titular de CRI e CRA, entretanto, não se estende aos demais certificados de recebíveis.

A MP 1.103/22 está em vigor, com força de lei, desde a sua edição, em 15 de março deste ano. Durante sua tramitação no Congresso Nacional foram apresentadas 55 emendas parlamentares.

Entre as alterações propostas, destacamos a revogação dos incisos I, II e III do parágrafo 8º do art. 3º da Lei 9.718/98 para permitir que as despesas de captação de recursos incorridas pelas pessoas jurídicas que tenham por objeto a securitização de créditos sejam deduzidas na determinação da base de cálculo da contribuição para o PIS/Pasep e Cofins.

Os incisos revogados restringiam essa possibilidade à operação de securitização de créditos imobiliários, do agronegócio e financeiros. Esse tratamento fiscal se faz necessário para viabilizar o fluxo de pagamento na aquisição dos direitos creditórios em operações de securitização.

A edição do Marco Legal das Securitizadoras é um importante avanço para o mercado de crédito de recebíveis e inaugura um novo paradigma nesse setor, com enorme potencial econômico e garantia de segurança jurídica para a atuação das companhias securitizadoras. A reforma permitirá, portanto, a consolidação e expansão do mercado de securitização no país e tem o potencial de atingir positivamente os mais variados setores da economia, além de fortalecer o mercado de capitais nacional.

 


[1] Medida Provisória 2.158-35. “Art. 76. As normas que estabeleçam a afetação ou a separação, a qualquer título, de patrimônio de pessoa física ou jurídica não produzem efeitos em relação aos débitos de natureza fiscal, previdenciária ou trabalhista, em especial quanto às garantias e aos privilégios que lhes são atribuídos.

Parágrafo único. Para os fins do disposto no caput, permanecem respondendo pelos débitos ali referidos a totalidade dos bens e das rendas do sujeito passivo, seu espólio ou sua massa falida, inclusive os que tenham sido objeto de separação ou afetação.”